Viktoria Kaufmann-Rieger: "Fechámos 2022 com mais 10,2% de receitas do que no ano anterior"
Administradora da SIVA-PHS, que representa marcas como a Volkswagen, Audi e Cupra, fala do crescimento do setor automóvel, ainda que os problemas logísticos continuem, consequência da pandemia e da guerra. Acredita que os preços de venda vão continuar a subir e afiança que a aposta nos carros elétricos veio para ficar.
A pandemia e a guerra comprometeram a produção automóvel. Em janeiro de 2023 já há mais oferta para fazer face à procura?
Não é um problema só do mercado português, mas europeu, criando problemas de produção e logística. Nas últimas semanas de dezembro já houve algumas melhoras. E, as últimas semanas, têm sido muito fortes ao nível de matrículas. A SIVA fecha o ano de 2022 com boas notícias, porque crescemos muito, e também tivemos de stock em janeiro. No entanto, vemos que ainda há alguns problemas por causa da inflação e da guerra, mas também a nível logístico e nas fábricas.
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Como é que fechou o ano de 2022?
Fechámos com sucesso, 10,2% mais de receitas do que no ano passado. Todas as marcas cresceram, principalmente a Audi, e estamos finalmente de volta ao mercado premium, depois de quase cinco anos.
Também com a marca Cupra quase que triplicámos a quota de mercado, o que para nós são notícias muito boas. Pudemos também lançar vários modelos no último ano.
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No ano passado os clientes do mercado automóvel tiveram de esperar quatro a 12 meses pela chegada de um carro. Em 2023 já se consegue reduzir essa espera?
Esperamos que sim, mas não vai passar de um dia para o outro, vai depender muito da logística das fábricas. Há muitos carros que já estão feitos e prontos a seguir, mas isso não acontece porque a logística ainda está muito complicada.
"Preços dos automóveis vão subir, mas por causa da inflação. Os custos de produção estão a subir, portanto, os preços também sobem. Tentamos, o máximo possível, que isso não afete a nossa competitividade no mercado."
Como têm, as crises dos semicondutores e da alta dos preços das matérias-primas, afetado a produção e os custos?
Por falta de semicondutores, os carros não podiam ficar prontos, estavam quase feitos, mas faltavam os semicondutores. Não nos podiam ser entregues e nós não os podíamos entregar aos concessionários e clientes. Isso afetou-nos muito em termos de entregas, mas também de rentabilidade. E claro que, na linha final, também afetou muito os nossos clientes e concessionários.
Em 2023 os preços dos automóveis continuarão a subir?
Sim, vão subir, mas por causa da inflação. Afinal, os custos de produção estão a subir, portanto, os preços também sobem. Tentamos, o máximo possível, que isso não afete a nossa competitividade no mercado.
Poderão não subir tanto quanto a inflação, no caso de Portugal?
Sim, é isso. Estamos a tentar ter preços justos para o mercado e que também sejam competitivos.
No início da pandemia, a Europa comprometeu-se a desenvolver uma política de industrialização e a Alemanha é um motor importantíssimo para colmatar a dependência do Oriente, sobretudo da China.
Considera que houve avanços nesse sentido ou é preciso ir mais rápido nessa estratégia?
Construir uma fábrica de semicondutores leva entre três e cinco anos, até agora ainda não podemos ver muito esses efeitos, mas acho que estamos a tentar sair dessas dependências e chegar a um estado de independência.
Que impacto tem tido a subida de custos de energia, no caso da SIVA?
Dou um exemplo: tivemos um contrato de energia de três anos que avançou em dezembro do último ano e agora estamos a comprar ao dia, porque não sabemos o que vai acontecer. Isso afeta-nos, porque temos uma locação com 24 hectares, temos 300 pessoas a trabalhar na SIVA, temos muitos custos em redor disso, e temos de poupar onde podemos.
Estamos a fazer agora projetos de fotovoltaico, temos dois grandes, um na SIVA Tech, o nosso centro de preparação e logística, e outro para a SIVA em geral. Estamos a reduzir custos de combustíveis, principalmente com a utilização de elétricos nas nossas próprias frotas. Além disso, estamos a fazê-lo com a nossa energia própria.
Qual o valor desses investimentos fotovoltaicos?
Mais de 300 mil euros.
Falou há pouco de mais 10,2% de vendas. Para 2023 prevê alcançar igual ou maior crescimento?
No final, tudo vai depender da produção das fábricas, mas o nosso objetivo é crescer com todas as marcas e ainda não estamos onde queremos estar.
Qual é a meta?
Muito mais em cima.
A aposta nos carros elétricos é para continuar em 2023?
Sim. A Audi tem um caminho muito claro de eletrificação e, a cada ano, vão começar a chegar mais produtos. A marca tem um caminho excelente para fazer no futuro. Todas as outras marcas vão ter elétricos a chegar ao mercado.
