O atraso no pagamento dos fundos comunitários nos projetos de apoio à internacionalização das pequenas e médias empresas está a levar muitas delas a refrearem a sua presença internacional. Há empresas à espera da devolução de despesas em feiras realizadas em 2023 e que admitem não ter liquidez financeira, numa altura como a atual, para continuar a avançar com novos certames internacionais. O gabinete do Compete 2030 admite os atrasos nos reembolsos e assume que “está a preparar a realização de adiantamentos no valor de 80% do incentivo associado à despesa apresentada”. O pagamento, que é processado pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), o organismo intermédio nestes projetos, “está previsto que ocorra no início de março”.A Lagofra é uma das muitas centenas de empresas que aguardam a devolução dos apoios recebidos para a presença em feiras em 2023. Embora tenha recebido, há dias, o reembolso da presença na Premiére Vision desse ano, o mais importante certame de têxteis e vestuário em França, a empresa de Filipe Prata espera ainda pela liquidação das despesas de seis outros certames realizados em 2023 e 2024. O empresário diz-se “indignado e frustrado” com todo o processo.“Numa altura em que as empresas têm menos negócio, as feiras acabam por ser uma das ferramentas que ainda têm alguma importância. O país necessita desesperadamente de exportar mais e todos os euros são importantes. Se o dinheiro não flui, e há incerteza nos prazos, nas regras, tudo isso desmotiva”, refere Filipe Prata, assumindo que, por prudência, a Lagofra irá este ano fazer, apenas, uma feira em vez das três ou quatro que deveria fazer. “O momento atual é difícil e todos os euros contam. Na verdade, deveríamos refinanciar as ações no exterior a partir dos reembolsos das anteriores, que era o que seria adequado, assim, estamos a ter de continuar sempre a investir de novo, e é muito complicado”. Sobre a promessa do Compete de fazer adiantamentos de 80% do incentivo associado à despesa apresentada, tal como está previsto no regulamento dos sistemas de incentivos, considera que “é um penso rápido, mas que não resolve o problema de base, que é a necessidade de a máquina montada ser célere”.Filipe Prata , que por estes dias está, de novo, em Paris, na Premiére Vision, considera que em certames como este, com 60 empresas portuguesas presentes, os organismos estatais “deveriam destacar dois ou três auditores para a feira para validarem localmente as evidências necessárias, de modo a que os reembolsos pudessem ser realizados na semana a seguir”.Mas nem todos os empresários se sentem à vontade para falar abertamente do problema. Diversos outros, contactados pelo DN, preferem não dar a cara, assumindo receio de represálias. É o caso de um empresário de calçado, que assume ter 70 mil euros de apoios em atraso, o que lhe está a gerar “grandes constrangimentos” financeiros. “Quando metemos um projeto acabamos a gastar mais do que gastaríamos se avançássemos sem apoios, precisamente para alavancar o negócio. Mas estamos a contar com o incentivo que, depois, não vem e nos obriga a ir à banca... com os juros que nos cobram, a situação é delicada”, assume. Também as associações empresariais, que são as entidades promotoras dos projetos conjuntos de internacionalização das PME, se mostram renitentes em falar abertamente deste tema. Os atrasos no fecho dos projetos, sobretudo quando coincidem com o encerramento de um quadro comunitário e arranque do seguinte são sempre habituais, mas com a Operação Maestro, que investiga suspeitas de fraude na obtenção de fundos europeus por parte da Associação Seletiva Moda e do empresário Manuel Serrão, e que lançou suspeitas sobre diversos funcionários da AICEP e do Compete 2020, incluindo o ex-presidente do programa operacional, Nuno Mangas, o problema agravou-se.Da parte do Compete 2030 garante-se que as questões identificadas no âmbito a Operação Maestro determinaram a adoção de mecanismos e procedimentos complementares de análise, mecanismos esses que, “não estando a condicionar a análise das candidaturas, implicam procedimentos mais profundos e completos, com prazos de realização mais alargados”.Quem está no terreno fala numa situação de “grande instabilidade”, com dirigentes e técnicos sob suspeita, e “gerando dúvidas se os incentivos estão a servir para o que deviam”, o que faz com que “ninguém queira arriscar coisíssima nenhuma”. Fonte contactada pelo DN assegura que “os programas são muito rígidos”, e que, “com o clima de suspeição que existe, estão a ser tomadas decisões unilaterais, com consequências muito sensíveis”. Leia-se, projetos que estavam encerrados foram reabertos e agora está a ser exigida a devolução das verbas.O Compete garante que há um “número muito reduzido” de operações do PT 2020 por encerrar, “decorrentes de contestações apresentadas pelas entidades e que se encontram em análise”. E acrescenta tratarem-se de “situações pontuais e de reduzida dimensão”. A AIMMAP, a associação da metalurgia e metalomecânica, fala em “interpretações altamente restritivas, muitas vezes sem fundamento legal” e considera que “é fundamental que o poder político crie condições para que os técnicos e as estruturas diretivas do IAPMEI, da AICEP e do Compete deixem de ter tantas reservas nos processos de decisão”. Como? “É muito difícil, mas é preciso estimular mais as pessoas, é preciso ajudar a criar regras mais claras, e é preciso que se assuma, de uma vez por todas, que estes projetos são fundamentais para a