Os próximos tempos no setor da aviação em Portugal prometem ser animados. Muito animados. Além da privatização de 49,9% da TAP, um processo que o atual Governo está a dar todo o gás e que pode alterar radicalmente o paradigma do transporte aéreo em Portugal, pode estar a caminho o fim de uma era na assistência em escala (handling). Isto porque a Menzies Portugal (antiga Groundforce) estará prestes a perder o concurso internacional para as licenças de operação nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, como o Diário de Notícias/Dinheiro Vivo avançou em primeira-mão na noite de quarta-feira. O consórcio Clece/South (que inclui a operadora de handling South Europe Ground Serviços, que pertence à companhia aérea Iberia), ficou em primeiro lugar no concurso internacional para a assistência em escala nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro. O Jornal Económico avançou, citando fontes conhecedoras da plataforma concursal, que a South obteve 95 pontos e a Menzies 93. Outra fonte disse ao DN que a South terminou esta fase com 97 pontos. Segue-se agora uma fase de audiência prévia, em que os concorrentes “poderão contestar o conteúdo do Relatório e a respetiva decisão preliminar”. As empresas têm cinco dias para apresentar a sua contestação.A South reagiu com entusiasmo à classificação do concurso, com o CEO, Miguel Ángel Gimeno, a referir que isto “demonstra que a South é uma companhia forte, solvente e competitiva, capaz de oferecer propostas de valor que se destacam, inclusivamente, no âmbito internacional”, de acordo com um comunicado interno a que o DN teve acesso. A South, criada em 2024, é a filial de handling do Grupo IAG. É líder en Espanha, operando em 38 aeroportos espanhóis. Presta serviços de handling às companhias do grupo IAG: Iberia, Iberia Express, Vueling, LEVEL Airlines, British Airways, Air Nostrum e Aer Lingus. Menos efusiva foi a Menzies, que confirmou a derrota na fase regular do concurso e prometeu recorrer da decisão. Duas fontes contactadas pelo DN/Dinheiro Vivo coincidiram naquela que deverá ser a principal razão a ser invocada pela Menzies Portugal: os trabalhadores. Como? Em 2016, a Menzies - em parceria com o empresário Humberto Pedrosa (Barraqueiro) - concorreu às licenças de handling nos aeroportos nacionais. Contra a incumbente Groundforce, então liderada por Alfredo Casimiro. E a Menzies ganhou duas licenças dos terminais de bagagem de Lisboa e Faro. Mas a Groundforce recorreu, afirmando que a Menzies não conseguiria absorver a sua mão de obra (mais de 2.800 trabalhadores) especializada e com formação e autorizações para a tarefa. A Groundforce ganhou o recurso. Agora, em 2025, é a Menzies Portugal que planeará apresentar o mesmo trunfo para garantir os sete anos de licenças em todos os aeroportos nacionais (Lisboa, Porto e Faro). A empresa poderá alegar que o concurso não prevê a transmissão de estabelecimento e que a South não poderá garantir os postos de trabalho dos milhares de trabalhadores que prestam serviço na assistência de escala. Mas há uma grande diferença entre as duas situações: se em 2016 a maioria dos quase 3.000 trabalhadores eram profissionais no quadro da empresa, atualmente mais de metade dos funcionários que trabalham com os coletes fluorescentes da SPDH (Menzies, antiga Groundforce) são contratados a empresas de trabalho temporário. E apenas têm contrato com a Menzies enquanto esta tiver as licenças. Isso poderá dar uma margem à South para alegar que, findo o contrato, poderá contratar imediatamente os mesmos trabalhadores. Seja como for, o processo ainda poderá tardar um ano. Tal como o DN também avançou, citando uma fonte oficial do Ministério das Infraestruturas, o Governo deverá aceitar a proposta da ANAC (regulador) de prorrogar por um ano, para efeitos de transmissão do prestador de serviço, a licença de operação, que expira.em 19 de novembro. Uma coisa é certa: o Governo parece desde já dar como certo que o consórcio da Clece com a South vai ter um papel crucial no futuro, uma vez que já solicitou reuniões com a empresa. “O Governo está ciente da importância da manutenção da estabilidade das condições laborais, está a analisar todas as opções disponíveis para proteger os atuais trabalhadores da Menzies, tendo já solicitado uma reunião com a Clece/South”. O DN sabe que poderá decorrer já na próxima semana..Trabalhadores temem perda de direitos e antecipam fim da paz social.