"A Web Summit ajudou, pelo menos durante esta semana do ano, a que os olhos do mundo, no setor da tecnologia, estejam colocados em Portugal” desde 2016, frisa o country manager da Web Summit Portugal e Brasil. Artur Pereira dá o exemplo de empresas como Cloudflare, BMW, Revolut, Google, Amazon, que escolheram abrir operações em Portugal influenciadas, de alguma forma, pela realização deste que é um dos maiores eventos tecnológicos do mundo, “de extrema relevância para apoiar o ecossistema nacional” de empreendedorismo, defende. Todos os anos, a Web Summit tem uma grande preocupação em debater os temas mais importantes no setor tecnológico. E este ano não é exceção. Neste caso em concreto, qual é a preocupação da WS com temas como IA (com desafios de ética e privacidade) e sustentabilidade? É uma excelente pergunta. Eu diria que nós, enquanto plataforma que damos voz a especialistas na matéria, neste caso de Inteligência Artificial, e gostamos sempre de trazer aos palcos pessoas que têm maior conhecimento de causa dos temas, fazemos uma coisa que consideramos que realmente é muito importante: não damos só um lado da questão. Devemos ver certamente pessoas a defender muito a regulação, por exemplo, da Inteligência Artificial e há de haver, certamente, alguém que defenderá um lado ligeiramente oposto. Trazemos sempre os dois lados da questão, porque acho que o debate e a partilha de ideias são fundamentais. O tema da sustentabilidade é algo que está no ADN da empresa, e é algo que nos preocupa bastante e a que damos sempre um forte push por ser sempre debatido nos palcos. Sempre. Seja na indústria automóvel, na do território, na moda, na aviação, na construção civil. E, aliás, podemos ver isso mesmo também em muitas das organizações ou startups de impacto nos palcos..Falou dos dois lados da moeda quando falamos de Inteligência Artificial. Vai cá estar Gabriel Mazini, que é o arquiteto e coautor da legislação europeia sobre Inteligência Artificial. O que esperar dele e de Cristiano Amon, por exemplo, CEO da Qualcomm? Obviamente que temos todos uma expectativa que um lado vai argumentar mais pelo lado dos perigos, da falta de regulação, de poder gerar situações que não são positivas para as sociedades. Há pano para mangas, diria eu. E acho que o lado oposto, provavelmente, vai tentar de alguma maneira mostrar que é importante também deixarmos margem de manobra a quem está a desenvolver esta tecnologia de ponta para que não se asfixie já o que é uma tecnologia ainda muito recente, em que todos nós ainda não sabemos muito bem o que é que aquilo vai trazer de grande impacto para as nossas vidas. Ainda falta um caminho para fazer..Além de IA e sustentabilidade, que outras áreas emergentes, como biotecnologia ou cibersegurança, estão a ganhar relevância nos debates da Web Summit deste ano? Eu diria que está tudo muito ligado. A cibersegurança, já há alguns anos, tem ganho um peso muito relevante nas conversas no setor da tecnologia. Obviamente, não é a conversa mais sexy do mundo falar de cibersegurança quando comparamos com falar sobre a Inteligência Artificial. Mas eu diria que são dois temas altamente interligados, são muito relevantes, porque se queremos realmente continuar a desenvolvermos tecnologicamente com Inteligência Artificial, e muitas outras tecnologias que vêm aí, se não tivermos muito cuidado em investir à séria em cibersegurança, podemos abrir portas muito perigosas. E a quantidade de empresas que têm surgido com novas tecnologias, novas ferramentas, tem sido extraordinária. Temos várias portuguesas que têm dado cartas por esse mundo fora. Lembro-me sempre da Feedzai, que é já um gigante na matéria. E, para nós, já não é uma novidade este tema nos nossos palcos. É sempre uma discussão viva e acesa. Este ano, aliás, vamos trazer ao nosso palco o coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança..Este ano, a Web Summit inovou na própria experiência do evento ao focar-se na experiência de networking e interações. Pode explicar melhor como o Summit Engine e outras ferramentas ajudam os participantes a conectar-se com pessoas de interesses semelhantes? O Summit Engine é o cérebro de toda a parte tecnológica da Web Summit. Como costumamos dizer, nós somos uma empresa de software que também faz