Sandra Maximiano, presidente do conselho de administração da Anacom. Foto: Leonardo Negrão
Sandra Maximiano, presidente do conselho de administração da Anacom. Foto: Leonardo Negrão

“Digi está a levar consumidores a negociarem contratos que já tinham com operadores”

Entrada da empresa romena no mercado nacional já “mexeu com a oferta dos operadores incumbentes, mas também dinamizou o lado da procura”, sublinha a presidente do regulador do setor em conversa com o DN.
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A presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), diz que o Governo deve resolver com “grande urgência” o problema das taxas regulatórias cobradas aos operadores de telecomunicações, que foram consideradas inconstitucionais. Sandra Maximiano falou ao DN à margem da conferência “Imagine Live”, organizada na segunda-feira pela Ericsson Portugal, onde se falou dos marcos do 5G, de inovação e digitalização, bem como da necessidade de ter comunicações fiáveis e seguras.

O Governo pretende alargar o âmbito da decisão que excluiu a Huawei do 5G, em 2023, a outros setores, ao banir investidores e fornecedores estrangeiros que apresentem um elevado risco para a cibersegurança. A Anacom está envolvida nesta discussão? Que papel assumirá se a proposta do Governo avançar?

Há uma preocupação europeia, mas a forma como cada país [membro da União Europeia (UE)] está a implementar a caixa de ferramentas para o 5G, que não é uma recomendação direcionada apenas a um operador, é mais lata. De certa forma, parece-me consistente que os cuidados que temos que ter com as telecomunicações teremos que ter, de uma forma muito mais abrangente, com outros setores críticos. Há uma grande transversalidade da tecnologia e, aliás, seria estranho se assim não fosse. E relembro que a orientação [da UE] não visava só um operador específico, mas um espetro mais alargado.

Parece-lhe uma medida acertada?Há países, como Espanha, que têm tido uma postura mais cautelosa.

É uma decisão política, na qual a Anacom não tem um papel. O que a Anacom faz enquanto regulador é fiscalizar e supervisionar, e seguir qualquer decisão que seja tomada.

Mas tem conhecimento da intenção do Governo e, eventualmente, a Anacom será uma das entidades a ter de atuar?

Sim, mas são decisões no âmbito da Comissão de Avaliação de Segurança [CAS]. Mesmo dentro da CAS, seja qual for a decisão, cabe-nos implementar ou garantir que a implementação é feita da melhor forma. Quanto a diferenças entre países, Portugal também tem as suas especificidades e, naturalmente, há uma definição de prioridades, há áreas e infraestruturas críticas, e não é tudo tratado da mesma forma.

As taxas regulatórias que a Anacom cobra aos operadores foram consideradas inconstitucionais e o Governo terá de corrigir o enquadramento legal que existe. Já está em diálogo com o Executivo e sabe quando haverá um novo enquadramento legal?

Não conhecemos ainda os timmings, mas há uma grande urgência e, obviamente, que estamos em contacto próximo com Governo.

Poderá acontecer ainda este ano?

Esperamos que aconteça este ano, porque o que está em causa é a cobrança das taxas de 2024. Não se trata do que está para trás e o que terá que ser devolvido. Olhando para o futuro não tenho qualquer dúvida que o problema será resolvido para 2025. A urgência prende-se mesmo com 2024 estar a terminar e haver necessidade de cobrar taxas com um enquadramento legal que o permita. É aí que estamos a trabalhar para encontrar a melhor solução.

Esta situação pode de alguma forma comprometer as contas de 2024 da Anacom?

Pode pôr em causa a origem de onde vem a verba. Obviamente, temos fundos para fazer face às nossas atividades e atuação, mas é claro que é muito diferente se as verbas que têm de vir do setor surgirem de outras fontes.

A Digi lançou as primeiras ofertas este mês e já está a ter impacto, forçando os concorrentes, os operadores históricos, a mexer, através das ofertas das marcas low cost, em preços e períodos de fidelização nalgumas ofertas. Que outras consequências é que a Digi poderá provocar no mercado, além deste impacto inicial?

Muitas, mas há uma muito interessante e que nem sempre se fala. Pelo lado da oferta já fez com que os outros operadores reagissem, mas há também o lado da procura. Também temos conhecimento que os consumidores estão a negociar os contratos que já tinham com os operadores. O aparecimento da Digi mexeu com a oferta dos operadores incumbentes, mas também dinamizou o lado da procura. Sentíamos, sobretudo com períodos de fidelização muito longos, essa incapacidade de negociar. Há agora alguma informação nesse sentido [dos consumidores estarem a negociar condições dos contratos que têm, devido ao aparecimento da Digi].

Mas ainda do lado da oferta, a breve prazo a pressão que a Digi trouxe vai levar os outros operadores também a alterar as ofertas mais standard, onde os preços são mais elevados e onde se encontra a maioria dos consumidores?

Pode levar. É natural que haja, sobretudo naqueles consumidores que não tinham alternativa e têm capacidade para manter os pacotes existentes, mas que para os manter ter-se-ia [do lado dos operadores] que reduzir os preços nas margens. Aí deve haver essa possibilidade, para reter os consumidores que podem mudar. Agora, é óbvio que vamos continuar a observar maior oferta no mercado e há a possibilidade de haver pacotes muito diferenciados, a preços muito diferenciados, como temos em muitos outros setores. E não estou a dizer, para clarificar, que as ofertas da Digi são de má qualidade, a questão do low cost não corresponde necessariamente a má qualidade. Podem é ser ofertas mais restritas para satisfazer as necessidades de um determinado tipo de consumidor.

Se bem que no caso da Digi ainda há limites nas zonas que consegue cobrir e ter ofertas.
Sim, a esse nível sim.

Outra consequência da entrada Digi visa a tarifa social de internet (TSI). É uma medida que se tem revelado ineficaz, o anterior Governo chegou a prometer revê-la, o atual diz que está a analisar... Com os atuais preços das ofertas da Digi, a tarifa social pode deixar de ser útil?

Pode é fazer-nos olhar para algo para o qual já devíamos estar a olhar, que é o que oferece a TSI. Obviamente, a entrada da Digi a preços muito competitivos e velocidades de internet superiores deixa a TSI em desvantagem. Mas há outro problema: esta tarifa tem o papel de levar a internet a pessoas que se calhar não iriam utilizar internet. Há um papel de literacia e de transformação digital numa população que, de outra forma, não teria acesso à internet. A Digi não vem substituir a TSI, nem tem esse objetivo. A tarifa social é um objetivo do Estado e pode ser repensada e redesenhada para fazer esse papel. E aí há muitos modelos possíveis como, por exemplo, em vez de ser um opt-in, uma escolha, ser um opt-out, ser algo acessível para uma determinada população e o consumidor pode é não querer, mas logo à partida ter uma adesão por default, e não por escolha, e isso já tem um papel e não podemos dizer que a Digi a vem substituir.

Mas a tarifa social de internet é uma discussão ativa com o Governo?
Tem sido. A Anacom entrega periodicamente avaliações ao Governo sobre a tarifa, e já houve propostas de alteração.

Só que o Governo apenas diz estar a analisar.

O problema é que há assuntos que se sobrepõem como. por exemplo, esta questão das taxas [regulatórias cobradas aos operadores], e por vezes deixa em pausa outros assuntos.

Não é por falta de informação que o Governo não atua?
Não, não. Temos é tantos assuntos que se tornam prioritários, como a questão das taxas - que é uma urgência -, que pode deixar de lado outras discussões.

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