Custo da habitação em Portugal tem dos piores agravamentos do mundo rico

Custo da habitação em Portugal tem dos piores agravamentos do mundo rico

Países mais problemáticos são: "Reino Unido, Canadá, Austrália, Letónia e Portugal". De acordo com o novo outlook da OCDE, "baixa acessibilidade da habitação em regiões mais dinâmicas pode restringir a capacidade das pessoas para aí se instalarem, contribuindo para a escassez de mão-de-obra".
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O custo da habitação em Portugal registou o maior agravamento no grupo de economias mais ricas do clube da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), fenómeno que obscurece o enorme aumento dos salários reais nacionais (expurgando a inflação, é o segundo maior da OCDE).

De acordo com o novo estudo da organização sediada em Paris sobre as perspetivas económicas (outlook) do grupo de quase 40 países de elevado rendimento, os problemas não se ficam por aqui: o aumento exacerbado do preço das casas ao longo dos últimos anos (atualmente, é o quinto maior num grupo de quase 30 economias selecionadas), faz com que Portugal e outras economias "mais dinâmicas" percam capacidade de atrair trabalhadores qualificados à medida que as casas vão rareando e as que existem se tornam cada vez mais caras, avisa a organização dos países considerados os mais ricos do mundo.

O outlook ontem, quarta-feira, apresentado em Paris pelo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, e o economista-chefe, o antigo ministro da Economia de Portugal, Álvaro Santos Pereira, começa por referir que "os custos da habitação são uma componente da inflação dos serviços e têm exercido uma pressão ascendente e persistente sobre a inflação total em muitos países".

A organização conclui que "a oferta de habitação não acompanhou o crescimento populacional nos últimos anos, parte dele devido à imigração".

Em cima disto, "a forte procura por habitação e a recuperação da mobilidade laboral após a pandemia ajudaram a manter os preços elevados, apesar da política monetária restritiva [subida de taxas de juro desde meados de 2022], tendo levado a fortes aumentos das rendas de habitação em várias economias avançadas".

Os países mais problemáticos apontados pela OCDE são: "Reino Unido, Canadá, Austrália, Letónia e Portugal".

De acordo com o mesmo estudo, "uma baixa acessibilidade na habitação em regiões mais dinâmicas pode restringir a capacidade das pessoas para aí se instalarem, contribuindo para a escassez de mão-de-obra".

É o caso de Portugal, uma economia que, apesar da crise envolvente na Europa, continua a crescer a um ritmo acima da média, puxada por setores ainda imparáveis, como o turismo.

E, no novo contexto de alívio monetário, "à medida que as taxas de juro diminuem ainda mais, poderá haver uma pressão ascendente contínua sobre os preços da habitação, a menos que a oferta de habitação se expanda substancialmente", acrescenta a OCDE.

Vários peritos, incluíndo o governo português e o Banco de Portugal, consideram que a oferta de casas continua muito limitada e fraca na economia portuguesa e que a solução passa, claro, por construir mais como forma de pressionar os preços em baixa ou, pelo menos, travá-los.

Segundo o outlook, Portugal registou no último ano que terminou em outubro passado uma "inflação na habitação" na ordem dos 6,5%, a quinta mais agressiva do grupo dos países ricos analisados.

Este ranking é liderado por Reino Unido e Canadá (aumento médio no custo das casas de 7,1%), Austrália (6,7%) e Letónia (6,6%).

Estes países aparecem todos bem no topo da lista inflacionista das casas, com agravamentos de preços de cerca do dobro ou mais face ao registado, em média, na Zona Euro, por exemplo (3,3%).

O problema é grave porque põe em xeque o crescimento económico a prazo. "A habitação tornou-se cada vez mais inacessível em muitos países da OCDE, dificultando a mobilidade residencial e profissional e especialmente as deslocações para os aglomerados mais dinâmicos e produtivos".

