Sarmento disse que “a situação orçamental é bastante pior do que o anterior Governo tinha anunciado”.
Sarmento disse que “a situação orçamental é bastante pior do que o anterior Governo tinha anunciado”.

Contas do primeiro trimestre nunca inviabilizam brilharetes orçamentais anuais 

À exceção do primeiro ano da pandemia, em 2020, o Governo conseguiu entregar sempre um saldo final muito mais alto, em contas nacionais, do que o previsto inicialmente.
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Desde o pós-troika (2015), que as contas públicas portuguesas têm registado saldos no primeiro trimestre (em contabilidade de caixa, a da execução orçamental do Ministério das Finanças) que pouco ou nada têm a ver com o resultado final anual e sem que isso tenha comprometido as metas em contas nacionais (a lógica dos compromissos, que serve para calcular o saldo orçamental que é relevante para Bruxelas e as agências de rating).

À exceção do primeiro ano da pandemia (2020), o Governo conseguiu entregar sempre um saldo final muito mais alto, em contas nacionais, do que o previsto inicialmente, tendo inclusive obtido excedente por duas vezes (em 2019 e 2023) ou ficado muito perto do equilíbrio orçamental (em 2018 e 2022), apesar do comportamento sazonal e oscilante no primeiro trimestre (em contabilidade de caixa).

O primeiro grande choque entre o atual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento (PSD), e o seu antecessor, Fernando Medina (PS), aconteceu ontem. Miranda Sarmento foi à conferência de imprensa do Conselho de Ministros explicar que a “a situação orçamental é bastante pior do que o anterior Governo tinha anunciado”.

“Em janeiro, havia um excedente de 1,2 mil milhões de euros, que baixou para 800 milhões em fevereiro. Agora, atinge-se um défice de quase 300 milhões de euros e se a estes somarmos o aumento das dívidas a fornecedores, também de 300 milhões de euros entre janeiro e março, então verificamos que temos um défice de quase 600 milhões”, disse o governante social-democrata, referindo-se ao apuramento feito pela Direção-Geral do Orçamento (DGO) na última execução orçamental, para o período de janeiro a março deste ano.

“Até 31 de março, o anterior Governo comprometeu parte substancial das reservas do Ministério das Finanças como a dotação provisional, com 500 milhões de euros, mas que já só tem 260 milhões de euros [disponíveis]”, acusou Sarmento. E disse mais: “O anterior Governo aprovou igualmente despesas excecionais no primeiro trimestre de 1080 milhões de euros, 950 milhões dos quais já depois das eleições de 10 de março.”

O ministro diz que estão a fazer “um levantamento exaustivo” das “108 resoluções aprovadas em Conselho de Ministros após a demissão de António Costa”, a 7 de novembro do ano passado.

Dessas foram detetadas “três de montante significativo que foram promessas sem cabimento orçamental”, ou seja, que não têm receita equivalente para poderem ser financiadas: “100 milhões de euros de apoio aos agricultores para combate à seca no Algarve e Alentejo; 127 milhões de euros para a compra de vacinas contra a covid-19; e 200 milhões de euros para a recuperação do parque escolar”, elencou Miranda Sarmento.

Medina reagiu bastante mal a estas acusações do seu sucessor. No Parlamento, disse aos jornalistas que as declarações do atual ministro das Finanças são “lamentáveis e preocupantes que revelam uma de duas coisas: ou profunda impreparação e inaptidão técnica, ou falsidade”. E insistiu nesta última: “Falsidade porque tenta comparar e usar os dados em contabilidade pública para daí aferir que o país tem um problema de natureza orçamental”, algo que “o país não tem”.

 Segundo Fernando Medina, “os valores em contabilidade pública são muito fáceis de serem explicados”. Primeiro, disse, há o crescimento da receita fiscal que durante o primeiro trimestre de 2024 é menor face ao período homólogo de 2023, porque as retenções na fonte estão a ser menores.

Em segundo lugar, temos “o crescimento da despesa com pensões até março, que está a ser maior este ano do que no ano passado, porque em 2023 “o adicional das pensões foi pago no segundo semestre e não no primeiro”, o que significa no segundo semestre esse efeito não ocorrerá. Segundo Medina, isto é a prova de que a despesa cabe no que está previsto no Orçamento do Estado deste ano.

Em terceiro lugar, o ex-governante do PS assinalou o impacto de um conjunto de despesas extraordinárias, como as do défice tarifário, dos processos judiciais do Estado ou do apoio de 100 milhões de euros aos agricultores devido à seca. “Por que razão ficariam os nossos agricultores a aguardar que houvesse a mudança de Governo para receberem as ajudas que tanto necessitam tendo o Estado disponibilidade para fazer esses pagamentos?” De acordo com Medina, isto não vai significar mais despesa adicional, pois tratou-se somente de uma mudança no calendário desses pagamentos já previstos no orçamento deste ano. 

Seja como for, segundo um levantamento feito pelo DN/Dinheiro Vivo, percebe-se que este tipo de saltos nas contas do primeiro trimestre é algo normal e reiterado desde que a execução orçamental deixou de ter de assumir políticas de austeridade, como no tempo da troika (até 2014).

Como referido, à exceção do primeiro ano da pandemia, em que Portugal e todos os outros países da Europa e do mundo) tiveram de abrir os cordões à bolsa para financiar vacinas, subsidiar cidadãos e empresas por causa dos confinamentos forçados, etc., que os primeiros três meses do ano nunca refletem o que vai ser o ano como um todo em termos de saldo orçamental final. E que, de facto, o saldo do primeiro trimestre em contas públicas tem pouco ou nada a ver com o saldo final anual em contas nacionais.

No ano passado, o ano começou com um dos maiores excedentes trimestrais de sempre, mas por causa de uma operação extraordinária (a transferência do fundo de pensões da CGD para a CGA, que é Estado). Esta medida não tem impacto nas contas enviadas a Bruxelas. Mesmo sem a referida receita extra (avaliada em mais três mil milhões de euros), o governo conseguiu chegar a um excedente de 1,2% do PIB.

Em 2022, o primeiro trimestre foi altamente excedentário (751 milhões de euros de excedente, empolado já pelo início da crise inflacionista), tendo terminado o ano quase em equilíbrio (défice de 0,3%).

Em 2021, a DGO anunciou um défice trimestral enorme, de 2,4 mil milhões de euros, ou 5% do PIB), mas o governo haveria de terminar o ano abaixo dos 3% (nas contas que valem para Bruxelas).

Em 2018, o défice de caixa começa o ano nos 400 milhões de euros (0,8% do PIB), mas o país terminaria com um défice global anual quase no equilíbrio, de 0,3% do PIB, por exemplo.

luis.ribeiro@dinheirovivo.pt

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