Quais serão os próximos modelos a chegar a Portugal?
Já começámos em janeiro com o Volkswagen ID.Buzz que é um ícone. Na Audi também vamos ter um novo produto dentro da gama Etron, no primeiro trimestre do ano.
As preocupações com as alterações climáticas têm vindo a acentuar-se um pouco por todo o mundo, mas também na forma como os automóveis são hoje produzidos.
Como é que estas preocupações estão embebidas na própria conceção e produção?
Temos um projeto de sustentabilidade do ambiente que com cinco pilares: green finance, green mobility, green retail e mais dois. O mais importante é que nesse projeto estamos a contabilizar as nossas emissões de CO2 todos os dias e também temos o objetivo muito claro de reduzir isso em 20% no próximo ano.
Já sabíamos no ano passado que a partir de 2030, todas as fábricas do grupo vão trabalhar com energias limpas. A meta mantém-se?
Para a nossa empresa, essa meta não tem de mudar. Temos de estar muito focados em alcançar esses objetivos porque é a única forma de estar onde temos de estar. Queremos cumprir.
Na Cimeira de Davos, na Suíça, debateu-se o mundo fragmentado e alterações climáticas. Que mensagem reteve da edição deste ano?
O mais drástico é o clima, porque isso pode ver-se em toda a parte. Vemos as alterações do tempo, fenómenos meteorológicos a acontecer em sítios que não era suposto. É sinal de que todos temos de fazer alguma coisa.
Em Davos também se falou do mundo fragmentado, de uma nova globalização que ficará depois da guerra. Considera que haverá uma globalização diferente depois da invasão da Ucrânia?
Acho que sim. A globalização, como a conhecemos, não vai permanecer, porque os países estão agora muito mais juntos e não é apenas a Europa, que agora tem o suporte de outros países e continentes.
Voltando a Davos e ao ambiente, como pode a SIVA fazer melhor a sua parte?
Uma das coisas é a questão que já mencionei de medirmos quanto CO2 por quilómetro estamos a produzir e reduzi-lo em 20%.
Outro projeto que já fizemos foi o transporte de carros de Espanha para Portugal em comboio, algo que foi muito positivo e feito em cooperação com a AutoEuropa.
Que fatia vem de comboio e que fatia continua a vir por estrada?
Os que vêm da fábrica da SEAT vêm de comboio, mas o resto ainda vem em transportes logísticos de carros e em barcos.
Na sustentabilidade, que outros investimentos estão a fazer, além do fotovoltaico?
Temos mais de 50 carregadores MOON, a nossa marca própria de eletricidade e mobilidade. Além disso, fizemos pequenas coisas como mudar todas as luzes de todas as instalações para LED, fizemos pequenos grupos de autocarros para chegar à SIVA, luzes que se apagam automaticamente, e damos muitas formações às nossas pessoas sobre o tema.
Também tem o pelouro dos recursos humanos. É austríaca, chegou a Portugal em 2019 vinda da Colômbia, viveu cá pandemia. Como foi gerir a equipa num clima de total incerteza?
Cheguei em 2019 e em março começou a pandemia, tive apenas seis meses para conhecer as pessoas, foi curto, mas consegui conhecer cerca de metade das pessoas pessoalmente. Tivemos de atuar muito rápido. Um dos pontos mais importantes foi a comunicação e comecei por fazer um comité de crise. Juntávamo-nos duas vezes por dia, de manhã e à tarde. Era a primeira vez que trabalhávamos em casa, isso antes não existia, por isso de manhã discutíamos o que tínhamos para fazer e à tarde reuníamos para falar sobre o que tínhamos feito.
Também fizemos muita comunicação a nível dos colaboradores. Apesar de estarem a casa, havia um clima de grande insegurança e era difícil perceber o que viria a seguir, Quisemos sempre dar segurança às nossas pessoas.
Antes de as pessoas terem voltado para a SIVA, implementámos um processo de segurança muito claro com máscaras, testes de covid, e continuamos a testar até agora, uma vez por mês para que as pessoas se sintam seguras.
O teletrabalho veio para ficar ou já se alterou o modelo?
Agora utilizamos o modelo híbrido, as pessoas podem estar dois dias por semana em casa e funciona muito bem. No entanto, já percebemos que na nossa linha de negócio as pessoas precisam de estar juntas, a criatividade não chega quando as pessoas estão em casa.
Que tipo de benefícios deu a SIVA aos trabalhadores?
Tentámos ter um local de trabalho o mais são e seguro possível e também promovemos esse modelo híbrido. Mas demos suporte às pessoas, até a nível financeiro. A pandemia mudou todas as nossas rotinas, portanto, tivemos de adaptar e ajudar as pessoas para que quisessem voltar ao presencial. Muitas empresas tiveram esse problema depois da pandemia, as pessoas não quererem voltar aos escritórios, mas não tivemos esse problema.
