Turismo pede ao governo que antecipe crise inflacionista com mais apoios a fundo perdido
O governo anunciou um pacote de ajudas de 100 milhões de euros para as empresas turísticas, mas associações e patrões consideram medidas insuficientes e garantem que inflação está a esmagar o lucro das empresas ainda descapitalizadas pela pandemia.
O ano foi de rápida recuperação para o turismo nacional, contra todas as projeções tecidas durante a pandemia. Portugal deu o exemplo na Europa, liderando o crescimento turístico em 2022 e superando as métricas recorde conquistadas em 2019 - o melhor ano de sempre do setor no país, até agora. As receitas deste ano deverão ficar 4% acima dos 18 mil milhões de euros arrecadados no pré-pandemia, mas as empresas alertam que a atual conjuntura inflacionista tem esmagado as margens de lucro e pedem mais apoios a fundo perdido.
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Esta semana, o governo anunciou um novo pacote de 100 milhões de euros dirigido a estas empresas - 70 milhões de euros são a fundo perdido, no âmbito do reforço do programa Apoiar, e há ainda uma nova linha, que será gerida pelo Turismo de Portugal, Consolidar + Turismo, com uma dotação de 30 milhões de euros, direcionada às micro e pequenas empresas com dificuldades em gerir a dívida da pandemia.
O turismo diz que os apoios anunciados pelo recém-empossado secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda, são insuficientes e pede ao governo que tome medidas para evitar um cenário mais negro no próximo ano. "As medidas são bem-vindas. Mas são suficientes? São as possíveis, suficientes nunca são", referiu ao Dinheiro Vivo o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), à margem do congresso da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), que terminou ontem em Ponta Delgada, nos Açores.
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Não é altura para mais dívida
Francisco Calheiros pede ao governo que antecipe as dificuldades dos próximos meses que possam advir do peso da inflação. "Mais do que preventivo, o governo deve ser pró-ativo. O governo, melhor do que ninguém, terá perspetivas mais concretas do que pode ser o comportamento da economia mundial e, nesse sentido, deverá atuar rapidamente como fez no início da pandemia com o lay-off, que foi uma medida extremamente importante", refere.
Já o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Bernardo Trindade, considera que esta não é a altura para mais dívida. "Os apoios são importantes mas é importante perceber a sua natureza. Mais endividamento sobre empresas já endividadas é sempre algo muito discutível. O que é essencial, neste momento, é construir linhas de crédito que sejam passíveis de ser convertíveis a fundo perdido", aponta. Para o representante dos hoteleiros, a nova linha Consolidar + Turismo fica aquém das expetativas por ser limitada na sua abrangência.
"É fundamental, se queremos apoiar o setor e se reconhecemos a sua importância no quadro da recuperação da economia portuguesa, que se olhe para todo o espetro de empresas: micro, pequenas, médias e grandes empresas. O apelo que faço é que a abrangência desses apoios possa ter em conta também aquele que é o contributo das médias e das grandes empresas. Se o turismo está a liderar a recuperação da economia portuguesa, está a fazê-lo em todas as suas dimensões", garante.
Bons números de 2022 não chegam
Do lado da restauração e alojamento, o anúncio do governo também foi visto como "muito insuficiente face a tudo o que se está a passar". A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) alerta que, no caso do Apoiar, a nova fatia de 70 milhões de euros será dirigida apenas às empresas que já se tinham candidatado ao programa anteriormente, estando excluídas novas empresas deste apoio. A secretária-geral da associação garante que é preciso fazer mais e que os bons números de 2022 não chegam para segurar as contas das empresas numa altura em que os custos não param de subir.
"Estamos com procura nos hotéis e na restauração, mas o que fica nas empresas é cada vez menor. As empresas não recuperaram dos dois anos de pandemia, a maioria está descapitalizada e o verão positivo não é suficiente para robustecer e criar tesouraria. As empresas estão com uma rentabilidade diminuída e as margens muito esmagadas por força da conjuntura atual", enquadra Ana Jacinto.
A somar às despesas cada vez mais elevadas com as matérias-primas e os custos energéticos, o caderno de encargos do próximo ano conta ainda com a subida dos salários mínimos o que, para a responsável, representa mais um peso na tesouraria. "Além desta conjuntura temos o acordo de rendimentos que implica aumentos salariais significativos. As contrapartidas dadas às empresas são importantes e defendidas pela AHRESP, mas não equilibram o esforço que as empresas vão fazer. Não quer com isto dizer que a AHRESP não concorde com os aumentos salariais, que são absolutamente essenciais e cruciais, mas temos de ter capacidade financeira para o fazer", defende.
Ana Jacinto lamenta que o Orçamento do Estado para 2023 não tenha oferecido uma resposta mais eficaz às empresas do setor, nomeadamente através da descida temporária do IVA na restauração e da carga fiscal sobre os custos laborais.
Mais medidas em 2023
Nuno Fazenda garantiu que as ajudas do governo ao turismo não irão ficar por aqui e que no primeiro trimestre de 2023 serão anunciadas mais medidas. O presidente dos patrões, apesar de olhar para 2023 com "uma incerteza total", admite algum otimismo. "Temos esperança de que todas as medidas do PRR e do PRT que estavam definidas, nomeadamente na capitalização das empresas via Banco de Fomento, venham a ser mais efetivas e que venham ajudar as empresas a repor os capitais próprios e a poder olhar para o futuro com outros olhos", admite Francisco Calheiros.
A Linha Consolidar + Turismo estará disponível no início de janeiro permitindo que as empresas se financiem junto do Turismo de Portugal, sem juros, para liquidação de parte dos reembolsos devidos aos bancos durante o ano de 2023, com um prazo de carência de dois anos e um prazo de reembolso total de seis anos. Sobre o Apoiar, o objetivo do governo é terminar o próximo ano com o total da dotação de 70 milhões de euros transferida para as empresas.
A jornalista viajou para os Açores a convite da APAVT
Rute Simão é jornalista do Dinheiro Vivo