O que aconteceu esta terça-feira de manhã em Berlim, com um primeiro chumbo de Friedrich Merz para chanceler da Alemanha, "faz lembrar um velocista que tropeça logo no início de uma final olímpica", observa Carsten Brzeski, economista principal para a área de macro no grupo financeiro ING."Os acontecimentos no parlamento alemão são um sinal doloroso de quão difícil será para o novo governo cumprir as elevadas expectativas em matéria de investimentos e reformas. Parece que nem todos os membros dos partidos da coligação compreenderam plenamente o sentido de urgência em relação à necessidade de um governo que funcione", pelo que, "na nossa opinião, Friedrich Merz e o governo enfrentam agora o desafio monumental de restaurar a força económica alemã, ao mesmo tempo que tentam manter todos os membros dos partidos da coligação [CDU/CSU, SPD] alinhados", acrescenta o mesmo economista.Depois de a maior economia da Europa (e da Zona Euro) ter entrado em recessão no ano passado (recuou 0,2% em termos reais), este início de ano não está nada fácil.A Alemanha escapou por um triz a uma nova recessão técnica (dois trimestres consecutivos de quebra no PIB - Produto Interno Bruto), soube-se há dias, mas, apesar dos anúncios do gigantesco plano de investimentos estruturais e em defesa no valor de 500 mil milhões de euros, a economia (sobretudo as grandes empresas alemãs, exportadoras) está a reagir bastante mal às ameaças e concretizações de Donald Trump, o Presidente dos EUA, nas tarifas comerciais e, principalmente, ao alastrar da incerteza das voltas e reviravoltas do norte-americano.Estes problemas não afetam apenas a Alemanha, claro, mas o motor económico da Europa, um dos maiores investidores em Portugal e parceiro comercial de topo, é dos que mais se está a ressentir do ambiente negativo global.Tanto assim é que, no final de abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deixou o aviso: este ano, na melhor das hipóteses, a economia da Alemanha estagna (0%), mesmo com o impulso anunciado de 500 mil milhões de euros. O outro problema latente é o da dívida que terá de aumentar de forma substancial para financiar o megaplano.À luz do Pacto de Estabilidade, a Alemanha até pode enveredar por esse caminho porque ainda tem um rácio de dívida pública no limiar dos 60% do PIB (62,5% no final de 2024), mas este é justamente um dos temas fraturantes que podem minar a estabilidade do governo, sobretudo a complacência da CSU, o partido mais à direita na grande coligação que Merz vai ter de liderar.O alerta do FMISegundo o FMI, o crescimento alemão foi um dos mais penalizados entre as grandes economias do mundo, tendo sofrido agora, na primavera, uma revisão em baixa de 0,8 pontos percentuais face às previsões do outono. É muito e, por causa disso, a Alemanha aparece outra vez estagnada em 2025, como referido."Há apenas dois meses, o novo Governo alemão teve um início forte e impressionante com uma reviravolta na política orçamental, materializada no pacote de 500 mil milhões de euros para as infra-estruturas e alterações ao travão da dívida pública de modo a permitir despesas ilimitadas com a defesa", recorda Carsten Brzeski."Infelizmente, o que se seguiu desde então foi uma série de deslizes e, por vezes, de movimentos políticos desastrados", sendo certo para a maioria dos economistas que "a ausência de reformas estruturais de grande alcance e de planos de financiamento pouco claros no acordo de coligação acabou por ser parcialmente compensada pela entrada de caras novas no governo indigitado, mantendo viva a esperança de que este pudesse ir além das ambições do acordo de coligação", diz o analista do ING. Mas, agora, viu-se que o novo Governo alemão "teve um início infeliz".Além de "nos fazer lembrar um velocista que tropeça logo no início de uma final olímpica", parece que a vida de Merz e, ato contínuo, o rumo da enorme economia germânica estão sob ameaça séria."Como as votações são secretas, não sabemos as razões oficiais do fracasso da primeira volta da manhã desta terça-feira mas, para nós, parece que alguns deputados da CDU/CSU quiseram mostrar o seu claro descontentamento com a reviravolta da política orçamental de Merz após as eleições", aponta Brzeski.Exportadores de automóveis "frustrados"Klaus Wohlrabe, diretor do departamento de estudos do influente Instituto Leibniz de Investigação Económica da Universidade de Munique (Ifo), refere que "o conflito tarifário com os Estados Unidos interrompeu a esperança numa recuperação das exportações alemãs”.E "o nível elevado de incerteza quanto à forma como as tarifas irão efetivamente evoluir tenderá a agravar ainda mais a situação".O professor explica que “as expectativas dos exportadores caíram significativamente na maioria dos setores” e sublinha que “a esperança dos fabricantes de automóveis numa recuperação foram frustradas”, prevendo-se agora uma quebra nas vendas para o exterior.“O quadro é semelhante para a indústria química, a engenharia mecânica ou a indústria do mobiliário”, “as perspetivas do sector metalúrgico já eram sombrias e não melhoraram”, remata o mesmo economista do Ifo..Merz ultrapassa derrota histórica e vai começar a mostrar que Berlim está de volta ao palco europeu