A busca por maior velocidade de internet tem sido uma constante, mas o paradigma está a mudar. Segundo Ivo Ivanov, CEO da DE-CIX (o operador líder mundial de Internet Exchanges) o grande desafio tecnológico atual já é a latência, ou seja, o tempo de resposta entre emissor e recetor na rede. Em entrevista ao DN, Ivanov é categórico: "A latência é a nova moeda da net", uma vez que "muitas aplicações que já temos -- e veremos ainda mais surgirem no futuro -- são e serão ainda mais sensíveis a ela".Mas afinal o que é latência? Ivanov define-a como "a velocidade com que os pacotes de dados, de tráfego, são trocados, medida em milissegundos". Porque esta troca se faz, nos cabos de fibra ótica ou nos feixes de rádio, à velocidade da luz, a física impõe um limite claro: "Um milissegundo corresponde, em geografia, a um raio de 80 a 100 quilómetros". Isto significa que, para garantir baixa latência, a infraestrutura digital tem de estar fisicamente próxima de onde as aplicações, os utilizadores e os dispositivos se encontram.A necessidade de baixa latência (também podemos dizer um reduzido delay) é ditada pelas crescentes exigências das aplicações. Um streaming de vídeo normal, por exemplo, requer cerca de 50 milissegundos (ms) de delay, mas jogos online em tempo real precisam, para correr de forma impecável, de menos de 20ms. Já aplicações empresariais críticas na cloud necessitam de 50ms ou melhor. Contudo, as aplicações mais exigentes, como a gestão de robótica com IA, podem precisar de menos de 10ms. E a condução autónoma -- em que os veículos transferem para a nuvem a parte mais pesada do processamento de dados -- exige um máximo de 2 a 3ms; ou de outra forma arriscamos a que ocorra um acidente antes que chegue o comando para que o carro tome uma ação evasiva."Sabe quanto tempo demora um piscar de olhos", pergunta retoricamente Ivo Ivanov. "Um milissegundo." Não é assim coincidência que seja exatamente este o valor da latência mínima necessária para que robôs humanoides se comportem de forma natural, com funcionalidades táteis, de vídeo e áudio..Portugueses divididos até no género quanto a carros autónomos e robôs humanoides. "Levar os centros de dados até aos carros"Para conseguir concretizar estes requisitos é necessária uma reestruturação da infraestrutura digital, afastando-se dos grandes centros de dados hiperescala centralizados. A solução reside em centros de dados de ponta (edge data centres) altamente distribuídos, acompanhados por Internet Exchanges (IX) de ponta. Ivo Ivanov utiliza uma imagem clara: "Em lugar de os carros irem até aos exchanges e aos centros de dados, estes precisam de ir até aos carros" -- ou seja, para junto dos dispositivos e utilizadores. Isto significa instalá-los perto de antenas de telemóvel, cruzamentos de autoestradas, centros comerciais, torres de negócios ou instalações fabris. A DE-CIX, antecipando esta necessidade, já desenvolveu o conceito de um pequeno IX de ponta, com o tamanho de "pizza boxes", diz Ivanov, para ser instalado em micro centros de dados.Esta necessidade de proximidade é reforçada pela dependência de aplicações avançadas, como a condução autónoma ou a gestão de robótica (e não só), têm para usar a IA na 'nuvem', para processamento em tempo real. "Eles estarão todos dependentes da cloud, da IA como serviço", afirma Ivanov, que posiciona a DE-CIX como AI ready, com a sua tecnologia Cloud Router, capaz de encaminhar tráfego entre diferentes clouds.Crucial para este cenário é o modelo de negócio da DE-CIX, que é de Internet Exchange neutra face tanto a data centres como operadores. A empresa foca-se em criar ecossistemas distribuídos, operando em múltiplos centros de dados numa região. Em Lisboa, por exemplo, a presença em instalações da Equinix, da Altice e da Start Campus/Sines cria um ecossistema robusto que permite a qualquer rede trocar tráfego com todas as outras, independentemente do data centre ao qual está ligada.Este ecossistema em Lisboa tem crescido de forma notável. O relatório anual de 2024 da empresa revela que a DE-CIX Lisboa, que celebrou o seu 5.