Bancos com lucros históricos em 2023 temem ser tema de campanha política
Os banqueiros recusam que os lucros históricos da banca em 2023 se tornem tema eleitoral, contrapondo que são resultados que dificilmente se repetem e que o setor dá o seu contributo à sociedade com os impostos que paga.
Dos cinco grandes bancos que operam em Portugal, já apresentaram as contas de 2023 o Santander Totta, o Novo Banco e o BPI e em todos os casos são os melhores resultados de sempre, com lucros de 1.030 milhões de euros, 743 milhões de euros e 524 milhões de euros, respetivamente.
Caixa Geral de Depósitos (CGD, o banco público) e BCP apresentam nas próximas semanas, mas os resultados até setembro (a CGD lucrou 987 milhões de euros e o BCP 651 milhões de euros) permitem antever um 2023 histórico e ultrapassar mesmo o recorde de lucros de 2007. Nesse ano, os cinco grandes bancos (CGD, BCP, BES - Banco Espírito Santo, Santander Totta e Banco BPI) lucraram quase 2.900 milhões de euros.
Do lado dos bancos, o tom tem sido de grande satisfação, mas também de cuidado e até desvalorização dos resultados (o Santander Totta, no comunicado de imprensa, enfatizou o lucro recorrente de 894,6 milhões de euros, que exclui os ganhos de uma venda de seguros dentro do grupo) e avisando de que o próximo ano não será de tantos lucros e que são contra mais encargos sobre o setor.
Num artigo no Público antes de se iniciar a época de resultados, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Vítor Bento, disse que o volume dos lucros tem de ser comparado com o elevado capital investido no setor e que "interferir administrativamente (ou fiscalmente) sobre a rendibilidade transitória, mas totalmente diluída numa perspetiva alargada, será não só contraproducente mas também agressivo dos interesses das empresas e das famílias que dependem de uma banca sólida e rentável para as apoiar".
As mesmas ideias têm sido passadas pelos banqueiros que apresentaram resultados em conferência de imprensa (o Novo Banco, desde que tem Mark Bourke como presidente executivo, não faz conferência de imprensa).
O presidente do Santander Totta dedicou parte importante da sua intervenção aos impostos, dizendo que o banco "deve ser a empresa privada que mais IRC [imposto sobre o lucro] paga em Portugal", com 431 milhões de euros pagos em 2023. Questionado sobre essa afirmação é um aviso num momento de campanha eleitoral, disse que o banco "não dá respostas políticas", mas também afirmou que novos encargos significa "menos crédito com que ajudar a economia".
Quanto aos lucros recorde quando há a perceção pública de muitos clientes de que os bancos fazem dinheiro com os seus sacrifícios, Pedro Castro e Almeida voltou ao tema dos impostos. "Já expliquei que o que devemos à sociedade são os impostos que pagamos", vincou.
Para o presidente do BPI, João Pedro Oliveira e Costa, "denota ideologia" a pergunta sobre a perceção pública dos lucros da banca e considerou que "ter lucros não é um aspeto negativo desde que se pague os devidos impostos". Recusou ainda Oliveira e Costa a "diabolização do banqueiro", de uma pessoa sem sensibilidade, afirmando que a função social do seu banco fica demonstrada quando, apesar da dificuldades sentidas por famílias, não ficou com casas de clientes por incumprimento pois renegociou contratos.
O presidente do BPI negou que haja um sindicato bancário informal cujo caderno reivindicativo é influenciar os programas eleitorais e que objetivo quando fala dos impostos é "dar informação clara" e que "não quer entrar na política" mas que também não aceita que queiram "amordaçar todos".
Segundo os bancos, em 2023, o Santander Totta pagou 431 milhões de euros em imposto sobre lucros, 38 milhões de euros de contribuição extraordinária sobre o setor bancário e adicional de solidariedade, 56 milhões de euros por não dedução de IVA e 23,1 milhões de euros de contribuições para os fundos de resolução (nacional e europeu).
O BPI pagou 180 milhões de euros de IRC, 36 milhões de euros de IVA não deduzido, 31 milhões de custos com fundo de resolução nacional, contribuição sobre o setor bancário e adicional de solidariedade e 10 milhões de euros para o fundo de resolução europeu.
