Mario Draghi e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ontem em Bruxelas.
Mario Draghi e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ontem em Bruxelas.FOTO: Olivier Hoslet / EPA

Draghi propõe nova estratégia industrial e investimentos de 800 mil milhões ao ano

Relatório do antigo primeiro-ministro italiano defende emissão regular de dívida conjunta na UE. Economistas dizem que é um documento “provocador” e há quem coloque reservas à proposta de 'eurobonds'.
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Uma nova estratégia industrial é o que propõe Mario Draghi, antigo primeiro-ministro italiano, no seu relatório sobre o futuro da competitividade europeia, ontem apresentando em Bruxelas. Um documento que prevê uma série de medidas assentes em três eixos: a inovação e a produtividade, a descarbonização e a redução da dependência externa, e que o próprio estima que necessitará de investimentos adicionais de 800 mil milhões de euros ao ano para as implementar. A emissão regular de dívida conjunta, os chamados eurobonds, que tanta polémica geraram, são uma das soluções apontadas.

O abrandamento do crescimento económico é uma realidade na Europa desde o início do milénio e, apesar das várias estratégias implementadas, a União Europeia tem vindo a perder terreno face aos Estados Unidos e à China.

Mais, a prosperidade, a equidade, a liberdade, a paz e a democracia num ambiente sustentável são “os valores fundamentais” da Europa e a União Europeia “existe para garantir que os europeus podem sempre beneficiar destes direitos fundamentais”, defende Mario Draghi. Se já não os puder fornecer ao seu povo, a UE “terá perdido a razão de ser”, acrescenta.

Para o também ex-presidente do Banco Central Europeu , “a única forma de enfrentar este desafio é conseguir que a Europa cresça e se torne mais produtiva, preservando os nossos valores de equidade e inclusão social”. E, para isso, tem de “mudar radicalmente”.

Para Draghi, a UE precisa de acelerar a inovação e encontrar novos motores de crescimento para colmatar o défice europeu na aposta tecnológica face aos EUA e à China, mas também de reduzir os “elevados preços da energia, [para a UE]”, ao mesmo tempo que continua a apostar na descarbonização e na economia circular. Um desafio, atendendo a que as empresas comunitárias pagam “duas a três vezes mais de eletricidade e quatro a cinco vezes mais de gás” do que as norte-americanas.

Além disso, diz, a Europa precisa de “reagir a um mundo de geopolítica menos estável, em que as dependências se estão a tornar vulnerabilidades e já não pode depender de outros para a sua segurança”. E dá o exemplo da produção de semicondutores, que é assegurada, em 90%, pelo continente asiático
“Os países da UE já estão a responder a este novo ambiente com políticas mais assertivas, mas estão a fazê-lo de uma forma fragmentada que compromete a eficácia coletiva”, defende. A solução está numa nova estratégia industrial, acredita, defendendo, ainda, a emissão regular de dívida comum na UE, a exemplo do que foi feito na pandemia, mas também um investimento maciço na Área da Defesa.

“Debate valioso”

Luís Tavares Bravo, economista e presidente da International Affairs Network, considera que o relatório de Mario Draghi é um documento “provocador”, que trará “um debate valioso” para “uma Europa que estava muito amorfa e assente em Bruxelas”.

Sobre os eurobonds, Tavares Bravo lembra que “constitui, no final do dia, a continuação do processo de maior integração fiscal, económica e também política a nível da UE que teve origem no famoso plano de Mario Draghi, aquando da crise das dividas soberanas”.

As propostas de Draghi visam ainda tornar a UE “mais reativa ao clima mais protecionista global”, mas também aos desafios geopolíticos atuais e que se deverão manter para futuro, como o caso da cortina de ferro com a Rússia, que mexeu com os preços da energia.

“Todos estes fatores têm vindo a afetar a capacidade de a Europa continuar a poder crescer de forma a entregar também melhores respostas de coesão social e a evitar alimentar o descontentamento dos cidadãos com as instituições e com o projeto europeu”,sublinha.

Já Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia do Porto, assume-se a favor de uma política industrial “mais ativa”, mas mostra-se reservado quanto à questão da emissão de dívida conjunta, lembrando que os Planos de Recuperação e Resiliência visavam, precisamente, dar resposta à perda de terreno da UE face aos EUA e à China.

O problema, diz, é que “os dinheiros do PRR estão a ser mal gastos”. Quando muito, considera, dever-se-á procurar entre os fundos já existentes se não há uma parte que possa ser redirecionada para essa política industrial mais ativa, sob pena de “estarmos todos atulhados em dívida, que alguém vai ter que pagar um dia”, argumenta.

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