Que suporte foi esse, em termos financeiros?
Fizemos uma ajuda financeira para os colaboradores este ano por causa da inflação. O nosso critério foi dar a todos por igual, fizemos isso pela inflação que se sentiu este ano, mas também para recompensar todo o trabalho nestes últimos anos. No total, foi um prémio de 1200 euros para cada colaborador.
Além dos prémios de 1200 euros, há aumentos previstos este ano?
Até agora ainda não, é um desafio que ainda está em mãos.
Muito do talento nacional está a ir para o estrangeiro. Que dificuldades tem sentido?
Vemos dificuldades, mas há muito talento. As empresas é que têm de ser suficientemente atrativas para o talento, porque o que as pessoas procuram é um caminho de crescimento e ter uma visão de onde vão chegar.
Temos uma grande vantagem em Portugal, porque podemos oferecer muito boas condições de carreira, mas também a nível internacional. Aliás, temos programas internacionais que permitem a mobilidade de talento entre países, se as pessoas assim o desejarem.
No seu entender, vamos assistir em Portugal a uma subida dos salários para acompanhar a situação macroeconómica?
Acho que sim, pelo menos seria importante, no mínimo, nivelar os diferentes patamares. O salário mínimo em Portugal é muito baixo em comparação com os outros países da Europa, na minha opinião.
Esse aumento deverá acompanhar o nível da inflação?
Isso não me parece, mas tem de chegar, pelo menos, a metade. A SIVA faz a sua parte nesse aspeto.
Temos assistido a muitos despedimentos em várias áreas e no mundo inteiro. A SIVA vai manter o seu quadro de pessoal, despedir ou contratar este ano?
Nos últimos três anos fizemos uma mudança forte e mais de 35% das pessoas mudaram de áreas dentro da organização e também contratámos novas pessoas. É muito importante que haja essa rotatividade de pessoas, não saídas, mas que não estejam a fazer o mesmo durante 20 anos. Mudar de área e aprender novas coisas é sempre um bom exercício para a criatividade.
Além disso, estamos sempre a procurar talentos, estamos a contratar para 2023, mas a nível de lugares depende. No último ano, por exemplo, criámos o cargo e project manager.
Tivemos muitos candidatos que queriam vir trabalhar connosco e desses contratámos três.

A carreira começou na Porsche Holding, em 2008, na Volkswagen Áustria como assistente do diretor de Marca, tendo trabalhado em pesquisa de mercado, desenvolvimento de redes e chefe do Departamento de Controlo de Vendas para todas as marcas do Grupo Volkswagen na Áustria.
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
O país assistiu a 13 demissões no governo. O que pensa sobre o que se está a passar em Portugal?
Olhando para o setor automóvel, posso ver que as ajudas que o setor recebe não são suficientes, não é como outros países em que os governos estão a ajudar ativamente a que o parque automóvel seja mais recente e mais eletrificado.
Não respondendo à questão do ponto de vista político, está a dizer que é preciso que o governo relance o incentivo ao abate e/ou o apoio público à aquisição de carros elétricos?
As duas coisas, só assim podemos chegar aonde queremos chegar.
A SIVA garante preocupar-se com a igualdade de oportunidades. No seu entender, o que falta fazer para termos mais mulheres em cargos de administração?
A primeira coisa é ter mais mulheres nas empresas, não estou a falar de nenhuma quota, mas se temos 50/50 no começo, também temos de o ter em cima. Temos de ter exemplos, temos de fazer um lobbying pelas mulheres e mostrar que podem fazer as coisas, tal como os homens. As próprias mulheres têm de se juntar e acreditar noutras mulheres, porque, por vezes, quando temos mulheres em posições de topo elas não ajudam as outras mulheres a crescer.
O setor automóvel é ainda um mundo de homens. Como foi recebida em Portugal, ao volante da SIVA?
Foi boa a receção. Já tive duas vezes esta experiência, no Chile e na Colômbia. Quando cheguei já tinha a experiência de ser administradora há uns anos. Portugal é um país muito tradicional, muito de homens, muito hierárquico no final de contas, mas tenho um estilo muito liberal ao nível de liderança. Não gosto muito de trabalhar com hierarquias, mas sim com responsabilidades. No começo, não foi um problema e ser mulher não foi disruptor, mas o liderar e pensar diferente foi disruptor.
Para as mulheres que nos estão a ler, e que ainda não chegaram a cargos de administração, que mensagem gostaria de lhes deixar?
As mulheres têm de estar mais fortes, acreditar em si próprias e levantar a mão nas alturas certas, mostrar que estão disponíveis, que têm tudo o que é preciso para desempenhar essas funções perfeitamente. É preciso que digam que podem e querem e se elevem ao próximo nível.
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