Desvalorização do dólar e incerteza na guerra comercial explicam novo máximo histórico da cotação do ouro
O ouro atingiu, nesta sexta-feira, um novo máximo histórico, com a cotação da onça a ultrapassar a barreira dos 3.085 dólares. Para os analistas, a explicação está no "ambiente global caracterizado por elevada incerteza e alterações nas expectativas de política monetária", mas também num contexto macroeconómico e geopolítico "peculiar e desfavorável" para a moeda norte-americana.
Depois de fechar, na quinta-feira, a cotar nos 3.052,95 dólares, o ouro subiu para 3.085,74 dólares ao início da manhã de hoje. Baixou para os 3.074,94 dólares às 11h10 e, cerca das 16h00, estava, de novo, de volta ao patamar dos 3.085 dólares. Desde o início do ano, valorizou-se já mais de 17%.
Para o economista sénior do Banco Carregosa o novo máximo do ouro é, antes de mais, "o reflexo de uma crise de confiança nas moedas fiduciárias, de um ambiente económico e geopolítico instável e de uma crescente procura por segurança num ativo tangível e sem risco de contraparte". Razão porque, acredita, neste contexto, a prata "poderá muito bem ser uma oportunidade esquecida que voltará a ganhar protagonismo".
Paulo Monteiro Rosa explica a sua análise, referindo que, em termos estruturais, se destaca a "crescente erosão da confiança no dólar norte-americano, que, desde o fim do sistema de Bretton Woods em 1971, deixou de estar ancorado ao ouro e passou a depender exclusivamente da política monetária e orçamental dos EUA".
Mas há ainda outros fatores que têm "deteriorado progressivamente" o poder de compra do dólar face ao ouro: os défices comerciais crónicos norte-americanos, nas últimas décadas; mais recentemente, os défices orçamentais; o aumento da dívida pública — que atualmente está acima de 120% do produto interno bruto (PIB) e em máximos históricos e a "emissão contínua de moeda, corroborada pelo aumento do balanço da Reserva Federal dos EUA, que multiplicou por sete desde a Grande Recessão de 2008/09".
Por fim, a pressão inflacionista "persistente", a "instabilidade geopolítica", com destaque para o conflito na Ucrânia e as tensões comerciais globais, e a "crescente perceção de risco" nos mercados têm acentuado a procura por ouro, "sobretudo por parte dos bancos centrais dos mercados emergentes, liderados pela China, que procuram diversificar reservas e reduzir a exposição ao dólar".
Tudo isto tem sido acompanhado, refere o analista do Banco Carregosa, por uma "alteração significativa" na dinâmica de mercado. Ou seja, a "tradicional correlação positiva" entre o rácio cobre/ouro e as yields do Tesouro inverteu-se nos últimos anos, sinalizando que, apesar das taxas de juro elevadas, "os investidores não confiam na sustentabilidade do modelo económico e financeiro vigente".
Como irá a situação evoluir? Paulo Rosa admite que possa haver uma "correção técnica de curto prazo" nos máximos históricos recentes, no entanto, lembra que os fatores estruturais não mudaram. "A tendência de acumulação de reservas de ouro pelos bancos centrais, a persistência de défices e níveis elevados de dívida pública, bem como o ambiente de inflação ainda acima das metas oficiais, sugerem que a trajetória de valorização do ouro poderá continuar no médio/longo prazo", defende.
Quanto a outros ativos de refúgio, destaca a prata que tem características semelhantes, mas um comportamento distinto nos mercados. "Historicamente percecionada como o 'ouro do povo', a prata perdeu relevância como reserva de valor institucional, sendo atualmente vista maioritariamente como um metal industrial. Ainda assim, a análise do rácio ouro/prata mostra que, em momentos de forte valorização do ouro, a prata tende a beneficiar de forma desproporcionada, sobretudo quando há pressão especulativa ou procura por ativos físicos acessíveis", refere o analista. E acrescenta: "Além disso, o facto de grande parte da prata historicamente minerada já não estar disponível — devido ao seu uso industrial e baixa taxa de reciclagem — pode amplificar potenciais movimentos ascendentes do seu preço, caso o atual ambiente de desconfiança monetária se mantenha".
Já Eduardo Silva, diretor da XTB Portugal, admite que as tensões geopolíticas, tanto no Médio Oriente como na Europa de Leste, "reforçam a procura por ativos defensivos", ao mesmo tempo que as expectativas de cortes nas taxas de juro por parte da Reserva Federal dos EUA ,e de outros bancos centrais, "pressionam os rendimentos reais e aumentam o apelo do outro".
Aponta também a desvalorização do dólar e as compras de ouro por bancos centrais, sobretudo em mercados emergente, "como forma de diversificação e proteção cambial", para sublinhar que a "combinação destes fatores sustenta a valorização do metal precioso e poderá manter o seu impulso no curto e médio prazo, caso as condições atuais se mantenham".
Mas, um eventual recuo na perceção de risco ou uma inversão das expectativas monetárias poderá moderar esta tendência, admite.
Quanto a outros ativos-refúgio, como o franco suíço, o iene japonês e a dívida soberana norte-americana, salienta que "também registaram maior procura, embora com performances diferenciadas em função da sensibilidade às taxas de juro e às condições do mercado cambial".