Protesto feminino em dia de greve internacional das mulheres
PEDRO ROCHA

Disparidade salarial de género identificada em quatro mil empresas

Empresas vão ser obrigadas a mostrar remunerações por género, em 2026, no âmbito de nova diretiva. ACT notificou companhias para combater salários desiguais, que são 16% inferiores para as mulheres.
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Quatro mil empresas portuguesas foram notificadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) por apresentarem um índice de disparidade salarial entre homens e mulheres superior a 5%. “Agora, estas empresas têm um prazo de 12 meses para apresentar um plano de avaliação das remunerações e verificar se têm situações de discriminação, corrigir ou justificar as diferenças com critérios objetivos como diferenças de qualificação ou de antiguidade”, disse a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), Carla Tavares, em declarações ao DN.

O referencial de 5% para o gender gap foi fixado na diretiva europeia sobre igualdade salarial, aprovada há quase um ano, em abril de 2023, e cuja transposição na íntegra deverá ocorrer até maio de 2026. Foi uma negociação complexa que demorou cinco anos até os 27 chegarem a acordo sobre o modo de, por via legal, começar a transformar a política de igualdade das empresas.

Aquele patamar de 5% está, ainda assim, muito abaixo da disparidade salarial de género estimada para Portugal, que se situa nos 16%, em desfavor das mulheres, se for considerada a remuneração global, incluindo subsídios e prémios de desempenho. Se a referência for apenas o salário base, o diferencial desce para 13,2%. Estes valores dizem respeito ao que ganham os dois géneros em absoluto num determinado ano, sem comparar qualificações, setores e percursos profissionais. Indicadores ajustados que comparem situações mais comparáveis podem apresentar valores um pouco mais próximos, mas não estão aqui considerados. Os dados do Eurostat, por exemplo, no caso português, soma os 14 meses e divide o valor por doze (nem todos os países da UE têm subsídios de férias e de Natal) e dá um diferencial ligeiramente inferior.

“Mas, seja como for, independente do critério que for usado, com indicador base ou ajustado, o certo é que a disparidade salarial existe sempre e é sempre em desfavor das mulheres”, garante Carla Tavares.

E, ao invés do que se poderia esperar, até pela melhoria das qualificações femininas, o fosso salarial aumentou nos últimos anos com dados disponíveis, em 2022 e 2023. Uma explicação pode estar, por exemplo, na crescente digitalização da economia e no reforço da componente tecnológica de várias atividades. As profissões de base tecnológica, em particular as tecnologias de informação são justamente as que estão a ser mais procuradas e melhor remuneradas nos últimos anos e onde as mulheres estão claramente sub-representadas. Um estudo recente da Mercer refere, por exemplo, que no setor da Inteligência Artificial, a participação feminina não vai além dos 26%.

Isso mesmo nota o diretor do CESAE DIGITAL – Centro para o Desenvolvimento de Competências Digitais, que ministra formação numa parceria entre o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) e a AEP (Associação Empresarial de Portugal). “Nos cursos que abrimos de requalificação profissional para as áreas tecnológicas a participação das mulheres é, no máximo, de 30%”, observa António Pêgo. Por isso, o CESAE resolveu criar o programa Girls can Code (as raparigas conseguem programar), no âmbito dos cursos de requalificação profissional, para sensibilizar o público feminino para as vantagens de aprenderem a linguagem do software de programação, mas também de Análise de Dados ou de Cibersegurança, “áreas que são críticas e que têm uma grande procura e altos níveis remuneratórios”. “Queremos empoderar as mulheres nas áreas digitais, mostrando exemplos relevantes e histórias felizes de mulheres nas tecnologias”, disse António Pêgo ao DN. “Temos bons exemplos com mulheres que fazem requalificação, vindas das áreas da psicologia ou do direito e que estão a ter carreiras notáveis”, disse. “Hoje em dia, as mulheres já têm uma boa formação de base e até são mais aplicadas, focadas e têm melhor produtividade, temos é de ultrapassar e retificar esta menor apetência pelas áreas tecnológicas, sob pena de ficarem cada vez mais sub-representadas e prejudicadas”, admite aquele responsável.

Dever de transparência

Combater a discriminação no mercado de trabalho é o racional da diretiva que vai passar a obrigar também as empresas com mais de 10 trabalhadores a terem políticas de transparência remuneratória, que os trabalhadores ou as suas organizações possam consultar.

Porque toda esta regulamentação é nova e choca com décadas de práticas muito pouco transparentes, a CITE está a atuar em duas vias. Por um lado está a realizar ações de sensibilização em todo o país para esclarecer e apoiar empresas a adotarem a nova legislação: “já vamos em quatro ações com cerca de 600 inscritos”, diz a sua presidente. Por outro, a comissão está a desenvolver uma nova ferramenta informática, que vai funcionar como a primeira calculadora de disparidade de género. “O projeto arrancou na semana passada e vai permitir que as empresas façam um autodiagnóstico do seu gender gap ao fazer o upload da sua folha salarial. Vai também ajudar as empresas a perceberem a origem desse diferencial e apontar a correção”. O projeto está a ser desenvolvido em parceria com a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o seu centro de formação em Turim, em linha com a metodologia considerada pela diretiva europeia, adiantou aquela responsável. Do leque das preocupações da CITE está igualmente a questão de salvaguardar a igualdade de tratamento no trabalho com as novas ferramentas de Inteligência Artificial. Trata-se de garantir que o algoritmo usado para programas de seleção, recrutamento e promoção de pessoal não reproduza vieses de género, que tendem a favorecer os homens em detrimento das mulheres.

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