O prazo para cumprir as metas – que depois dão acesso aos fundos que ainda faltam atribuir do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – está prestes a expirar (falta pouco mais de um ano para o encerramento do Plano) e o governo já percebeu que vários investimentos financiados pelo envelope dos 22 mil milhões de euros são "impossíveis de concretizar", pelo que decidiu começar a retirar vários da lista do PRR, revelou ontem, quarta-feira, a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR (CNA-PRR), no relatório que faz o balanço do período de julho de 2024 a maio de 2025.Na avaliação do ano passado, não constava qualquer investimento ou projeto "retirado" do PRR. Hoje, já não é assim.A comissão presidida por Pedro Dominguinhos nota agora que, no âmbito da reprogramação dos PRR (algo que acontece em muitos países da União Europeia) Portugal (o governo) optou pela a "retirada de vários investimentos ou sub-investimentos cuja execução se revelava impossível de concretizar".São eles, designadamente, "o Empreendimento de Fins Múltiplos do Crato, a Linha Violeta (Loures-Odivelas) do Metropolitano de Loures, a Tomada de Água do Pomarão, a Dessalinizadora do Algarve, bem como [a ampliacão] do edifício do Centro Científico e Tecnológico da Madeira (CITMA), na Região Autónoma na Madeira, e o investimento nos navios de transporte de passageiros e veículos na Região Autónoma dos Açores", elenca a CNA.Além disso, refere uma "redução de ambição em alguns investimentos, como o projeto da Habitação a Custos Acessíveis, a linha BRT Braga, os Vouchers para Startups, o projeto Coaching 4.0, a Rede Nacional de Test Beds e os Digital Innovation Hubs (entre outros)", acrescentam os avaliadores.A desistência ou a redenominação das fontes de financiamento (veja-se o caso da Linha Violeta, no Porto, obra que continua a andar, mas será financiada por fundos europeus clássicos em vez do PRR por serem mais fáceis de aceder e executar no tempo) reflete-se, claro está, numa série de indicadores e sinais que mostram claramente que o PRR português continua bastante atrasado e muitos investimentos em risco, alguns até em estado "crítico".Recorde-se que o PRR tem reservados cerca de 22 mil milhões de euros para o país (o período elegível para receber os fundos vai de 2021, quando teve luz verde, ao final de 2026), mas a demora na entrega de metas e medidas que mereçam a aprovação da Comissão Europeia (CE), para depois receber o financiamento (a fundo perdido ou empréstimos), continua a sofrer atrasos que preocupam a CNA.Nestes dez meses que decorreram entre os dois estudos da Comissão de Acompanhamento, o peso dos recebimentos para os projetos elegíveis para o PRR (aprovados) avançaram, claro, embora representem pouco mais de metade (51%) das verbas totais prometidas ao país neste valioso pacote pensado em 2021 para combater os efeitos nefastos da pandemia na atividade económica e na despesa pública."Considerando o 6º pedido de pagamento, as verbas recebidas passarão para cerca de 57% do total e o nível de cumprimento de marcos e metas para 40%."De acordo com o relatório da CNA apresentado esta quarta-feira, que faz o ponto da situação "entre julho de 2024 e início de maio de 2025" (a avaliação anterior é de julho do ano passado e incide sobre o período que vai de novembro de 2023 a junho de 2024), registou-se um aumento significativo da proporção de investimentos em estado "crítico", de 8% (no relatório de julho de 2024) para 20%, agora."Quando falta cerca de um ano para a conclusão do PRR, pese embora alguns destes investimentos só tenham metas/marcos incluídos nos 9º e 10º pedidos de pagamento, esta situação representa um risco muito elevado para se conseguirem alcançar as metas previstas", sublinha a comissão.E acrescenta: "Para além de representar um risco de não recebimento das verbas associadas, significa que os resultados e impactos perspetivados terão muita dificuldade em concretizar-se".Portugal concretizou "a submissão e o recebimento do 5º pedido de pagamento, bem como a submissão do 6º pedido de pagamento (embora com evidências em fase de recolha e com marcos e metas que foram removidas após a reprogramação), o que significa um recebimento das verbas equivalente a cerca de 51% do montante global do PRR e cumprimento de 33% das metas e marcos". Em julho de 2024, estavam em situação "preocupante" 29% e agora baixou para 13%.Mas é urgente acompanhar e perceber como está a correr no terreno. É "necessário acompanhamento" em cerca de 35% dos investimentos (era 25% em julho do ano passado).A CNA nota ainda uma "aceleração ligeira de pagamentos a beneficiários finais, tendo sido transferidos cerca de 3.000 milhões de euros, em 10 meses, a um ritmo médio de 300 milhões euros por mês, que compara com uma média de 225 milhões euros/mês no período incluído no relatório anterior".Assim, "neste momento, o volume de pagamentos situa-se nos 7.779 milhões de euros (data referência de 22 de maio), 35% do total do PRR", revela a comissão.Alguns investimentos em estado "crítico"Um dos projetos em estado crítico, e que não estava antes, é o dos "cuidados de saúde primários com mais respostas", do Serviço Nacional de Saúde (SNS).É de "agravar este investimento para crítico" porque nos relatórios anteriores da CNA-PRR (de 2022, 2023 e 2024) "foram elencadas uma série de recomendações, que, face à situação atual, se consideram não ter sido consideradas"Não houve "acompanhamento regular e proativo junto das ULS [unidades locais de saúde] e dos municípios, relativamente às construções, mas também a todas as outras aquisições, bem como a atenção redobrada da tutela e duma interligação profunda entre a ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde e a SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde"."Numa área tão sensível e importante para a população como é a saúde e tendo em atenção as alterações profundas que se verificaram na orgânica do SNS, a complexidade dos processos tornou-se ainda maior, com a necessidade de alterações, adendas aos contratos e pedidos de reprogramação", diz a comissão.O investimento no programa de apoio ao acesso à habitação continua em estado "crítico". "O mecanismo de Regime Especial de Financiamento, a partir da integração de mais 10.000 fogos, poderá ser uma base para possibilitar chegar à meta de 26.000 fogos."No entanto, "o grande problema são as capacidades instaladas no país para dar resposta às várias solicitações de construção civil e as fases anteriores à empreitada, em que se encontram uma parte relevante dos projetos".Os avaliadores da CNA dizem: "Necessitamos de perceber o impacto do Decreto-Lei 44/2025, fundamentalmente pelo número de novos projetos em fases avançadas de obras, e o seu contributo para a meta dos 26.000 fogos. Sem esta análise fina, a probabilidade de concretização da totalidade dos fogos revela-se baixa."Depois há investimentos de grande magnitude que nem sequer estão a ser monitorizados. É o caso do Hospital de Todos-os-Santos ("Hospital Lisboa Oriental"). "Tem um valor total de aproximadamente 350 milhões de euros e conta com uma contribuição de 100 milhões de euros do PRR”, segundo a construtora Mota-Engil, um dos maiores parceiros privados do Estado nesta obra pública (PPP). "Não acompanhado", diz a CNA..Economia portuguesa recebeu um terço do PRR quando falta apenas um ano e pouco para o final do prazo.Auditor da UE: violação de regras no PRR é “problema contínuo” e Portugal nem é dos piores.Bruxelas está quase às escuras sobre se países cumprem regras nos gastos do PRR, diz auditor europeu