eventos. Porque sem o nosso aplicativo, sem toda a engenharia por detrás desse aplicativo - que é uma equipa grande que, ao longo dos anos, tem vindo a desenvolver tudo isso - a magia não-vista que acontece na Web Summit seria impossível. Este ano, como já disse o nosso CEO, o Paddy, vamos fazer um evento de larga escala, mais pequeno para todos. O objetivo é criar meetups ao longo da semana, em que todos os participantes do evento vão estar num destes encontros, nestas small communities que nós queremos criar, seja de developers do Uruguai, seja de programadores em código Java, seja com pessoas de startups que vieram do Brasil, seja pessoas de empresas de retalho da Finlândia. As 70 mil pessoas que cabem na Web Summit, vamos distribuí-las por interesses comuns - e vão acontecer cerca de 250 meetups durante os três dias do evento. Estas pessoas, através do Summit Engine, vão receber notificações para participarem nestes encontros. E vai ser brilhante e fantástico ver isto tudo acontecer pela cidade de Lisboa, e outros encontros durante o evento, propriamente dito..Artur Pereira recebeu o DN / Dinheiro Vivo nos escritórios da Web Summit na Fábrica de Unicórnios, em Lisboa. FOTO: Gerardo Santos.Será ao longo da semana inteira e em toda a cidade? Em toda a cidade, sim..Como é que esta nova estratégia de personalização de conexões pode beneficiar o crescimento da Web Summit? Diria que há dois perímetros do evento. Há um perímetro durante o dia, depois há um perímetro da cidade de Lisboa que nos permite fazer muitos outros encontros acontecerem durante o resto do dia. A equipa de produção tem uma mestria extraordinária em criar mais espaço na FIL e no MEO Arena, e temos vindo a conseguir fazer isso desde 2016. Nesse aspeto, [o evento] tem sempre crescido independentemente de se as pessoas acharem que a área utilizada, em termos de perímetro é a mesma, mas são milhares de metros quadrados a mais que, efetivamente, estamos a utilizar. Agora, durante o evento, acontecem estas meetups todas, e depois, terminando às 5.00 da tarde, 6.00 da tarde, o evento não acaba, estes encontros vão acontecer em várias áreas geográficas da cidade de Lisboa, alguns daqueles pontos turísticos mais famosos, e outros menos. Vamos espalhar magia pela cidade de Lisboa, como gostamos de dizer..Todos os anos a Web Summit anuncia um recorde de participantes. Como é que convivem com as dores de crescimento, atendendo aos desafios logísticos e de infraestrutura para garantir a continuidade do sucesso do evento em Lisboa? É uma excelente pergunta. Diria que o know-how que temos dentro da empresa, em termos de produção de eventos, o Craig Becker, por exemplo, o nosso chief live events officer, já fez eventos para a Casa Real inglesa, já fez eventos de larga escala, muito superior, aliás, à da Web Summit. E, portanto, o conhecimento interno é muito grande. E o que para muitos poderia parecer um grande desafio, para nós acaba por ser apenas uma questão de juntar conhecimento e arranjar soluções. E o que é verdadeiramente interessante é que o participante não percebe. E nós fazemos alterações no evento, mudamos fluxos, pomos as pessoas a circular de uma determinada forma, ligeiramente diferente, e que permite ganhar espaço aqui e ali. Criamos áreas específicas para encontros. Facilitamos tudo de forma a que seja uma experiência mais fluida e mais positiva possível. Em determinados anos construímos tendas, noutros anos não. Tudo tem uma razão de ser e tudo tem o seu objetivo..No plano económico, estão a trabalhar no reforço das parcerias com a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo português? Temos um contrato, pelo menos, até 2028, temos uma excelente relação com a Câmara Municipal de Lisboa e com o Governo, agora do primeiro-ministro Luís Montenegro. Trabalhamos muito em conjunto, é uma parceria forte. Nós compreendemos perfeitamente a relevância que este evento tem para Portugal e para a cidade de Lisboa e fazemos tudo o que podemos para garantir que o máximo valor é extraído pelo facto de as grandes empresas tecnológicas, os grandes oradores, os grandes investidores, os grandes media estarem todos a Lisboa. Portanto, a parceria está forte, recomenda-se e espero que eu me reforme ainda com o evento em Lisboa..Mas estão a trabalhar no