Anacom pode cobrar novamente taxas aos operadores
Depois de o Tribunal Constitucional ter declarado a inconstitucionalidade das taxas que a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) cobra aos operadores, o Governo aprovou um novo quadro para tornar a cobrança daquelas taxas legal. O decreto-lei foi publicado esta sexta-feira em Diário da República, permitindo ao regulador cobrar aos operadores taxas sobre a atividade, serviços e uso do espetro das redes móveis, dos anos de 2024 em diante.
Devido à decisão do Tribunal Constitucional, que considerava que a cobrança de taxas não podia ser determinada por uma portaria do Governo, a Anacom não cobrou quaisquer taxas relativas ao ano de 2024. Segundo o decreto-lei hoje publicado, os operadores têm até ao dia 15 de fevereiro para saldar uma "contribuição finaneira" devida ao regulador referente a 2024.
“Dada a proximidade da entrada em vigor do presente decreto-lei ao final do ano de 2024, estabelece-se, em norma transitória, a admissibilidade de o pagamento por conta relativo a 2024 ser efetuado até 15 de fevereiro de 2025", justifica o documento.
O novo diploma já não prevê o pagamento de taxas regulatórias, mas a "obrigação de pagamento da contribuição financeira", que é no fundo uma taxa única anual, devida pelas “empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas abrangidas pelo regime de autorização geral”.
Relativamente aos de 2025 e aos seguintes, o decreto-lei determina que o "pagamento da contribuição financeira" será feito em dois momentos. Primeiro, os operadores fazem "um pagamento por conta" até ao final do mês de dezembro do "próprio ano a que respeita a contribuição financeira" e, depois, até dia 30 de setembro do ano seguinte, quando estiverem cálculados os rendimentos e o montante exato da taxa devida, pagam o valor em falta ou são reembolsados se o pagamento por conta tiver sido superior ao montante exato das taxas a pagar.
O novo enquadramento legal das taxas regulatórias da Anacom sobre as comunicações eletrónicas determina que a referida "contribuição financeira" é anual e servirá para pagar a função de supervisão da Anacom. Por isso, o valor a pagar pelos operadores dependerá "dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral", bem como dos "custos de cooperação internacional, de harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimentos e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e de interligação [das redes]".
Por outro lado, o diploma deixa de "considerar as provisões para processos judiciais como parte integrante" dos custos de regulação da Anacom. Significa que o regulador não poderá agravar a contribuição financeira dos operadores quando estes iniciam processos judiciais contra a Anacom.
O cálculo da contribuição dependerá, por exemplo, do escalão de cada operador, sendo que para apurar o valor da taxa a pagar, são contabilizados "rendimentos relevantes diretamente conexos como a atividade de comunicações eletrónicas". Uma empresa do setor cujos rendimentos anuais não superem os 250 mil euros fará parte do escalão "zero", enquanto empresas com rendimentos entre 250.001 euros até 1,5 milhões de euros pertencem ao escalão "um". O escalão "dois" visa as empresas com rendimentos anuais acima dos 1,5 milhões de euros. É neste escalão "dois" que se encontram empresas como a Altice, NOS e Vodafone.
O decreto-lei fixa, ainda, que o cálculo dos "rendimentos relevantes" dos operadores é feito "antes da aplicação do IVA" e sem incluir "a venda de equipamentos terminais ou receitas provenientes de outras atividades que não a de oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas". As receitas das transações entre entidades do mesmo grupo também não podem ser consideradas para o apuramento dos rendimentos anuais dos operadores em sede pagamento da contribuição financeira.
Apesar das alterações determinadas, o novo diploma "não prejudica que se reavalie o modelo de financiamento da Anacom no seu conjunto". Ou seja, o Governo admite repensar o modelo de financiamento do regulador das comunicações eletrónicas e postais, cujas taxas cobradas às empresas reguladas representam a maior fatia da receita da entidade, que permitem apresentar resultados líquidos positivos. O resultado líquido da Anacom resulta numa entrega direta de verbas ao Estado, que, segundo a lei em vigor, canaliza parte delas para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), para o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), para a Agência Espacial Portuguesa e para a Agência Especial Europeia.
O novo diploma, que legaliza a cobrança de taxas aos operadores, surge “após as recentes decisões jurisprudenciais do Tribunal Constitucional", que considerou que a determinação do pagamento de taxas regulatórias por uma portaria não confere base legal suficiente. A portaria em causa data de 2008, sendo por isso anterior à atual Lei das Comunicação Eletrónicas (LCE), em vigor desde 2022.
"No espírito de lealdade constitucional e boa-fé", assume o novo decreto-lei, o Governou considerou "adequado proceder a uma alteração legislativa que mantém, em parte, a solução acolhida" na portaria de 2008, e cria "uma efeitva contribuição financeira" para que a LCE "se adpate assim à jurisprudência constitucional".
O decreto-lei publicado esta segunda-feira em Diário da República foi subscrito pelo Ministro das Finanças, Miranda Sarmento, pelo Ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, e pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro. O diploma foi aprovado em Conselho de Ministros a 28 de novembro e promulgado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a 14 de dezembro. Entra em vigor este sábado.
Por trás do acórdão do Tribunal Constitucional, que considerou inconstitucionais as taxas cobradas, estão vários processos dos operadores, alguns iniciados antes de 2010, sobre a constituição de provisões por parte do regulador cada vez que há litigância. A litigância no setor tem-se intensificado na última década e a cada processo a Anacom agrava as taxas cobradas como penalização, reforçando as receitas da entidade.
Num encontro com jornalistas a 13 de dezembro, Sandra Maximiano, presidente da Anacom, defendeu que foi o tribunal que “começou a questionar o enquadramento legal” das taxas. “Esta questão não foi levantada pelos operadores, foi levantada pelo tribunal”, notou. “E até hoje não há nenhuma indicação do tribunal sobre as provisões”, acrescentou.
Com o novo diploma, o Governo não só legalizou as taxas regulatórias, como também definiu que as provisões para processos judiciais deixam de ser consideradas para o cálculo da contribuição financeira dos operadores.
No entanto, a Anacom, devido à decisão do Constitcional, ainda poderá ter de devolver aos operadores um valor global entre cerca de 200 a 400 milhões de euros, relativos à cobrança de taxas em anos anteriores a 2024, uma vez que o decreto-lei publicado hoje apenas protege a cobrança de taxas de 2024 em diante.
No relatório de Contas de 2023, a Anacom indica que tinha em curso 243 processos judiciais, a maioria referente a “atos decorrentes da atividade de regulação na área das comunicações eletrónicas, atos da atividade de regulação de serviços postais e impugnação de liquidação de taxas”. Naquele ano, a Anacom teve de constituir novas provisões no valor global de 46 milhões.