º aniversário em 2024, registou um aumento de 14% no pico de tráfego. No final do ano passado, contava com 62 redes ligadas ou prestes a está-lo. A referida expansão para o Sines Data Centre e a parceria estratégica com a Altice, integrando o centro de dados Altice LDV, reforçam a sua plataforma distribuída e a "posição de Lisboa como um centro de interligação vital para o mundo", diz Ivanov. A capital portuguesa, com uma sua localização geográfica estratégica e os seus atuais 16 -- que em breve serão 18 -- cabos submarinos conectando a 60 países, está a afirmar-se como "um importante hub digital pan-Atlântico", diz o CEO da DE-CIX. Interligar os dados em Lisboa oferece também, por exemplo, vantagens significativas de latência para redes africanas, que podem "economizar literalmente 23 a 25 milissegundos" em vez de o fazerem em Londres, garante o especialista. E África é precisamente um dos mercados em maior expansão a nível de tráfego de dados.A abordagem "agnóstica" da DE-CIX e a natureza "democrática", livre, da internet tem também atraído um novo tipo de cliente: as empresas de setores não tradicionais. Ivo Ivanov menciona ao DN como já acontece organizações dos setores automóvel, financeiro, logística, retalho e até da construção utilizarem a suas infraestruturas, sem recurso aos tradicionais ISP (Internet Service Providers) para reduzir custos a médio prazo e obter melhores resultados. A empresa de construção alemã Hochtief é exemplo disso mesmo. Opotou por ligar-se diretamente à DE-CIX para aceder a serviços digitais, como o Microsoft 365, e conseguiu uma "redução na latência dos 65 milissegundos que tinha para menos de seis", diz Ivanov. "Reduziu o número de pedidos de assistência de TI de escritório na empresa em 50%", garante o especialista. Para o ambiente rural e a estratosferaOlhando para o futuro, a visão da DE-CIX expande a distribuição da infraestrutura digital para lá dos grandes centros urbanos e de ponta, visando também as áreas rurais. Locais que não são servidos por redes de fibra ótica nos quais a internet por satélite tem, assim, um papel fundamental.Por isso, Ivo Ivanov prepara-se para colocar o primeiro Internet Exchange no espaço. "Espero que dentro de cinco anos, a DE-CIX colocará um router no espaço", diz ao DN. A ideia é replicar em órbita o que fazem em terra: criar infraestruturas de ligações das redes espaciais em órbita, de forma a permitir interligações rápidas e sem perdas de sinal à conectividade dos satélites de órbita baixa (LEO na sigla inglesa), como o Starlink de Elon Musk ou o Kuiper da Amazon. Desta forma poder-se-á levar internet de alto desempenho a regiões isoladas do planeta. Embora a tecnologia LEO possa não superar a fibra para distâncias menores do que 100km no solo, oferece largura de banda (na ordem dos 250 megabits por segundo) e uma latência que chega a ficar abaixo dos 20ms, pelo que pode ser a solução para vastas regiões de África, da Amazónia ou das ilhas do Sudeste Asiático. São "tantos milhões de pessoas que estão puramente desfavorecidas hoje, porque não têm acesso adequado a serviços digitais", afirma Ivanov. A missão da DE-CIX é "levar boa internet ao mundo inteiro, porque só estamos a cobrir cerca de metade da população".Ao preparar-se para celebrar o seu 30.º aniversário no dia 26 de junho de 2025, em Frankfurt, onde foi fundada em 1995, a DE-CIX reafirma o seu papel pioneiro na evolução da Internet. A interligação distribuída, do micro data centre ao espaço, é vista como o caminho essencial para suportar a próxima vaga de inovação e garantir que a infraestrutura digital acompanha as necessidades de um planeta cada vez mais conectado..O "apagão" mostrou a resiliência da infraestrutura digital profissionalDurante o apagão em Portugal, a 28 de abril, a "plataforma da DE-CIX manteve-se operacional", garante Ivo Ivanov. Aliás, os data centres estiveram ligados. "O problema principal foi na "última milha", diz, afetando "torres de telemóvel, onde não se tem geradores e baterias de muita capacidade" e "nas salas de tecnologia informática nos prédios de escritórios ou nas instalações locais" que "também ficaram inativas" sem energia ou backups adequados. Para Ivo Ivanov, o incidente demonstrou a robustez da infraestrutura digital profissional e como esta "se torna, na verdade, crítica para o negócio". As "instâncias de cloud, centros de dados operados profissionalmente, os Internet Exchanges, provaram ser mais resilientes do que configurações 'on-prem'", ou seja, no local.