Taxa sobre lucros extraordinários pode tirar 129 milhões de euros à Galp Energia
Contribuição excecional de 33% aprovada por Bruxelas sobre os setores do petróleo bruto, gás natural, carvão e refinação vai ser transposta até ao final do ano. Governo estuda atenuantes para investimentos em energias limpas.
Até 31 de dezembro deste ano, o governo vai transpor o regulamento aprovado pelo Conselho Europeu que introduz uma taxa de 33% sobre os lucros extraordinários das empresas dos setores do petróleo bruto, gás natural, carvão e refinação. Em Portugal, este novo imposto, designado de Contribuição Temporária de Solidariedade (CTS), poderá tirar à Galp Energia 129 milhões de euros. Esta tributação acresce à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), contestada em tribunal pela petrolífera, e à cobrança de IRC que, com a derrama estadual e municipal, pode atingir os 31,5%.
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A Comissão Europeia, que propôs a medida, espera angariar 25 mil milhões de euros no próximo ano para travar os aumentos dos preços de energia, à custa da taxação daqueles setores que obtiveram ganhos significativos com a crise energética e a guerra na Ucrânia.
Além da Galp, REN, EDP, Repsol, BP, Endesa ou Iberdrola são outras das empresas em Portugal que serão chamadas a pagar o novo imposto a partir de 2023, se, em 2022, tiverem registado ganhos superiores em 20% à média dos últimos três anos.
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No caso da Galp, que na próxima segunda-feira apresenta os resultados relativos ao terceiro trimestre do ano, já é possível fazer uma estimativa do impacto nas contas da empresa. Em 2019, a petrolífera obteve lucros de 707 milhões de euros, em 2020 registou prejuízos de 42 milhões e, no ano passado, recuperou, conseguindo um resultado positivo de 457 milhões de euros. A média dos últimos três anos dá 374 milhões de euros. A empresa anunciou, no primeiro semestre, lucros de 420 milhões, ou seja, poderá chegar a 840 milhões no final deste ano. Feitas as contas aos lucros que ficaram 20% acima da média dos três exercícios anteriores, 391 milhões de euros é o valor tributável para a Contribuição Temporária de Solidariedade de 33% : ou seja, 129 milhões de euros de lucros gerados pela Galp serão canalizados para os cofres do Estado.
O novo imposto será cobrado sobre o lucro, independentemente da CESE que aplica taxas variáveis em torno dos 1% sobre os valores patrimoniais dos ativos das energéticas, sejam redes de alta tensão, barragens, tubos de distribuição de gás natural ou refinarias. Esta contribuição também incide sobre o valor da marca e sobre os ativos financeiros. Significa que haverá aqui uma dupla tributação extraordinária, além da que já existe em sede de IRC: taxa nominal de 21%, derrama municipal que pode ir até 1,5% e derrama estadual que pode ir até 9% para lucros superiores a 35 milhões de euros.
A dúvida está na abrangência do imposto, isto é, se irá incidir sobre os resultados do grupo como um todo ou sobre as empresas individualmente. O grupo Galp detém: a Petrogal, que desenvolve atividade nas áreas da refinação de crude, biocombustíveis e hidrogénio; a Galp Energia E&P BV que se dedica à exploração e produção de petróleo, gás e biocombustíveis (Upstream); mas também a Galp New Energies, ligada ao setor das energias renováveis.
Para o fiscalista, Carlos Lobo, "já não fazia sentido manter a CESE que supostamente seria temporária quanto mais agravar o imposto com mais uma taxa extraordinária". "A CESE, por exemplo, foi criada em 2014, no tempo da troika, como uma taxa excecional para colmatar o défice tarifário e, passados oito anos, ainda se encontra em vigor", critica o especialista em direito fiscal, lembrando que "o Tribunal Constitucional, em Itália, já extinguiu essa contribuição".
Na proposta do Orçamento do Estado para 2023, o governo socialista de António Costa mantém a perspetiva de angariar 125 milhões de euros de receita com a CESE, o mesmo valor que inscreveu no Orçamento deste ano. Acontece que nem todas as empresas pagam o imposto. A Galp recusa-se a descontar para a CESE e mantém um diferendo em tribunal com o Estado. Desconhecendo a decisão final da justiça, a energética tem valores cativos no caso de ser chamada a abrir os cordões à bolsa. Segundo o relatório de contas do segundo trimestre deste ano, a empresa tinha provisionado 18 milhões de euros. Do lado do Estado, o governo pôs de lado 40 milhões caso tenha de devolver o imposto recebido.
Carlos Lobo considera que "Portugal não tem espaço para suportar este tipo de tributação sobre os lucros extraordinários, ainda por cima quando o imposto toma como referência a evolução dos lucros face aos anos de pandemia, o que é desajustado". "É natural que, agora, as empresas eletroprodutoras tenham ganhos muito superiores, o eleva o diferencial e o imposto a pagar", esclarece. O perito alerta ainda para "o perigo das empresas refletirem o agravamento fiscal nas faturas dos consumidores, o que pressionará ainda mais a inflação".
Em Portugal, não é tradição deduzir as taxas extraordinárias em sede de IRC pelo que o governo poderá estudar outras formas para aliviar a carga fiscal sobre as empresas. Uma das hipóteses em análise poderá passar por um desagravamento da taxa como contrapartida em investimentos em energias verdes.
Apesar destas nuances, Carlos Lobo defende que as empresas devem impugnar a cobrança deste novo imposto em tribunal. O perito reconhece que "o regulamento da União Europeia é vinculativo para todos os Estados-membros", porém, assinala que "não tem valor supraconstitucional".
Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo