Pensões

Publicado a
Atualizado a

A leitura do texto que se segue poderá não ser aconselhável a reformados e pensionistas - aos actuais e aos futuros.

Ainda assim, não resisto a escrevê-lo em nome da transparência e do combate à opacidade que o esclarecimento e a verdade, por mais que custem, exigem.

Começo por sublinhar que com-preendo perfeitamente a indignação a quem foi atribuída uma expectativa quanto ao valor da pensão, designadamente, de reforma a receber e que vai vendo aceleradamente tal montante a diminuir, sem que sejam fornecidas por parte do Governo ou dos partidos políticos as explicações adequadas para essa nova situação, por muito complexas e penosas que possam ser as razões.

Entendo a revolta que grassa nas pessoas quando, ao mesmo tempo que são reduzidas drasticamente as pensões, a verdadeira reforma do Estado não é feita.

A reorganização dos departamentos da Administração Central e Regional que apenas se vão atropelando diariamente está por fazer, a reestruturação da Administração Local por fazer está, inúmeras fundações, associações e outras organizações mantêm uma elevada dotação do Estado.

E, entretanto, os cortes nas pensões sucedem-se sucessivamente sem cessar...

Contudo, como já foi dito e redito, o nosso sistema de segurança social, incluindo o que se aplica aos servidores do Estado, não assenta no mecanismo da capitalização.

Isto é, os valores hoje pagos pelo Estado a título de pensões não são, nem pouco mais ou menos e, como se verá adiante, ainda bem, o reembolso dos montantes que cada trabalhador e respectivas entidades patronais descontaram ao longo das referentes vidas contributivas.

As pessoas, e as empresas na parcela que lhes compete, não entregam ao Estado uma determinada quantia quando estão na vida activa para que o Estado lha devolva quando atingirem a idade da reforma.

Não têm por isso razão os que dizem: descontei a vida inteira e agora roubam-me o que é meu!

Tal frase é desculpável em pessoas menos informadas. Já se torna completamente indesculpável que seja proferida tal afirmação por quem tem mais do que obrigação de saber o que está na base do problema.

Peguemos num exemplo e procuremos simplificá-lo para que mais facilmente se possa entender o cerne da questão.

A senhora Ana trabalhou durante 40 anos, tendo ao longo desse período, ambas, trabalhadora e entidades patronais, descontado no total para a Segurança Social cerca de 35% da respectiva remuneração.

Todavia, é bom que se tenha a noção de que a parcela da taxa contributiva afecta à pensão de reforma rondará os 21%, ou seja, cerca de um quinto da remuneração, dado que a componente restante serve, designadamente, para acudir à doença e ao desemprego.

Que, portanto, teria a senhora Ana direito a que o Estado, quando da passagem à situação de reforma, aos 65 anos, já que começou a trabalhar e a descontar aos 25 anos, lhe entregasse esse quinto por cada ano de trabalho.

Consideremos que o quinto para este efeito tem por referência o valor do salário à data da passagem à reforma, o que fazendo as contas reais é muito generoso, porque habitualmente o último vencimento é o maior...

Assumamos ainda assim esse pressuposto.

Feitas as contas, nesta perspectiva a senhora Ana teria direito a receber, mais coisa menos coisa, 8 anos de reforma (40/5), que ainda poderiam ser menos se considerarmos eventuais actualizações do valor da pensão.

Quer dizer, tendo-se reformado aos 65 teria direito a reforma até aos 73 anos (65+8).

Com o aumento da esperança de vida vê-se o problema que teríamos se aplicássemos este sistema que tanta gente considera ser o que está em vigor.

Partindo do exemplo que dei (40 anos de descontos), basta pensar no que aconteceria se o exercício fosse com o senhor Zacarias que descontou 20 anos e se reformou aos 55...

Se o sistema apontasse para este modelo é fácil de verificar que mesmo para quem teve uma vida contributiva longa e permanente seria impossível o Estado pagar as reformas que está a pagar.

Por isso seria bom que o Governo, os partidos e os diversos analistas fossem mais pedagógicos nas explicações, com um discurso simples, verdadeiro e directo, para que as pessoas alcançassem o que verdadeiramente está em jogo.

Esta é uma das matérias que exige honestidade e rigor no seu tratamento e que não pode ser deixada à solta...

*Jurista/ Gestor

O autor do texto não seguiu o novo Acordo Ortográfico

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt