Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.Leonardo Negrão

Banco de Portugal deixou de dar lucros ao Estado. "Não esperaria dividendos tão cedo", diz Centeno

Governador do banco central avisou ainda que o país "precisa de previsibilidade e estabilidade" nas políticas. "Isso é um ativo precioso nos tempos que correm".
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Durante vários anos e até 2022, o Banco de Portugal (BdP) ofereceu uma ajuda importante às contas públicas portuguesas, pagando ao Estado (Tesouro) dividendos avultados, como está previsto na lei.

Mas há dois anos consecutivos (2023 e 2024) que isso não acontece. No último ano em que o BdP deu lucro, em 2022, entregou ao Estado cerca de 238 milhões de euros.

E tão cedo não irá acontecer, avisou o governador do banco central português, esta quarta-feira.

Somando a esta rubrica o imposto sobre o rendimento corrente, o BdP acabou por dar nesse ano um impulso de 371 milhões de euros à receita do Orçamento do Estado nesse ano de 2022.

Desde 2023, altura em que o Banco Central Europeu (BCE) acelerou nos aumentos das taxas de juro (iniciados em meados de 2022) para combater a inflação, o Banco de Portugal passou a remunerar mais os bancos comerciais privados pelos fundos que estes parqueiam no banco central (em forma de depósitos e reservas) por motivos de política monetária.

Esta despesa do banco central aumentou de forma expressiva até setembro do ano passado (quando a taxa de depósito do BCE atingiu um máximo de 4%).

Atualmente, a situação é menos apertada e esta taxa tem vindo a descer, estando hoje nos 2,25% e em junho prevê-se que alivie para 2%, ajudando os bancos centrais a minimizar os referidos custos com a remuneração aos bancos comerciais.

Ao mesmo tempo, as taxas de juro da dívida pública (que o Banco de Portugal ainda detém e deteve em grandes quantidades no passado recente) baixaram de forma dramática e permanente desde o início de 2017. Também aqui os bancos centrais começaram a perder.

Ou seja, o BdP, enquanto comprador no mercado secundário e detentor de referência de obrigações do tesouro passou a ganhar muito menos dinheiro com estes ativos.

Este ano de 2024 não foi exceção e os próximos vão ser parecidos, indicou o governador do BdP na apresentação do Relatório do Conselho de Administração e das contas do ano passado.

"Atendendo que é necessário repor almofadas, eu não esperaria tão cedo dividendos do Banco de Portugal a serem pagos ao Tesouro", disse Mário Centeno, em conferência de imprensa, esta quarta-feira.

"É preciso estabilidade em Portugal"

Sobre a situação política nacional e internacional, o governador e ex-ministro das Finanças também quis dizer qualquer coisa ao futuro governo e aos partidos que o vierem a apoiar, designadamente aos maiores AD, PS e Chega.

Questionado pelos jornalistas, Centeno declarou que o país "precisa de previsibilidade e estabilidade" nas políticas e que "isso é um ativo precioso nos tempos que correm".

"Não há nada pior do que tomar certas decisões num dia e voltar para trás no seguinte", disse o líder do banco central, dando como exemplo concreto a condução de políticas do Presidente dos EUA, Donald Trump.

"O que temos visto do outro lado do Atlântico é o exemplo de como não conduzir políticas económicas". "O que nós precisamos é de previsibilidade e estabilidade", acrescentou.

Aliás, no relatório semestral sobre a estabilidade financeira, o BdP avisa de forma clara que as políticas hostis e erráticas inauguradas por Trump e as suas repercussões globais já são uma ameaça séria para Portugal.

O BdP replica assim os avisos que já feitos a nível superior pelo Banco Central Europeu (BCE) relativamente aos riscos e às ameaças que se agravaram nos últimos meses para a Zona Euro.

Sobre Portugal, a autoridade monetária afirma agora que "os riscos para a estabilidade financeira acentuaram-se nos últimos meses, refletindo a imprevisibilidade das políticas económicas norte-americanas e das reações dos diferentes parceiros geopolíticos e comerciais".