O grupo Novo Banco pagou 5,8 milhões de impostos, 35,3 milhões de contribuição sobre o setor bancário, 15 milhões de euros para o fundo de resolução europeu e 7,1 milhões de euros para o fundo nacional e 30 milhões de euros da taxa especial de IMI.
O presidente da CGD, Paulo Macedo, considerou, em novembro, que "a maior parte das pessoas" tem orgulho em o banco público ser rentável - estimando em dois milhões de euros os dividendos diários que a CGD gera para o Estado - mas que há quem esteja "profundamente contra lucros" e "se for de empresas grandes ainda pior".
Bancos devem continuar com elevados lucros este ano mas menores que em 2023
Os bancos deverão continuar a ter elevados lucros este ano, mas inferiores aos de 2023, que foram históricos, segundo os analistas contactados pela Lusa.
Para o analista da ActivTRades Mário Martins a descida das taxas de juro, que já se está a verificar, vai contribuir para a redução dos lucros, a que se pode somar efeitos de uma situação económica e geopolítica mais negativa.
"A situação internacional está a ficar complicada e pode gerar diminuição do crescimento", afirmou Mário Martins, acrescentando que mesmo sem um entorno mais difícil o facto de os bancos estarem a gerar menos crédito tem impacto nos resultados.
Também Vítor Madeira, da corretora XTB, disse que a descida das taxas terá impacto, mas considerou que os "bancos têm feito um esforço para fixar as taxas de juro" pelo que deverá haver menores reduções de lucros do que existiria sem esse trabalho prévio.
Para o economista António Nogueira Leite, os bancos "vão continuar a ter resultados bastante bons", já que o setor já se mostra também preocupado em abrandar a subida dos juros dos depósitos, não sendo previsível que as imparidades aumentem (neste caso, considera que o setor mais preocupante são as pequenas e médias empresas).
Contudo, avisa o professor universitário - antigo vice-presidente da CGD, ex-secretário de Estado de Governo PS de António Guterres e que tem aconselhado o PSD -, este é o cenário de previsão central, mas o mundo está muito incerto nos planos geopolítico e económico.
Quanto a eventuais novas medidas sobre a banca, seja uma taxa extraordinária ou uso dos lucros para ajudar quem tenha crédito à habitação, os analistas mostraram-se contra por considerarem que penaliza o setor, afasta os investidores não sendo soluções para os problemas, sobretudo para a crise da habitação.
Nogueira Leite considerou que esse tipo de medidas "afasta os investidores da banca" e que rapidamente se transformam em definitivas medidas temporárias e, sobre a habitação, disse que se deve resolver esse "gravíssimo problema" com "instrumentos do mercado de habitação e imobiliário".
Vítor Madeira disse que a banca já tem tomado medidas para "mitigar o seu risco e ajudar as famílias a pagar os créditos", sobretudo com reestruturações de empréstimos.
Mário Martins considera que os subsídios diretos "não são a solução" e com um mercado imobiliário sobreaquecido é preciso cuidado pois há medidas que iriam inflacionar ainda mais os preços.
Sobre os lucros recorde dos bancos em 2023, dizem os especialistas de forma unânime que devem-se, sobretudo, ao aumento das taxas de juro.
Apesar de taxas de juro mais altas terem significado menos novo crédito, isso foi mais do que compensado por margens de juro líquidas elevadas, pois, por um lado, os bancos beneficiam do aumento das taxas de juro no crédito (desde logo em 'stock' existente, caso de crédito à habitação a taxa variável) e, por outro lado, passaram com atraso esse aumento dos juros para a remuneração dos depósitos, beneficiando assim a margem financeira (a principal receita de um banco).
Numa análise aos bancos europeus, a agência de 'rating' DBRS falou mesmo num "tremendo aumento" dos lucros.
Mário Martins afirmou à Lusa que também ajudou o facto de no passado os bancos terem feito uma "redução severa de custos", sobretudo com a saída de milhares de trabalhadores, e Nogueira Leite acrescentou que a melhoria da qualidade do crédito também contribuiu, pois, os bancos deixaram de ter de canalizar resultados para as imparidades.
Por seu lado, o economista Nuno Rico, da associação de defesa do consumidor Deco, considerou que as comissões também foram importantes para os lucros e que, depois de durante anos os bancos as terem justificado por viverem com juros baixos, estas não têm descido e alguma redução do valor arrecadado se deve, sobretudo, às proibições impostas pelo parlamento.