Escassez grave nos altamente qualificados (e nos outros)

Pior: "Os mercados de trabalho estão a arrefecer após a recuperação significativa que se seguiu à pandemia de covid-19, mas a escassez de mão-de-obra persiste e é grave nos empregos altamente qualificados e em profissões caracterizadas por salários baixos e condições de trabalho extenuantes".

"As empresas jovens e de baixa produtividade enfrentam carências mais graves do que as empresas mais antigas e mais produtivas", mas as empresas de produtividade elevada também já "acusam dificuldades na contratação de profissionais altamente qualificados".

As necessidades de "competências ligadas às transições digital e ecológica" dependem fundamentalmente da "disponibilidade de trabalhadores" com esse perfil.

"Ao mesmo tempo, o envelhecimento da população e a baixa fertilidade pesarão cada vez mais sobre a oferta de trabalho nos próximos anos", remata a OCDE.

Portugal, país de contrastes

Ao mesmo tempo que aparece como um caso que preocupa a nível comparativo internacional no caso da habitação, Portugal surge no estudo da OCDE como uma economia que ainda parece promissora.

A massa salarial real (já sem o efeito da inflação) declarada pelos trabalhadores é das que regista maiores ganhos de poder de compra, por exemplo.

Segundo a organização, entre o final de 2019 e meados deste ano, a subida desses salários reais em Portugal superou 11% (ver gráfico no final deste artigo).

Ganho maior só na Letónia (21%). A média da OCDE fica-se por apenas 3,3% de ganho salarial real médio.

Ou seja, a pressão do custo da habitação acaba por quase neutralizar esta marca obtida ao nível da evolução do poder de compra dos salários.

O efeito salário mínimo

Mas, claro, isto é facilmente explicado pelo aumento dos salários mais baixos - e designadamente, do Salário Mínimo Nacional (SMN), que tem subido de forma significativa todos os anos, nos últimos dez anos.

Desde 2019, o SMN português subiu quase 40%, para os 820 euros brutos atuais. Em 2025, o ganho será de 45% face a 2019 com o aumento previsto até 870 euros anunciado pelo governo no final do mês passado.

Atualmente, 21% dos trabalhadores em Portugal recebe o mínimo; são já cerca de 840 mil pessoas, universo que irá subir a partir de 1 de janeiro com o novo aumento do SMN.

Segundo a OCDE, "a política orçamental deverá continuar a apoiar a economia [expansionista]", mas "os excedentes orçamentais persistentes e o elevado crescimento nominal reduzirão a dívida pública para 89,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026".

Além disso, a organização prevê "que as despesas provenientes das subvenções do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) aumentem de 1,3% do PIB em 2024 para 1,6% em 2025 e 1,7% em 2026, estimulando o investimento e o consumo público, sem que isto afeta o equilíbrio orçamental".

"A atividade será também apoiada pelo aumento dos empréstimos do PRR, pela subida dos salários públicos, pela indexação das pensões, por uma nova redução do IRS e do IRC" e também pela subida do salário mínimo em "7,9% em 2024 e os novos aumentos previstos em 2025 e 2026, que aumentarão os rendimentos das famílias", antecipa a OCDE.

As novas previsões da equipa de Álvaro Santos Pereira dizem que Portugal pode crescer 1,7% este ano e 2% no próximo (basicamente, em linha com que o espera o governo); a taxa de desemprego desce de 6,4% para 6,3% da população ativa.

O excedente orçamental deste ano pode ficar em 0,4% do PIB e depois 0,3% em 2025. O peso da dívida pública cai bastante, de 95,4% em 2024 para 92,2% do PIB no final do ano que vem.

O saldo orçamental bate totalmente certo com o cenário do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento.

Pelas contas da OCDE, o rácio da dívida até emagrece mais porque o governo de Luís Montenegro, no novo Orçamento, diz 95,9% em 2024 e 93,2% em 2025.

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