Vestager. Europa ainda não teve "um caso em que separação estrutural" de uma empresa "seja solução"
Conhecida por aplicar multas milionárias às grandes tecnológicas norte-americanas, resultantes de investigações às práticas anti-concorrência, Margrethe Vestager assume que analisar os dados das tecnológicas demora tempo, nem sempre conseguindo acompanhar a velocidade a que estes gigantes trabalham. Por exemplo, só para a investigação feita à Amazon, Vestager refere que a Comissão analisou "milhões e milhões de transações".
"É uma crítica perfeitamente correta", reconhece, explicando que "estamos em mercados que se movem muito depressa".
Questionada sobre a possível divisão das big tech, algo que tem sido muito referido pela indústria nos últimos anos, Vestager já avançou noutras ocasiões que "é algo que pode ser feito na Europa mas que não deve ser feito".
O tema da "separação estrutural", como indicou, "é uma opção nuclear, só caso nenhum remédio funcione. É demasiado esticado dizer a uma empresa que tem de se dividir".
"Até agora não tivemos um caso em que a separação estrutural seja uma solução", considera. Para a vice-presidente da Comissão Europeia a divisão estrutural é encarada como uma solução de último curso, em casos em que o comportamento levado a cabo por uma organização tenha consequências irrecuperáveis para o mercado e consumidores.
"Não temos medo de soluções estruturais. Mas acho que somos mais relutantes no uso deste prática porque é uma questão muito intrusiva para uma empresa". Tendo em conta o sistema capitalista, "onde a propriedade privada é algo fundamental", Vestager receia que "uma solução deste tipo possa chegar longe demais".
Questionada sobre a razão de a Europa não ter produzido gigantes europeus, Vestager simplifica a questão. "Na Europa falhámos em disponibilizar um mercado único, um sistema de capital que permita a escalabilidade de empresas", aponta.
"Ainda está para ver se vamos criar gigantes digitais na Europa", afirma, mas sublinha que, caso tal aconteça, "os europeus têm direito a ter acesso a serviços digitais" que ajam de acordo com todas as regras e regulação.
"Não é a curvar outros que nos tornamos grandes", finalizou a vice-presidente executiva da Comissão Europeia para uma Europa preparada o digital.
Ainda antes da sessão, na conferência de imprensa realizada durante a manhã, a governante europeia explicava que "há uma tradição de empreendedorismo na Europa" mas que "há necessidade de um mercado digital único". Em breve, serão publicadas as regras do Mercado Digital Único, conforme indicou.
Com Portugal prestes a assumir a presidência da União Europeia, Vestager refere que tem "expectativas elevadas" para a a presidência portuguesa nas questões digitais.
"20% do Plano de Recuperação e Resiliência está dedicado a investimento digital", relembrou durante a conferência de imprensa. "Haverá muito trabalho digital durante a presidência portuguesa e para eles isso é uma prioridade."
"Também é uma prioridade para a sociedade portuguesa e portanto tenho expectativas muito altas."
Durante a conferência de imprensa, Margrethe Vestager detalhou que a União Europeia já abordou os Estados Unidos "para perceber se podemos colaborar", com a esperança de que uma boa relação transatlântica possa "ser o ponto de partida para uma aliança global".
"Os Estados Unidos e a União Europeia representam um terço do PIB global", detalhou Vestager, salientando que seria uma vantagem ter uma visão partilhada em vários temas ligados ao mercado digital, nomeadamente na privacidade.
Mas ter uma boa colaboração com a administração de Biden não será sinónimo de concordância em tudo. "Haverá desacordos obviamente, mas temos a ideia de que agora haverá colaboração".
Ainda assim, classifica como "difícil de dizer" qual poderá ser a posição de Joe Biden relativamente aos temas da economia digital, "porque é uma decisão deles (dos EUA)". "Tenho seguido o debate nos últimos anos sobre big tech nos EUA e tem mudado muito durante os últimos seis anos", reconhece.
Cátia Rocha é jornalista do Dinheiro Vivo.