Anacom recebe pedido de indemnização devido às taxas consideradas inconstitucionais
Foto: Paulo Spranger

Anacom recebe pedido de indemnização devido às taxas consideradas inconstitucionais

Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais as taxas regulatórias. Governo já criou base legal para cobrança. Pedido de devolução não partiu da Altice, NOS, Vodaone ou Nowo, apurou o DN. Resta saber qual dos pequenos operadores o fez.
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A Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) foi surpeendida por um operador com um pedido de devolução do valor das taxas regulatórias cobradas nos últimos anos, que o Tribunal Constitucional (TC) considerou inconstitucionais. São taxas cobradas, por exemplo, pelas licenças, serviços ou pela utilização do espectro das redes móveis.

“Houve um pedido [de devolução do montante das taxas cobradas] por parte de um operador”, revelou ontem Sandra Maximiano num encontro com jornalistas. A presidente do conselho de administração do regulador das comunicações não detalhou o valor da indmenização exigida, nem revelou o operador que fez o pedido, mas realçou que o supervisor tem quatro meses para responder, estando a aguardar um parecer  jurídico interno.

O DN confirmou junto de diferentes fontes do setor que a exigência não partiu de nenhum dos operadores históricos (Altice, NOS, Vodafone), nem da Nowo (que agora pertence à Digi). Uma das fontes setoriais considerou que, do ponto de vista jurídico, “não faria sentido” aqueles operadores pedirem uma devolução de verbas,  uma vez que o processo judicial ainda decorre, e a Altice, a NOS e a Vodafone, têm impugnado a cobrança de taxas regulatórias todos os anos. E também porque o Governo já atuou. Por isso, indicou a hipótese de o pedido vir de uma empresa mais pequena, fora do processo, mas que agora “procura aproveitar” o acórdão do TC.

O acórdão do TC, divulgado a 7 de novembro, julgou inconstitucionais as taxas cobradas às telecom pela Anacom, considerando que  a cobrança das mesmas, determinado por uma portaria do Governo, não dá base legal suficiente para o efeito. A posição do TC ameaçou anular parte significativa das receitas do regulador das comunicações, sendo que a Anacom ainda não cobrou taxas em 2024 por causa do processo. Para não deixar o regulador à margem da lei, o Governo aprovou, em 28 de novembro, “um diploma que determina os elementos essenciais da contribuição financeira” que os operadores devem  à Anacom, para assegurar que há um enquadramento legal sobre as taxas.

Em jeito de ponto de situação, a presidente da Anacom disse ontem que, após a decisão do TC, ainda decorre “um período de negociação”, revelando que o Governo “também falou com os operadores”.

O processo em causa poderá obrigar a Anacom a devolver aos operadores um valor global entre cerca de 200  a 400 milhões de euros. Sandra Maximiano sublinhou que “há muitos cenários possíveis”. “Num cenário mais drástico”, admitiu, o regulador pode ter “de devolver [o montante] pago todos os anos [pelos operadores em taxas, ou seja os 400 milhões]”. “Mas há pareceres jurídicos que dizem haver limitação de efeitos”, ressalvou, indicando que esses limites poderão cingir-se à cobrança de taxas nos últimos quatro a cinco anos, o que resultaria num valor abaixo dos 200 milhões de euros.

Por trás do acórdão do TC estão vários processos dos operadores, alguns iniciados antes de 2010, sobre a constituição de provisões  por parte do regulador cada vez que havia litigância. Fontes setoriais lembraram ao DN que a Anacom é uma entidade reguladora e que por definição não visa lucros. A litigância no setor, contudo, tem-se intensificado na última década e a cada processo, por regra regulatória, a Anacom agrava as taxas cobradas como penalização, reforçando as receitas.

Segundo Sandra Maximiano, foi o tribunal  que “começou a questionar o enquadramento legal” das taxas. “Esta questão não foi levantada pelos operadores, foi levantada pelo tribunal”, notou. “E até hoje não há nenhuma indicação do tribunal sobre as provisões”, acrescentou. “Não temos nenhuma decisão do tribunal sobre o que fazer sobre as provisões”, disse.

Os operadores , todavia, têm defendido que não faz sentido a constituição de provisões. “Na minha opinião também não o faz”, disse Sandra Maximiano, quando questionada, indicando que, neste caso, trata-se de uma questão contabílistica, que “se tornou numa bola de neve”.

A presidente da Anacom revelou, por isso, o diploma que o Governo aprovou prevê um modelo de financiamento do regulador sem a constituição de provisões. Como é que um decreto-lei impede a constituição de provisões?  Não houve resposta da supervisora, que notou que cabe ao Governo decidir isso e como as receitas da Anacom serão distribuídas, lembrando que há outros organismos dependentes delas (caso da Entidade Reguladora para a Comunicação Social).

Nas contas de 2023, a Anacom indica que tinha em curso 243 processos judiciais, a maioria referente a “atos decorrentes da atividade de regulação na área das comunicações eletrónicas, atos da atividade de regulação de serviços postais e impugnação de liquidação de taxas”. Naquele ano, a Anacom teve de constituir novas provisões no valor global de 46 milhões.

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