reforço das parcerias? Em termos de contrato? Não, o contrato continua e estamos todos muito felizes e não há razão, de momento, julgo eu, para começar a iniciar essas conversações. Acho que ainda é muito cedo, ainda temos quatro anos pela frente..O que representa para si a continuidade da Web Summit em Lisboa e qual é o impacto deste evento no ecossistema tecnológico e de startups português? Eu estava cá quando a Web Summit chegou pela primeira vez a Lisboa, em 2016. Conhecia bem o ecossistema e acho que houve uma mudança de paradigma muito grande em Portugal quando a Web Summit começou em Lisboa. Começou a dar-se uma atenção muito especial aos ecossistemas de startups em Portugal, não só em Lisboa, mas também no resto do país, obviamente. E essa atenção especial resultou em legislação específica, apoios específicos, políticas específicas de incentivo ao crescimento dos ecossistemas. E tem sido colocada em prática no nosso país, não só por parte dos Governos de então, mas também depois a nível da própria cidade de Lisboa e de outras iniciativas específicas para apoiar os ecossistemas. Este é um aspeto muito relevante em termos do que era a visibilidade do ecossistema nacional para os nossos decisores. Um segundo aspeto foi o facto da Web Summit trazer a Portugal as melhores empresas tecnológicas do mundo, com os decisores a virem a Lisboa, a virem ao nosso país, contactarem com presidentes de câmara, contactarem com o Governo, contactarem com os players do ecossistema, não só de startups mas também do ecossistema corporate. Acho que a Web Summit ajudou, pelo menos durante esta semana do ano, a que os olhos do mundo, em termos do setor da tecnologia, estejam todos colocados em Portugal. Isto ajudou na decisão de várias empresas em abrir operações em Portugal. Todos nós conhecemos os casos, como a Cloudflare, a BMW, a Revolut, a Google, a Amazon. Há uma lista extensa. Não somos a razão, mas gostamos de pensar que ajudámos a empurrar um bocadinho e a ajudar nesta tomada de decisão. E, portanto, todo este movimento que aconteceu desde 2016 até agora foi de extrema relevância para apoiar o ecossistema nacional português que hoje, passados oito anos, nada tem a ver com o que havia em 2016..Sendo country manager em Portugal e Brasil, de que forma podemos olhar para a Web Summit como um “corredor de inovação” entre Europa e América Latina? Sem dúvida. Claramente, a Web Summit aqui serve como uma plataforma que junta dois continentes e temos visto isso acontecer. Foi muito curioso ver que, a partir do momento em que anunciámos o Rio [de Janeiro], nesse próprio ano, o número de brasileiros que decidiram vir à Web Summit em Lisboa aumentou significativamente e tem continuado a crescer. E foi muito bonito de ver, não posso deixar de dizer, o trabalho conjunto com a Startup Portugal e com a Startup Lisboa, em que levámos 31 startups à Web Summit Rio para participarem, com sucessos imediatos. A Sensei, em que uma das cofundadoras é a Joana Rafael, e com um futuro brilhante pela frente, o seu investidor veio de lá, conheceram-no na Web Summit Rio. A SheerMe teve sucesso imediato ao mostrar os seus produtos e serviços, quando foi à Web Summit Rio. Isto enche-nos de uma grande alegria, saber que conseguimos ajudar a que isto aconteça. Faz parte também, diria eu, um bocadinho da nossa missão. Nós, quando juntamos milhares e milhares de pessoas, gostamos que aconteçam coisas..Isto leva-vos a pensar na expansão ainda mais da Web Summit para outras geografias? Já estamos em quatro continentes. Não há, de momento, nenhuma decisão tomada de abrir um próximo evento num outro país ou continente. Estamos com um calendário muito cheio, quatro eventos ao longo do ano, e, para quem está na indústria, montar e preparar a Web Summit em Lisboa é um desafio herculeano, comparado com qualquer outro dos nossos eventos. Para além de ser o nosso flagship event, ele realmente é um flagship, ele é o nosso grande navio que nós temos de navegar sempre na perfeição, e são muitos meses a preparar. Isto requer realmente o envolvimento de todos, durante muitos meses, e é um calendário muito cheio. Portanto, não estou a dizer que não vai haver mais Web Summits, estou a dizer que, de momento, não está nenhuma decisão tomada sobre a criação de novos eventos.