Cristina Siza Vieira: “Taxas turísticas não são amigáveis e não se justificam se queremos ser atrativos”
A AHP está a dias de apresentar o último inquérito de associados. Como foi 2023 para os hoteleiros?
O inquérito ainda não está fechado, mas dá-nos já a confirmação do esperado: tivemos, no ano passado, um crescimento quer na taxa de ocupação quer no preço médio praticado por quarto vendido e uma estabilização na estada média a nível nacional. Nos Açores houve uma quebra na taxa de ocupação e uma subida no preço (aumentou de 108 euros para 135 euros), algo que já estávamos a acompanhar com preocupação – é um destino muitíssimo sazonal e a quebra de voos no período da época baixa tem um impacto grande. A Madeira apresentou uma taxa de ocupação superior à de 2022 e no Algarve a mesma não subiu, andou nos 61%. No resto do país, destaque para os crescimentos no Alentejo, na região Centro e no Norte, quer em preço quer em ocupação. No balanço geral do ano, apontamos para uma taxa de ocupação à volta dos 70%, que compara com os 50% de 2022. O preço subiu entre 15 e 20 euros por quarto na média nacional. Houve um crescimento muito interessante dos Estados Unidos como mercado emissor para a hotelaria. Portugal manteve também uma relevância para 76% dos nossos inquiridos, seguindo-se o Reino Unido.
Olhando para os próximos meses, os empresários estão otimistas?
Estão com um otimismo conservador. Quando perguntámos quais seriam os principais desafios para este ano, 79% referem a instabilidade geopolítica e as guerras, seguindo-se, para 59% dos hoteleiros, as taxas de juro – que ocupavam o primeiro lugar das preocupações em 2023 – e uma fatia de 40% indica as questões relacionadas com a redução do número de voos e a capacidade do aeroporto de Lisboa. Já as eleições no país não têm muito relevo, tendo sido indicadas por apenas 10% dos inquiridos.
Em 2023, o país cresceu mais em receitas do que em ocupação e dormidas. Portugal está a ficar um destino caro?
Aumentámos claramente em preço – não só na hotelaria, mas noutros serviços, na restauração também. No posicionamento value for money não creio que para os nossos mercados emissores sejamos um país caro. Portugal tem um diferente posicionamento, mas continua a ter uma qualidade que justifica o preço que se paga. E a prova é que continuamos a ter uma procura a crescer num posicionamento de primeira liga. Os preços eram muito baratos e a relação qualidade/preço é agora mais equilibrada. Se não crescermos em preço, não crescemos em salários nem na rentabilidade do setor.
As receitas são suportadas, em larga escala, pelos turistas estrangeiros. Há riscos nesta dependência dos mercados externos?
Diria que não. Temos um bom cabaz de mercados emissores, não somos dependentes de um único, e um dos mercados que tem crescido, o norte-americano, é sólido. O mercado inglês continua a ser um dos principais, sobretudo a nível de receitas. Claro que existe concorrência pelo preço noutros destinos, mas a segurança que Portugal oferece e a qualidade que tem são uma mais-valia. O mercado norte-americano foi uma aposta muito bem conseguida de promoção turística e da confirmação do valor que Portugal tem. Não se perspetiva abrandamento na procura do mercado internacional.
Há margem para crescer noutros mercados, além do dos Estados Unidos?
Apesar de falarmos do mercado norte-americano quase como sendo o Eldorado, o grosso das viagens turísticas faz-se intracontinente. Os principais mercados para Portugal são os europeus, e não long haul, e continuará a ser assim. Espanha é um mercado principal, porque está aqui ao lado, e nunca desprezaremos esta relação de proximidade. Precisamos de aumentar quota de mercado e não diversificar mais, diria. O mercado alemão é muito importante e temos muita margem para crescer. Não sei se há algo que Portugal possa fazer muito mais do ponto de vista turístico de promoção, mas a questão dos voos é fundamental. E não há destinos turísticos maduros sem mercado interno, que também é fundamental. Não na época alta, nos hotéis de cinco estrelas do Algarve, mas é uma aposta que todo o país tem de fazer para não perder aquele que é um mercado fundamental e que procura muito o turismo.
A perda de poder de compra dos portugueses é um desafio?
Já sabemos que não há muita perda de poder de compra. Os resultados económicos mostram que o crescimento mais complexo aconteceu nas rendas, mas também sabemos que uma parte substancial do país tem casa própria. O perfil do português sempre foi muito conservador e prova-o bem nestas alturas. O crescimento das rendas e das taxas de juro são problemas críticos. O salário mínimo subiu apenas 60 euros, mas há classes que viajam mais e têm maior poder de compra. E a prova é que o número de portugueses que viajam para o estrangeiro está a aumentar.