“Adivinham-se tempos muito complicados nos aeroportos nacionais em breve”. A declaração, feita entre a premonição e a ameaça, é do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (Sitava) que se diz “preocupado” e incrédulo” com a eventual derrota da Menzies no concurso internacional para a assistência em escala nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro. A notícia não foi bem recebida pelo maior sindicato que representa a fatia de leão dos quatro mil trabalhadores da empresa de handling. “Estamos incrédulos. Do nosso ponto de vista, só havia uma empresa a concurso com capacidade para obter as licenças. [A Menzies] tem recursos humanos, recursos materiais, contratos com as companhias clientes, inclusive com a TAP, que é a principal cliente da SPDH, e não faz qualquer sentido que as licenças sejam atribuídas a uma empresa que não tem nenhuma atividade em Portugal”, diz ao DN Francisco Henriques. O representante do Sitava mostra-se alarmado com a possibilidade de a Clece/South não querer ficar com os trabalhadores atualmente na Menzies. A estrutura sindical teme que a empresa espanhola não cumpra os requisitos em matéria laboral. O quadro, adianta, não augura perspetivas positivas para os trabalhadores que, defende, serão atirados para uma situação de instabilidade e incerteza. “A partir de hoje estes profissionais estarão a trabalhar com o cotovelo encostado ao pescoço, sem saber qual será o futuro daqui a um mês ou um ano. Sem saber se terão trabalho, se serão despedidos e que condições de trabalho terão. Esta instabilidade laboral irá, inevitavelmente, gerar problemas na operação”, prevê.Francisco Henriques lamenta que o Sitava não tenha recebido ainda qualquer abordagem por parte da operadora que ficou em primeiro lugar. “O facto de nunca termos sido considerados no processo indicia coisas muito preocupantes. No limite, poderá representar uma entrada num regime de conflitualidade e instabilidade laboral”, aponta. O fim da paz social, admite, está em cima da mesa e o Sitava não exclui nenhuma ação de protesto, como greves, prometendo “fazer de tudo para salvaguardar os direitos dos trabalhadores até ao fim”. O sindicalista está confiante de que a decisão preliminar possa ser revertida, mas, caso não seja, o futuro ficará envolto de nuvens cinzentas. “A informação que temos da SPDH é de que irá utilizar todos os mecanismos legais para se defender. Para defender a manutenção da atividade, estaremos a falar de muitos meses, eventualmente, anos. Estaremos a falar, seguramente, de mais de dois anos desta instabilidade”, acredita. O eventual recuo nos direitos dos trabalhadores e nos atuais acordos de empresa negociados com a Menzies, até 2026, assumem-se como outra das preocupações nevrálgicas para o Sitava. O documento prevê ganhos para os profissionais “não só salariais, mas também relativos a horários de trabalho” que o sindicato teme agora perder. “A Menzies aparece no contexto da insolvência da Groundforce, capitalizou a empresa, assinou acordos com os sindicatos todos, fez aumentos salariais, tem um contrato de cinco anos com a TAP e assumiu o pagamento da dívida total a todos os credores - muitos ainda não receberam nada. Tudo isto fica em causa se as licenças não forem atribuídas à SPDH porque, nesse cenário, o plano de recuperação não é cumprido e, portanto, a dívida não será paga. O impacto social, laboral e económico no seio da comunidade aeroportuária é de uma dimensão que ninguém consegue calcular”, afiança. Recorde-se que a TAP pediu a insolvência da Groundforce em 2021 num conflito judicial com a Pasgoal, liderada por Alfredo Casimiro, que detinha 50,1% da empresa de handling. O processo arrastou-se nos tribunais durante dois anos e culminou, em 2023, com luz verde dada ao plano de recuperação. A Menzies ficou com uma participação maioritária de 51,1% do capital e a TAP assumiu os restantes 49,9%. Aos credores, a Menzies Aviation tem atualmente uma dívida de 40 milhões de euros, dos quais 11 milhões de euros à ANA Aeroportos. Com a TAP assinou um acordo que estipula descontos progressivos nos serviços: 5% este ano, 10% em 2026 e 15% em 2027. Agora em risco..Sindicato diz que ‘descontos’ à TAP são responsáveis pelos despedimentos.Já para o segundo maior sindicato que representa os trabalhadores da Menzies/SPDH, estes preços especiais, que resultaram numa menor receita para a empresa, foram um dos fatores que conduziram ao despedimento de 300 trabalhadores. “Este desconto é injusto e imoral. É impossível qualquer empresa fazer um desconto ao nosso maior cliente e principal fornecedor e ter lucro sem espezinhar os trabalhadores. Sabermos que a Menzies está a cortar nos trabalhadores e na otimização da empresa para sustentar este desconto à TAP é irreal”, acusa Pedro Magalhães, do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal (Sttamp). Para já, o dirigente refere não querer tomar nenhuma posição sobre a possível vitória da South no concurso de handling. “Até sabermos que se os direitos dos trabalhadores serão salvaguardados ou não, não faremos análises mais profundas”, informa. O responsável refere que a principal preocupação é blindar as condições laborais. “Há discordâncias que são públicas entre o Sttamp e a Menzies, mas essas divergências serão consideradas pequenas caso o relatório da ANAC não salvaguarde o direito consagrado na lei de transmissão”, acrescenta. .Menzies (antiga Groundforce) perde concurso para o handling dos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro.Menzies vai contestar vitória da Iberia no concurso para handling nos aeroportos nacionais