Tuk-tuks e turismo em Lisboa retomam a passo de tartaruga

A cidade tem mais turistas, mas ainda são poucos, sobretudo para quem trabalha na animação turística. Queixam-se que os clientes são novos e sem dinheiro. A retoma está a chegar mas ainda há muitos veículos na garagem.
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O turismo e os tuk-tuks regressaram à cidade, mas longe do verão de 2019, antes do início da pandemia. Os seus condutores passam os dias na Praça da Figueira, no Rossio, nos Restauradores e na Rua Augusta à espera de mostrar a parte histórica de Lisboa, o passeio preferido de quem a visita. Os clientes ainda são muito poucos e têm pouco dinheiro. Optam por circuitos pequenos em vez de grandes voltas. Muitos destes veículos continuam na garagem.

Nuno Ferreira comprou um triciclo em 2015, quando o negócio estava em crescimento. Tem formação em restauro e conservação, uma atividade especializada, mas mal paga, diz. Viu no tuk-tuk uma forma de angariar dinheiro para montar um negócio de restauração. "Os tuk-tuks foram uma lufada de ar fresco para a minha geração, pessoas com formação mas muito mal pagas", explica.


Tudo correu muito bem até ter surgido a covid-19, que se tornou pandémica. Portugal parou em março de 2020 e só no verão os motoristas destes veículos faturaram. Em janeiro, houve um novo confinamento. Nuno teve de mexer nas poupanças, o que significa adiar o sonho por mais uns anos.
"A retoma foi significativa nas últimas duas semanas, mas como existe um número elevado de pessoas a necessitar deste trabalho, são poucos os serviços. Há países que estão fechados e a afluência de turistas é muito menor. Mas já dá para viver", conta Nuno. Nesta terça-feira, às 16h00, tinha feito dois serviços: um tour de 30 minutos e um transfer. Na semana passada fez em média um passeio por dia. Folga ao fim de semana.

Não só os clientes são menos como pedem percursos mais curtos e negoceiam os valores. Uma viagem turística de uma hora custa 60/70 euros; a maior, três a três horas e meia, fica por 150 euros.
Nuno Ferreira estaciona na Rua do Comércio, no cruzamento com a Rua Augusta. Estão sete tuk-tuks parados, há dois anos seriam mais de 20. Esperam os turistas que entram pelo arco, vindos do Terreiro do Paço, onde a Polícia Municipal os impede de pararem.

Carlos Ventura, 38 anos, trabalhava em merchandising no Dubai antes de abrir a empresa de tuk-tuks em Portugal. Tem três e apenas saiu com o dele para a rua e só na terceira fase do desconfinamento, a partir de 19 de abril. Mas há quem tenha retomado a 5, justificam que a lei não é clara para animação turística, setor em que se insere. "No primeiro confinamento [em março de 2020], a retoma demorou muito tempo. As pessoas não viajavam e não andavam na rua. Agora, está a ser mais rápido mas ainda não estamos a receber os turistas da América do Norte e da Europa do Norte, e alguns da Ásia, com dinheiro."


A nacionalidade dos turistas, em geral, não se alterou: espanhóis, franceses, alemães, alguns portugueses e ingleses. "Os ingleses preferem o Algarve", sublinham. São mais novos. "O turismo atual é de uma faixa etária dos 18 aos 26 anos, não têm dinheiro. Estávamos habituados a vender passeios de três horas a três horas e meia por 150 euros, agora, vendemos uma hora por 50. E, se for preciso, querem andar 30 minutos", conta Carlos.

Pedir um passeio de 30 minutos tira do sério quem anda na atividade. "Se há clientes com crianças e que percebo que não podem gastar muito dinheiro, faço um desconto, agora 30 minutos? Às vezes, recuso, não dá para ver o centro histórico. O veículo já anda devagar e gosto de explicar as coisas, 30 minutos não dá", assegura El Khadir, 43 anos, um marroquino de Ouarzazate, uma cidade a sul, no deserto.


Há muito tempo que viaja para Portugal, tem a nacionalidade portuguesa. Nos últimos três anos, aproveita os meses de maior turismo para andar ao volante de um tuk-tuk pela cidade de Lisboa. Vai uns meses a França ou à Bélgica e regressa. O veículo com que circula é de uma empresa. "Está a melhorar mas não posso dizer que trabalho todos os dias", conta. Quando as coisas estão piores, como durante o confinamento, faz entregas para a Uber Eats.

Nesta terça-feira, às 15h30, El Khadir ainda não tinha apanhado clientes, mas tem esperança. "Há duas semanas que isto começou a melhorar, espero que continue e que, em junho, esteja bem melhor". Para na Praça da Figueira.


David Miguel, 32 anos, há quatro na atividade, chega ao Arco da Rua Augusta de mais um serviço, o terceiro do dia. Uma boa média que justifica: "Não espero que venham ter comigo, eu vendo o serviço. Trabalho há muitos anos em turismo, estava no Algarve antes de vir para aqui. Ganhava bem e aceitei o desafio com a condição de ganhar mais, o que aconteceu." É um filho de Lisboa, nascido e criado na Graça, adora mostrar a sua cidade. Tem o curso superior de Turismo.


Filipa Madeira, 40 anos, depois do desconfinamento só tem feito reservas, serviços que os turistas compram antecipadamente. Tem contrato, o que é uma raridade no meio. A base é o salário mínimo, a que se juntam as comissões das viagens. "A minha sorte foi ter um contrato, isto esteve muito mal e ainda está fraco. Tenho colegas a passar fome", garante. Lê uma edição bilingue (francês e português) do livro Sermão de Santo António aos Peixes, do padre António Vieira, aprofunda o francês para fazer traduções. Espera por Marie Christine e Jean Baptiste, suíços. "Há muitos países fechados e viemos para Portugal. Visitámos a Nazaré, Tomar, Comporta, gostámos muito, é um privilégio. E há pouca gente", explicam. Esta é a sua última viagem de umas férias de 12 dias. Filipa era vendedora numa empresa de telecomunicações antes de 2015, quando começou a conduzir um tuk-tuk: "Adoro, é um trabalho muito estimulante", diz.

Pedro Guedes, 36 anos, também tem contrato e o salário não depende do número de serviços. Começou em 2014, tinha a empresa um mês. "Estamos a começar devagarinho, não há muitos serviços, mas tudo o que vier é bem-vindo. A retoma está a ser lenta, mas está a melhorar." A sua empresa tem veículos em Sintra e Lisboa: tem 14 tuk-tuks na capital e só o de Pedro está ao serviço.

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