Banco de Portugal: guerra tarifária tem "impacto negativo relevante na economia portuguesa"
"O indicador global de incerteza das políticas económicas atingiu valores próximos dos máximos históricos no início de 2025, o que por si só poderá limitar o crescimento da atividade mundial" e o investimento privado, mas para já o crescimento da economia portuguesa ressente-se apenas de forma muito ligeira, abrandando de 2,3% este ano para 2,1% no próximo, prevê o Banco de Portugal (BdP), no novo boletim económico, divulgado esta quinta-feira.
No entanto, "a materialização de um cenário de aumento de tarifas pelos Estados Unidos da América (EUA) às importações da União Europeia (UE), envolvendo retaliação e aumento da incerteza/redução da confiança, teria um impacto negativo relevante na atividade económica em Portugal", alerta o novo estudo. Para compensar, há o "aumento esperado" dos gastos militares, que pode contribuir pela positiva para o crescimento, refere o novo estudo.
Na apresentação feita pelo governador do BdP, Mário Centeno, "a economia portuguesa deverá crescer 2,3% em 2025 (1,9% em 2024), abrandando para 2,1% em 2026 e 1,7% em 2027".
Há três meses, no boletim de dezembro, o prognóstico era de manutenção do ritmo de crescimento nos 2,2% neste ano e no próximo.
"O crescimento económico em 2025–26 beneficia do alívio das condições financeiras e tem subjacente uma aceleração da procura externa e uma execução dos fundos europeus mais concentrada agora em 2026" e "o menor crescimento em 2027 resulta em larga medida do fim do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)".
Para já, o BdP assume que "o consumo e o investimento poderão beneficiar de um aumento da confiança, mas a sua concretização exige uma redução da incerteza interna e externa".
"Exige" porque "os riscos adversos em torno da projeção para a atividade acentuaram-se e prevalece uma incerteza elevada sobre a evolução da economia mundial".
Guerra comercial pode roubar 1,1% ao PIB português em três anos
Segundo o Banco, "para além dos fatores de risco já existentes — relacionados com a invasão militar da Ucrânia pela Rússia e os conflitos no Médio Oriente — surgiram novos fatores, com destaque para as alterações na orientação de política geoestratégica e comercial nos EUA. A materialização destes riscos pode conduzir a subidas de preços das matérias-primas, disrupções nas cadeias de abastecimento, menor crescimento do comércio mundial e variações cambiais marcadas, com impacto destabilizador sobre a atividade".
Por exemplo, Centeno sublinhou que "o indicador global de incerteza das políticas económicas atingiu valores próximos dos máximos históricos no início de 2025, o que por si só poderá limitar o crescimento da atividade mundial".
Em cima disto, "esta incerteza pode levar os agentes económicos a adiar ou cancelar decisões de investimento, a aumentar a poupança por motivos de precaução ou a exigir prémios de risco mais elevados, reduzindo o preço dos ativos e aumentando os custos de financiamento".
Isto mesmo já se reflete no caso de Portugal. Ainda que em 2025–26, o investimento deva acelerar em reação à melhoria das condições de financiamento e da procura e à maior entrada de fundos europeus, o BdP alerta que a retoma do investimento empresarial "deverá ser mais gradual do que a projetada em dezembro, dado o aumento da incerteza".
O BdP vai mais longe e até tentar simular quanto é que Portugal (e a Europa) pode perder com as guerras económicas entre Donald Trump e o resto do mundo.
"No cenário considerado, prevê-se um aumento de 25 pontos percentuais (p.p.) das tarifas impostas pelos EUA, em particular, sobre os bens importados da União Europeia (UE), acompanhado por uma retaliação de igual magnitude por parte dos países afetados".
Assim, "de acordo com os resultados disponíveis, este aumento das tarifas poderá resultar numa contração acumulada do PIB [Produto Interno Bruto] da área do euro entre 0,5% e 0,7% ao fim de três anos, com um impacto mais significativo no primeiro ano".
No caso de Portugal, "assumindo-se a introdução das tarifas a partir do segundo trimestre de 2025" e tendo em conta que "o peso dos EUA nas exportações portuguesas de bens (6,8%) é apenas ligeiramente inferior ao peso no comércio intra e extra da área do euro (8,2%), os resultados obtidos para Portugal são semelhantes" aos obtidos para o caso da zona euro: o impacto é bastante negativo e, na simulação feira, dá "uma redução do PIB próxima de 0,7% ao fim de três anos e mais concentrada no primeiro ano".
Mas a somar ao efeito nocivo direto da guerra comercial, há o efeito incerteza.
"Para além dos efeitos diretos da imposição de tarifas, o aumento das barreiras comerciais gera um ambiente de maior incerteza, com repercussões negativas na confiança dos agentes económicos fruto da imprevisibilidade de futuras políticas comerciais, da sua escala e duração, da possibilidade de medidas retaliatórias e da volatilidade induzida nos custos de produção e nos preços dos bens".
Assim, "observa-se frequentemente uma redução do investimento e do consumo privado" e, neste quadro, "assumindo um aumento significativo da incerteza, ainda que inferior ao registado durante a crise financeira e na pandemia COVID-19", "o impacto global dos choques considerados aponta para uma redução cumulativa do PIB [de Portugal] em torno de 1,1% no final de três anos, com os efeitos concentrados nos primeiros dois anos.
Este ano seria o pior, com o PIB a perder 0,9% só por esta via do binómio guerra comercial/aumento da incerteza.
Gastos militares podem compensar guerras tarifárias
Em sentido contrário, ou seja, como amortecedor face à destruição que pode vir da guerra tarifária e da tal incerteza recorde, o BdP afirma que "o aumento esperado da despesa militar no contexto do plano de reforço da capacidade de defesa europeia pode estimular a economia".
"No caso da inflação, os riscos externos identificados têm potencial para gerarem pressões inflacionistas superiores às assumidas, via subidas dos preços das matérias-primas ou dos preços de importação pelo impacto das tarifas" e além disso, "o dinamismo dos salários poderá também persistir, refletindo-se nos preços dos serviços e comprometendo o ritmo projetado de redução da inflação, com consequências negativas para a competitividade externa", lê-se no boletim.
No cenário assumido, ainda sem impactos de maior da incerteza e dos gastos militares futuros, "projeta-se um aumento do emprego [em Portugal], após os máximos atingidos em 2024, e uma estabilização da taxa de desemprego [nos 6,4% da população ativa]".
"A inflação deverá reduzir-se para 2,3% em 2025 e situar-se em 2% em 2026–27" e "a economia portuguesa continuará a crescer acima da área do euro".