Desaire no investimento público pagou derrapagem nas prestações sociais
Os investimentos públicos previstos para o ano de 2024 ficaram mais de 2,6 mil milhões de euros abaixo do previsto no Orçamento do Estado (OE), mas esse desaire na execução orçamental acabou por compensar o aumento muito pronunciado das prestações sociais (como pensões e apoios como o CSI) e das despesas com pessoal, que no seu conjunto furaram a meta prevista no OE em mais 1,8 mil milhões de euros, indica o Conselho das Finanças Públicas (CFP), num estudo divulgado esta terça-feira.
De acordo com o relatório sobre a evolução orçamental das Administrações Públicas em 2024, "no âmbito da despesa de capital, tanto a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), como as outras despesas de capital ficaram muito aquém da previsão inicial do Ministério das Finanças (MF)".
A FBCF, que corresponde ao novo investimento público, "cresceu 10,9% em 2024, o que corresponde a cerca de um terço do crescimento que estava implícito no OE 2024 (32,3%)". Este OE foi apresentado em outubro de 2023 pelo governo do PS, que antecedeu o do PSD-CDS.
Segundo o CFP, esta despesa com investimentos públicos "ficou 1,5 mil milhões de euros abaixo do previsto nesse documento de programação orçamental (refletindo um grau de execução de 83,8%), sobretudo pelo facto de os investimentos executados ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) terem sido inferiores à previsão inicial".
Mais tarde, em outubro passado, Joaquim Miranda Sarmento, o ministro das Finanças do governo de coligação PSD-CDS, haveria de atualizar as suas metas para o investimento público e outras despesas de capital em 2024. Mas também estas não foram atingidas em larga medida.
Segundo o CFP, "a estimativa do MF para 2024, incluída na proposta de OE 2025, apontava inclusivamente para um valor da FBCF superior ao aprovado no OE 2024 (+146 milhões de euros)".
As outras despesas de capital, a segunda componente relativa ao investimento público em sentido lato, "ficaram 1,2 mil milhões de euros abaixo do previsto no OE 2024, dos quais maioritariamente são explicados pelos seguintes fatores: (i) menor impacto de one-offs face ao inicialmente previsto; (ii) revisão da base das contas nacionais e; (iii) execução de despesas ao abrigo do PRR aquém do previsto", refere o conselho presidido por Nazaré Costa Cabral.
"One-offs" são as chamadas medidas pontuais e irrepetíveis, que só acontecem uma vez.
O valor poupado ou não executado em despesa com investimentos acabou assim por mais do que compensar a subida muito significativa e além do esperado nas prestações sociais, cujo valor anual registou uma derrapagem superior a 1,8 mil milhões face ao previsto no OE 2024, tendo inclusive ficado 153 milhões de euros acima da estimativa atualizada por Miranda Sarmento em outubro passado.
Segundo o conselho independente que fiscaliza o cumprimento das regras orçamentais e a sustentabilidade das finanças públicas, "a maior execução da despesa corrente primária face ao previsto no OE 2024 deveu-se sobretudo às prestações sociais e, em menor grau, às despesas com pessoal".
"A despesa com prestações sociais que não em espécie cresceu 10,3%, quase o dobro dos 5,7% que estavam implícitos no OE 2024", confirma o CFP.
Para este desvio, "contribuiu, desde logo, o facto de, mesmo sem o efeito de medidas de política, a despesa com pensões ter sido superior ao previsto no OE 2024".
Acresce ainda "o impacto de medidas que não estavam previstas no OE 2024, como é o caso do pagamento do suplemento extraordinário de pensões, bem como do aumento do valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) e do alargamento do universo dos pensionistas abrangidos pelo CSI", explica a entidade fiscalizadora. "Para o referido desvio também contribuiu o efeito decorrente da revisão da base das contas nacionais."
Finanças pagam valorização de funcionários com almofadas orçamentais
A maior execução face ao previsto nas despesas com pessoal é explicada, em parte, pelas "medidas de valorização salarial de diversos grupos profissionais adotadas após a aprovação do OE 2024, que implicou o recurso à dotação provisional e à descativação de uma parte da reserva orçamental".
Em compensação, "em sentido oposto, o consumo intermédio e as outras despesas correntes registaram uma execução abaixo do previsto". "No primeiro caso, a maior parte do desvio deveu-se ao facto de as despesas ao abrigo do PRR terem sido inferiores ao previsto no OE 2024", diz o CFP. Foi o mesmo problema que emagreceu brutalmente o investimento público.