António Mendonça nasceu em Cascais, Estoril, em maio de 1954 (tem 70 anos), formou-se em Economia pelo ISEG em 1976, foi um ativista estudantil contra a ditadura, fez carreira como economista, sendo há anos professor catedrático na mesma faculdade de Lisboa. Teve vários cargos, um dos mais mediáticos, ministro das Obras Públicas e dos Transportes do último governo do PS, de José Sócrates, entre finais de 2009 e início de 2011, em plena crise da dívida, marcada pela bancarrota de Portugal. Tinha a tutela do enorme projeto da alta velocidade ferroviária, em relação ao qual lamenta hoje a interrupção nessa altura e o atual estado de inércia em que continua. Desde 2022, é bastonário da Ordem dos Economistas, cargo para o qual foi reconduzido este ano, até 2028. Diz que tem uma relação distante com o PS, que não deseja voltar à política ativa, que está totalmente empenhado em fazer crescer a Ordem. Sobre a possibilidade de voltar a um governo, responde: "é algo que não me preocupa". Foi um dos oradores na grande conferência dos 160 anos do DN, há uma semana, sob o tema "O Portugal que temos e o Portugal que queremos ter". Nesta entrevista, o professor centra-se nas opções estratégicas da economia nacional. Esta é a segunda de duas partes da entrevista que concedeu ao DN.Portugal alcançou recentemente excedentes orçamentais públicos, um feito histórico, mas está novamente a regressar aos défices. Como avalia esta evolução?É natural que assim seja, não acho que seja grave, sinceramente. Sempre tive algumas reservas sobre a aposta nos excedentes, na medida em que pode ter impedido de fazer outras coisas, designadamente investimentos prioritários. Nesse sentido, pode ter atrasado o desenvolvimento da economia nessa parte e se calhar, se não tivesse sido assim, hoje estaríamos a crescer mais e o problema do défice, que é muito pequeno, nem se colocava. Isto para dizer que estamos com um nível de investimento relativamente baixo face àquilo que devíamos ter, mas em compensação temos muita credibilidade externa. Ok, é um ativo e já que o temos, então devemos explorá-lo ao máximo.Ir reduzindo o custo da dívida e usar novos fundos baratos para financiar novos investimentos?Recuperámos a credibilidade externa ao ter as contas públicas neste ponto de excedente, que é elogiado, mas isso agora também nos dá autoridade, para, em determinadas condições, não ficarmos sempre agarrados ao superávite. Aliás, o Pacto de Estabilidade até pode ajudar em certo tipo de investimentos. Se o eventual défice estiver associado a bom investimento, a modificações estruturais, não pode ser negativo. Agora, se for défice porque aumentou a despesa corrente, aí sim, devemos ficar preocupados.Com tantas fraturas internas e lideranças anti-europeias, que diagnóstico faz do projeto europeu?Ele existe, está de pé, mas temos de renová-lo. É preciso recuperar o projeto de integração europeia, essa vontade comum acho que se perdeu. Fala-e em mais integração política, em política de defesa comum, em mercado único, em emissão conjunta de dívida, mas são coisas que estão no ar, aparecem mais ligadas a necessidades imediatas do que propriamente integradas na conceção das estratégias de longo prazo.Como é que se renova o projeto europeu?Com novo investimento. A Europa precisará de 750 ou 800 mil milhões de euros, de acordo com as estimativas feitas no relatório de Mario Draghi, e é evidente que parte substancial desse financiamento terá que vir dos governos. Penso que isto já devia estar ligado ao projeto de emissão de dívida comum. Este passo é inevitável, temos de avançar aqui, ou então, enfim, continuaremos a ter crises sucessivas até um ponto em que a própria manutenção da União Europeia pode estar em causa.Acha que as gerações mais novas sentem menos laços ou mais desilusões com o projeto europeu e, por isso, podem deixá-lo cair mais facilmente?Podemos ter aqui um desafio geracional. Os fundadores já não estão e os mais novos querem saber que partidos, que benefícios podem tirar do projeto europeu.Ou ter uma Europa onde possam viver, sem uma crise de habitação