economia e devem ser acarinhados. E as empresas e as associações não podem ser permanentemente encaradas como potenciais desonestos”, diz o vice-presidente da AIMMAP. Sobre a promessa do Compete de avançar com adiantamentos de 80%, a associação saúda a iniciativa, mas lembra que não resolve a questão de fundo. “Isto significa que agiliza os pagamentos, o que naturalmente será positivo. Todavia, se nos pagamentos dos saldos finais as entidades competentes continuarem a manter a mesma postura desconfiada e restritiva que agora é seu apanágio, os problemas serão apenas adiados”, defende Rafael Campos Pereira.Já o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) considera a medida positiva, ao “ajudar à agilização da boa execução dos projetos” e a “colmatar os problemas de tesouraria” das empresas, atendendo “ao atraso significativo” nos pagamentos.”Vem no sentido daquilo que a AEP sempre defendeu, de sermos mais ágeis e mais flexíveis na implementação dos projetos, que devem ser fiscalizados, com todo o rigor na sua análise, mas que não se permita que a burocracia seja um condicionamento à boa execução”, defende Luís Miguel Ribeiro.Para este responsável, o grande problema é que o modus operandi dos organismos públicos “continua a ser muito lento, numa fase em que precisamos de dar respostas muito rápidas aos novos desafios... sejam as tarifas de Trump, sejam os impactos dos conflitos geopolíticos que estão a acontecer, tudo isso abriga a que haja um trabalho ainda mais intenso ao nível do apoio à procura de novos mercados”, diz o líder da AEP, que sublinha: “As empresas estão com dificuldades de tesouraria, precisam de procurar outros mercados e às vezes tenho a sensação que quem decide não percebe o contexto sobre o qual está a decidir”.Luís Miguel Ribeiro lamenta que estejam a ser criadas “dificuldades acrescidas” às empresas, “cortando ou diminuindo apoios”, numa altura em que o peso das exportações de bens no PIB está a cair. Sobre a mudança de regras, o Compete 2030 refere que o primeiro aviso para ações de internacionalização das PME foi lançado em 22 de outubro de 2022, ao abrigo do Mecanismo Extraordinário de Antecipação do PT2030. Aviso esse que “estipulava claramente que as entidades que se candidatassem teriam de comprometer-se com a observância das regras que viessem a ser definidas no Portugal 2030”. Já a associação das madeiras e mobiliário, a AIMMP, considera que os 40 anos de experiência na aplicação de fundos comunitários em Portugal “tenha um impacto que está longe de ser o que deveria ter sido”. Para Vítor Poças, o Governo deve “promover uma reflexão técnica muito rápida relativamente à conceção e regulamentação dos fundos comunitários no sentido de lhe dar um aproveitamento mais profícuo para os interesses do país”. Mas quanto está em dívida afinal? De acordo com o gabinete do Compete 2030, foram contratualizadas 28 operações de internacionalização das PME, das quais 15 entidades apresentaram já despesas, com um valor associado de 10 milhões de euros de incentivo. As restantes 13 “ainda não apresentaram qualquer pedido de reembolso” e envolvem cerca de 9,8 milhões de euros de incentivos. Sobre a promessa do governo de candidaturas em contínuo no PT2030, a entidade liderada por Alexandra Vilela destaca que o aviso programado para ter início a 31 de maio de 2025, tem já um prazo mais alargado de candidaturas, que passam dos três meses habituais para 19 meses, ou seja, até dezembro de 2026."Não obstante, equaciona-se o lançamento de um aviso em continuo ou de modalidades que permitam às empresas ter uma janela permanente para submissão das suas intenções de investimento, como forma de dar cabal resposta às necessidades de apoio à internacionalização das PME", sublinha o Compete 2030. Sobre as queixas relativas às dificuldades técnicas e tecnológicas para submissão de despesas, o gabinete do Compete diz que a plataforma utilizada no Compete 2020 teve de ser alterada devido à "descontinuidade da linguagem de programação JAVA", utilizada nas ferramentas do anterior quadro comunitário. Uma alteração que implicou a adaptação dos sistemas de informação e a criação de novos formulários para os pedidos de pagamento.E embora garanta que a nova plataforma está operacional desde agosto e que foi já disponibilizada uma ferramenta para análise dos pedidos de pagamentos - que se encontra "em processo de introdução de melhorias, para abranger todos os requisitos de verificação e reporte de certificação de despesas à Comissão Europeia -, o Compete 2030 admite que a implementação das soluções tecnológicas "tem-se revelado um processo mais moroso do que o previsto".Quanto às reclamações sobre a mudança nas regras de cálculo das subvenções de apoios à viagens de promoção internacional, especifica que, no Portugal 2030, todas as despesas com deslocações externas passaram a ser calculadas numa base de custos unitários - custo por viagem por participante, em função da distância percorrida, a partir de uma calculadora aplicada pela Comissão Europeia para o programa Erasmus."No entanto e após esclarecimento da Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), confirmou-se que, ao contrário do apuramento efetuado na análise das candidaturas, o cálculo correto deveria considerar a distância de um trajeto para o cálculo do montante do apoio, que considera o valor para a viagem de ida e volta. Após esta clarificação, os valores aprovados foram recalculados em todas as operações, para ajustar o custo de cada deslocação", sustenta.