Mas também porque há destinos lá fora mais baratos.
É e não é. Há destinos e produtos e há vontade de conhecer outras coisas. Diria que por cá temos algum produto que não é para todas as bolsas. É como pensar nas estrelas Michelin: uma coisa é ir uma vez por ano, numa ocasião especial, e outra é usar este tipo de oferta. O mesmo acontece com os hotéis, pois temos outro tipo de oferta turística, como os apartamentos turísticos, que têm uma boa relação qualidade/preço. Não estou preocupada com a perda de poder de compra dos portugueses no turismo.
Haverá mais turistas portugueses este ano nos hotéis? O cenário do Algarve de 2022 não se repetirá?
Nos hotéis, no pico de procura, temos 60% de mercado internacional e 40% de interno. No entanto, os nossos hoteleiros dizem sempre que o mercado interno é fundamental, não apenas no verão, mas durante o ano inteiro. No verão de 2022 as pessoas queixaram-se do Algarve, não só da hotelaria, tudo era mais caro: alugar toldo era mais caro, comer era mais caro... o Algarve tornou-se num destino mais caro. É como o francês que vai para a Côte d’Azur em agosto e que não está preparado para o mercado interno a não ser que fique em apartamentos.
Referiu que uma das preocupações dos hoteleiros para este ano respeita à redução de voos.
Isto é um negócio. Porque é que os voos são reduzidos na época baixa para os Açores? Porque não há procura e a operação sai mais cara. Continuamos a ter imensos voos de muitas companhias do Reino Unido porque há uma procura mais distribuída durante o ano. Esta situação das ligações aéreas para nós é vital, daí dizer que temos de apostar no mercado espanhol, porque não se desloca de avião. A questão da capacidade e da recusa de slots e de voos do aeroporto de Lisboa é urgente, por isso é que nos temos queixado de que para uma melhor distribuição no tempo precisamos de ter uma capacidade aeroportuária nas infraestruturas que neste momento não temos. A Portela não está a responder à procura. As companhias aéreas continuam a procurar Portugal, não só as low-cost como outras, e é um trabalho em contínuo. Do ponto de vista da captação de novas rotas, a procura é maior do que a nossa capacidade de resposta.
A falta de resposta do aeroporto de Lisboa tem empurrado operações para o Norte. O Porto está a ganhar com o esgotamento da Portela?
Sim, seguramente. E a otimização do Aeroporto Francisco Sá Carneiro é uma boa notícia. Otimizarmos as infraestruturas é sempre bom, e o Porto consegue responder a uma procura maior, o que traz vantagens para o Norte do país. Estão a ser recusados voos em Lisboa, podendo ser encaminhados para o Porto, o que é melhor do que outra alternativas qualquer. É evidente que ninguém aterra no Porto para ir para Lisboa em três ou quatro dias. Este crescimento na zona Norte tem-se refletido quer nas taxas de ocupação quer nos preços praticados. Vamos ter notícias muito interessantes relativamente ao final de 2023 e também este ano.
As obras na Portela são uma preocupação para os próximos meses?
Está a haver muito cuidado para as obras não interferirem com a parte aérea. O faseamento que está aprovado parece-me que não irá agravar ainda mais as circunstâncias. Mas há desconforto dos passageiros: circuitos longos a percorrer, atrasos sistemáticos, o handling também tem problemas. Ainda assim, notamos que houve menos queixas face ao verão de 2022, ou seja, as infraestruturas estavam mais preparadas para responder em 2023. A TAP também pacificou bastante com esta nova gestão, nunca mais ouvimos falar em greves e situações complexas. E há, diria, uma maior tolerância do passageiro, porque a nível geral a viagem de avião, que há muitos anos perdeu o glamour, tornou-se um pouco desconfortável. Há sempre filas, atrasos e a classificação dos viajantes relativamente aos aeroportos que frequentam nunca é excelente.
E o Humberto Delgado está muito mal classificado, sendo considerado um dos piores aeroportos do mundo.
Não sei muito bem o que é que esse ranking vale, pois aquilo parece-me sempre um bocadinho enviesado, não retiro dali muita coisa. Não concordo com essa leitura, porque frequentei outros aeroportos e considero que há piores. Os atrasos, contudo, são uma condicionante mais séria. Perder ligações e estar muito tempo à espera por vezes Lisboa prova mal nesses aspetos. Em termos de infraestruturas e de conforto, não acho nada [que sejamos os piores], porque muitos aeroportos europeus são péssimos.