"Pelos seus efeitos na confiança dos agentes económicos e nas condições de financiamento, podem ser gerados impactos negativos significativos sobre a atividade económica, a inflação e o preço dos ativos", refere o Banco no novo estudo sobre a estabilidade financeira portuguesa.

Tempo de prejuízos

Na apresentação de resultados e contas anuais de 2024, o Banco de Portugal revela que os prejuízos (antes de provisões e impostos) continuam a aumentar.

Como referido, o último ano em que houve lucros foi em 2022. Desde então, os prejuízos sucedem-se, embora o banco central refira que tem uma "almofada" substancial, uma reserva de provisões que foi acumulada durante os tempos mais lucrativos até 2022, quando as taxas de juro de referência do mercado monetário ainda eram baixas, tendo de pagar menos aos bancos privados, e as taxas de juro das obrigações do Tesouro detidas ainda eram bastante elevadas, oferecendo remunerações elevadas.

Os tempos mudaram e o BdP registou o seu primeiro grande prejuízo logo em 2023, com um resultado antes de provisões e impostos de 1054 milhões de euros negativos.

No ano passado, o prejuízo agravou-se ainda mais, para 1142 milhões de euros, revelou agora a instituição liderada por Centeno.

Mas, como referido, o BdP acumulou um valor elevadíssimo em provisões que agora usa de forma a neutralizar o prejuízo e colocar o resultado final a zeros. No ano passado, usou 1,1 mil milhões de euros de provisões para esse efeito. Sobram agora 1,7 mil milhões de euros na almofada.

"O ano de 2024 voltou a ficar marcado pela materialização de forma muito expressiva do risco de estrutura de balanço, em particular no que respeita ao custo de financiamento, quando comparado com a rentabilidade dos títulos dos programas de política monetária", diz o BdP.

"Neste contexto, a provisão para riscos gerais foi, em 2024, utilizada em 1142 milhões de euros, apresentando, a dezembro, o montante global de 1716 milhões de euros."

"Esta provisão tem uma natureza equivalente a uma reserva dado que apresenta um caráter de permanência, e destina-se, como já referido, a cobrir riscos potenciais de balanço numa perspetiva de médio e longo prazo", explica o relatório e contas.

A vice-governadora, Clara Raposo, explicou que o valor que resta em provisões "é mais do que suficiente para cobrir o que esperamos serem os prejuízos em 2025" que, em todo ocaso, devem ser menores do que os deste ano, disse.

Centeno acrescentou que caso se coloque outro cenário que não este, ou seja, se os prejuízos forem maiores, o BdP "estará preparado".

Há cerca de um ano, quando apresentou as contas de 2023, Centeno disse aos jornalistas que o BdP não deveria distribuir quaisquer dividendos ao Estado até 2027. Hoje, é mais ambíguo: "não esperaria tão cedo" o regresso dos dividendos.

Incerteza pode arrastar tudo: bancos, empresas e famílias

Ainda sobre o futuro próximo, o BdP diz no relatório de estabilidade que "no final de 2024, o setor bancário apresentava elevadas rendibilidade, liquidez e capital, e boa qualidade creditícia dos ativos, tirando partido do ajustamento significativo dos últimos anos", mas que daqui em diante, "em termos prospetivos, a margem financeira será pressionada, com impacto nos resultados do setor, que deverão diminuir em relação aos registados nos dois últimos anos".

"No atual quadro de incerteza, é fundamental que os bancos mantenham prudência na constituição de imparidades e na preservação do capital", alerta o banco central.

"O contexto externo coloca novos desafios, económicos, financeiros e tecnológicos – nomeadamente, ciber‑riscos e riscos operacionais" e a materialização de "um cenário económico e financeiro adverso afetará a despesa das famílias e das empresas, bem como a capacidade de serviço da dívida, especialmente dos agentes mais vulneráveis", antecipa o BdP.

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