TAP acaba o ano sem a casa arrumada e de olho na privatização
Se 2022 foi cheio de desafios e polémicas para a transportadora, os próximos meses não serão diferentes. A ajuda do governo terminou e a privatização é objetivo a 12 meses.
A torneira fechou-se. A TAP recebeu no passado dia 27 de dezembro a última injeção, de 990 milhões de euros, contemplada no plano de reestruturação aprovado pela Comissão Europeia, somando o total dos 3,2 mil milhões de euros em ajudas do governo. A partir de agora o Estado está proibido de emprestar mais dinheiro à companhia e, por isso mesmo, a privatização é uma urgência para o executivo socialista.
Os últimos doze meses fizeram-se de polémicas, contestação laboral e tropeços na gestão - a última nesta reta final do ano, com a notícia de que a ex-gestora Alexandra Reis recebera uma indemnização de 500 mil euros para sair da companhia em fevereiro, sendo meses depois nomeada presidente da NAV e chegando a secretária de Estado do Tesouro no início deste mês.
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2022 chega assim ao fim sem a casa arrumada e se a administração da empresa e o governo não tomarem as rédeas da companhia os meses vindouros podem adivinhar-se de desafios maiores. António Costa já definiu o calendário da venda da transportadora e confirmou a intenção de concluir a privatização da TAP em 12 meses, encerrando o assunto até ao final de 2023. E Pedro Nuno Santos garantiu, neste mês, que não existem ainda negociações em curso mas que já foi dada luz verde aos possíveis interessados. "Há uma intenção por parte do governo de abrir o capital da empresa e essa intenção já foi sinalizada ao mercado", disse o ministro das Infraestruturas e da Habitação durante uma audição no Parlamento. Mas há ainda enormes dúvidas e desafios que ensombram o futuro da TAP.
Tempo e dinheiro
O calendário levanta dúvidas sobre se o governo será capaz de encontrar um bom negócio para a TAP em tão pouco tempo. Já diz o ditado que "depressa e bem, não há quem", e a experiência passada no dossier das privatizações aviva receios de avanços e recuos. O timing anunciado pelo executivo faz temer uma venda ao desbarato e António Costa já admitiu que o governo pode até perder dinheiro.
Certo é que não será possível recuperar os 3,2 mil milhões de euros injetados na companhia, com a assinatura do contrato. Mas a urgência em passar a TAP para as mãos dos privados pode ser perigosa e acabar com a transportadora vendida a preço de saldo.
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Os interessados
"Temos vários interessados na TAP e temos interesse em que a TAP não fique sozinha", informou em março o ministro que tutela a empresa pública. Oficialmente, não existem ainda confirmações, mas há três nomes que surgem em cima da mesa como potenciais investidores: a alemã Lufthansa, a franco-holandesa Air France-KLM e o grupo IAG, dono da espanhola Ibéria e da British Airways.
Ao DN/Dinheiro Vivo, apenas a primeira assume o interesse em olhar para a transportadora nacional. "Como afirmou [o CEO] Ben Smith em outubro, a TAP pode ser uma opção", reiterou uma fonte do grupo de aviação, que se recusou a adiantar mais detalhes. Já o IAG refere que, atualmente, a prioridade da empresa é a conclusão da compra da espanhola Air Europa, e a Lufthansa recusa-se a comentar "especulações".
Venda total ou parcial?
Outra questão que persiste é a intenção de António Costa neste capítulo, mas é expectável que o governo queira manter um pé dentro da companhia, mesmo que opte pela alienação da maioria do capital. Depois da injeção histórica nos cofres da empresa com dinheiro público e dada a iminência de um negócio pouco feliz para o Estado, a entrega de bandeja da maior fatia a um grupo estrangeiro poderá ser um balde de água fria para os contribuintes. Mas o governo já admitiu essa hipótese. "Não temos nenhum preconceito sobre essa matéria. Temos de assegurar a sustentabilidade a longo prazo da TAP, o hub em Portugal, a TAP portuguesa a operar a partir daqui, com uma gestão autónoma. A forma, logo veremos qual será", indicou o ministro das Infraestruturas em março.
Arrumar a casa
Antes de passar a batata quente aos futuros donos, a TAP e o governo têm ainda várias questões para resolver. A principal respeita a paz social, que ficou pelo caminho nos últimos meses. Depois das marchas de protesto dos pilotos no verão, os desentendimentos com os tripulantes resultaram em dois dias de greve em dezembro - as primeiras paralisações na companhia em oito anos. E hoje, o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) reúne-se numa assembleia de emergência para decidir se avança com mais cinco dias de greve em janeiro.
As negociações dos novos acordos de empresa (AE) estão na base do problema; os trabalhadores querem retomar os salários anteriores aos acordos temporários de emergência, mas a TAP pretende honrar o documento assinado com Bruxelas até 2025. "O nosso limite é o acordo de emergência e é um limite que não poderemos ultrapassar", assumiu Christine Ourmières-Widener este mês. A CEO descarta uma mexida nas remunerações e os trabalhadores exigem, face à retoma da operação, que as condições sejam atualizadas. A TAP terá de encontrar uma solução para resolver o braço-de-ferro e apresentar ao mercado uma empresa sem guerras internas.
Ameaças à operação
Os riscos são variados e existem em várias frentes. O aumento do preço do jetfuel é um dos fatores de preocupação a pesar na tesouraria fragilizada e sem grande músculo financeiro da TAP. Só até setembro, o preço dos combustíveis disparou 292%, custando à companhia 781 milhões de euros - o triplo, face a 2021. A inflação faz adivinhar um cenário ainda pior em 2023.
A concorrência das low-cost nos destinos de curto e médio curso é outra das grandes ameaças. Com um crescimento cada vez mais rápido nos principais aeroportos portugueses e preços competitivos, as companhias de baixo custo estão a tirar negócio à TAP. A easyJet ficou com os 18 slots da companhia de bandeira - um dos remédios de Bruxelas para dar luz verde à ajuda estatal - e tem apostado em novas rotas e destinos. A fraca taxa de pontualidade, os cancelamentos sucessivos que pautaram o verão e agora o fim de ano e o medíocre serviço ao cliente são outros fatores que retiram competitividade.
O futuro
Os próximos anos da TAP estão envoltos num cenário de enorme incerteza. É preciso devolver a paz à companhia e chegar a acordo com os trabalhadores. É obrigatório cumprir à risca os objetivos de Bruxelas e cuidar das contas - este ano a TAP não poderá ter um prejuízo superior a 54 milhões de euros. Por resolver encontra-se ainda a venda da Cateringpor e da Groundfoce. A mudança de instalações da sede da empresa está na to-do list, mas não se sabe quando acontecerá. A venda da empresa poderá avançar no próximo ano e trazer uma reviravolta à gestão. Tudo está em aberto.
Rute Simão é jornalista do Dinheiro Vivo