O período de consulta pública ao relatório preliminar da Comissão Técnica Independente terminou na passada sexta-feira. A AHP participou?
Não participámos, já tínhamos dado o nosso contributo. Mais uma vez insistimos é na rapidez.
Esta deverá ser uma das pastas prioritárias para o novo governo? Para que outros temas urge que o futuro Executivo olhe?
Obviamente que sim. E há outra coisa gritante, que é a questão da escassez de água no Algarve. Se não for rapidamente encarada, vai comprometer o turismo no Algarve. Gostava também que o próximo governo olhasse para o tema das taxas turísticas que estão a disseminar sem sentido e a ser aplicadas em destinos não turísticos. Há cidades com uma pressão turística e urbanística e com uma necessidade de investimento maior em infraestruturas de apoio à população e criação de novas experiências turísticas. E depois há sítios e cidades que não estão neste patamar, não são destino e não há qualquer relevância, não têm empreendimentos turísticos, e está disseminada a ideia de que as taxas turísticas podem ser praticadas porque não é um custo para o cidadão e é dinheiro que entra nas câmaras municipais.
Há propostas para a aplicação, por exemplo, em todos os municípios do Algarve e da Madeira.
E na Maia, em Peniche, em Amarante – onde há dois hotéis. São regiões onde não faz sentido nenhum, sobretudo porque a taxa turística deveria ser aplicada, e é o exemplo virtuoso de Lisboa, para compensar a maior carga que existe sobre um determinado local por força do movimento turístico – e saudamos que em boa hora os cruzeiristas paguem taxa turística na capital. Em Lisboa esta taxa é aplicada na recuperação de património, na abertura de novos polos de interesse turístico, no reforço das limpezas e higiene urbanas.
O governo deveria regular a taxa turística tendo em conta parâmetros como a quota de turistas ou o número de alojamentos?
Precisaria de ser estudado. Neste momento [a regulação] é da competência dos municípios e acho bem, sou a favor da autonomia regional, mas não temos parâmetros como a avaliação da necessidade da taxa, da sua governança e da sua aplicação. Ou a Associação Nacional de Municípios ou o governo, com foco na Lei das Finanças Locais, deveriam encontrar uma forma de fazer uma aplicação virtuosa. Se for deixado à alçada de cada município, serão iguais os parâmetros que usam e não faz sentido nenhum, porque acaba por carregar sobre os hotéis, porque são eles que têm capacidade de cobrança. Um português que vá ao Algarve passar férias, sete dias, para um hotel-apartamento em municípios que cobram 2 ou 2,5 euros, este custo multiplicado por cinco pessoas é uma carga grande. Será que se justifica em todos os concelhos do Algarve? Ou na Maia, Amarante, Peniche e Figueira da Foz? Isto penaliza também os portugueses.
Já para os estrangeiros não será um fator de exclusão de determinado destino.
Veja-se os grupos. Porque é que Fátima recuou a aplicação da taxa? Há destinos de grupos, e é tudo negociado ao cêntimo, porque tem impacto. As pessoas já contam com as taxas, é verdade, em cidades principais, mas pode ser muito amigável não contar com elas noutras para onde queremos que os turistas também sejam direcionados. Confesso que fico intrigada com esta apetência tão grande por taxas turísticas e acho que podíamos diferenciar-nos aí.
Em 2023 as autarquias encaixaram um recorde de receitas de 69 milhões de euros com a taxa turística. Há transparência na aplicação destas verbas?
Só em Lisboa é que se diz onde é aplicada a taxa. No fundo de investimento turístico de Lisboa as decisões são tomadas em relação aos projetos. Nas outras cidades não está consignada a esses fins. São consideradas receitas municipais e é tão transparente como todas as outras receitas dos municípios. É suposto ser aplicada nas despesas gerais, e isso é crítico, pois deveria ser para compensar a carga a mais que o município tem com os turistas ou para otimizar a experiência dos turistas, e não é isso que se passa. Lamento, mas acho que as taxas turísticas se tornaram populares e não são benéficas para o turismo. Não se justificam, sobretudo se queremos ser atrativos.
São compatíveis, por exemplo, com a Agenda do Turismo para o Interior?
Precisamente, não faz sentido com a Agenda do Turismo para o Interior. O governo, por uma questão de coerência, deveria dar sinais de referência e ter uma preocupação de que as coisas têm de ser compatíveis.