como a atual, que afeta já tantos países europeus, mas com especial gravidade Portugal, como se sabe.Por exemplo. Esse tipo de coisas não contribui. Portugal vive uma crise de habitação e cada vez mais países na Europa confrontam-se com uma inacessibilidade crescente na habitação. Isto afeta os jovens, mas já alastrou para as classes médias.Há falta de casas ou mesmo se houvesse mais elas continuariam caras e especuladas?Sim, há um problema de oferta, e sim, há um problema de preço. No caso de Portugal, que conhecemos melhor, as casas estão caras, as classes médias não têm acesso, os jovens não têm acesso, há falta de oferta. Mas há governos que estão a tentar debelar o problema. Temos o exemplo de Espanha que está a pensar a prazo. Não podemos estar continuamente a chutar as populações para as periferias das cidades onde trabalham.Hoje, os imigrantes vivem nas casas degradadas dos centros urbanos, os nacionais fugiram para a periferia.E nós em Portugal vivemos um drama sério, com estas perspetivas de redução substancial da população, a médio prazo, ou até já no imediato. Se achamos que podemos resolver este problema demográfico só com imigração, estamos muito enganados. É preciso resolver o problema da habitação, temos que apostar seriamente no aumento da natalidade. Sei, evidentemente, que o mundo mudou, mudou a cultura, as necessidades, o dinamismo social, o papel dos homens, das mulheres. Mas tenho a certeza que não vão nascer mais bebés só com subsídios ou medidas de assistência social e de caridade.Não há bebés, os jovens fogem daqui...Por isso digo: outra das dimensões, das mais importantes, a integração dos jovens, particularmente da geração mais qualificada, tem que ser pensada seriamente, porque é do interesse do país, é do interesse da economia que essas pessoas não abandonem Portugal. O nosso sistema educativo investiu anos e anos nessas pessoas, mas depois, como não há cá condições, empregos mais bem pagos, carreiras de futuro, vão embora, obviamente. No fundo, o que nós estamos a fazer é financiar com recursos nacionais os mais qualificados dos outros países.Uma pergunta mais pessoal, para terminar. Gostava de voltar à política ativa?Estou numa posição privilegiada que é ser bastonário da Ordem dos Economistas, para além de ser professor na academia.Continua ligado ao Partido Socialista?Não tenho atividade partidária. Há um partido com o qual tenho mais referências, como é óbvio, mas não exerço atividade. E uma das razões para assim ser é porque eu sou bastonário, uma posição em que devo que procurar construir uma plataforma abrangente de economistas, de diferentes setores políticos, de diferentes concepções teóricas, e trabalhar para encontrar convergências, no fundo, aquilo que não se consegue fazer na esfera política. Acho que os economistas podem tentar construir isso e com maior facilidade, até.O seu primeiro mandato como bastonário terminou agora em dezembro de 2024, tendo sido reeleito por mais quatro anos, até 2028. Se entretanto surgisse um novo convite para um cargo executivo… Como até já foi ministro, aceitaria?Não sei, ou seja, não estou preocupado com o assunto. Neste momento, estou numa posição privilegiada, que os meus pares me deram, numa instituição que tem credibilidade na sociedade portuguesa e que pode dar contributo para a introdução de uma coisa que eu acho que é importante, também, que é o bom senso. Acho que os economistas, na medida em que podem conseguir discutir as coisas de uma forma mais técnica e permitir chegar a conclusões e a convergência de posições relativamente às questões essenciais, podem contribuir para a introdução de bom senso na sociedade portuguesa, uma coisa que às vezes falta. Contribuir para o bom senso, contribuir para apoiar a decisão política, servir o interesse público, garantir a qualidade do debate e a qualidade dos próprios técnicos, dos economistas. Que estes sigam os mais elevados padrões de ética..António Mendonça. "Discurso sobre bem-estar, clima, equidade social, é um bocado lírico", "se queremos paz, temos de nos preparar para a guerra"