Só em aumentos salariais até 1% vai sentir-se o efeito da mudança no IRS

Mudanças nos intervalos de rendimento foram publicadas ontem e vigoram a partir de março. Vão minimizar desvio entre IRS retido e devido, diz Ministério das Finanças.
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O governo atualizou ontem em entre 0,9% e 1% os intervalos de rendimento que determinam as taxas de IRS a aplicar em retenção na fonte a trabalhadores por conta de outrem naquela que foi a segunda correção do ano às grelhas que são utilizadas pelos empregadores para reter imposto.

A medida, diz o Ministério das Finanças, ajudará a minimizar o imposto retido a mais neste ano face ao que deve ser liquidado, já no verão de 2023, após o desdobramento de escalões que deverá ser aprovado com a proposta do Orçamento do Estado. Mas, à partida, os maiores ganhos esperados para a classe média (a partir do terceiro escalão de IRS) não irão chegar em 2022 na forma de maior liquidez mensal, e antes no acerto de contas final com o fisco.

As diferenças, na revisão de tabelas a aplicar em março, são "marginais", admite Anabela Santos, consultora da Ordem do Contabilistas Certificados, mas a revisão tende ainda assim a favorecer ligeiramente, numa décima, os rendimentos mais baixos.

A atualização tem efeitos a partir dos 814 euros brutos mensais de rendimento, atual limite inferior do quinto patamar para retenções, que sobe aos 822 euros. Neste e na generalidade dos limites mais baixos dos cinco patamares seguintes - até aos 1225 euros brutos, que passam a 1237- a atualização de valores ronda os 1%. Já a partir dos 1321 euros brutos de rendimento mensal, a atualização aproxima-se aos 0,9%.

Será sobretudo a partir dos patamares mais elevados de rendimentos que o desdobramento de escalões deverá ter maior impacto em termos de descida de IRS, de acordo com aquilo que previa o governo na proposta de Orçamento para 2022 chumbada e que deverá ser recuperado em novo texto pós-eleitoral e com aprovação garantida pela maioria de deputados do PS. Na nova versão de tabelas de retenção na fonte, porém, não são visíveis grandes correções, o que tenderá a resultar em reembolsos maiores nas liquidações de IRS, com mais imposto retido pelo fisco e que não é devido.

"Se olharmos para o que estava na proposta do Orçamento do Estado de 2022, pode haver diferenças significativas. Na prática, o grau de aproximação pode não ser idêntico nas tabelas de retenção e no imposto devido no final", reflete Anabela Santos.

A revisão em alta dos limites de patamares para retenção na fonte tem, por outro lado, como referência aquela que foi a atualização de salários na função pública, de 0,9%, que deverá ficar abaixo das atualizações médias no setor privado. Em 2021, foi de 3% a subida do salário-base médio português, segundo o INE. Na contratação coletiva, o aumento de remunerações deve ter andado em torno da mesma percentagem, estando por publicar os dados finais anuais.

"As taxas de retenção na fonte nunca foram revistas por referência à revisão salarial no setor privado. Fica de facto aquém e, portanto, o efeito é termos sempre mais reembolso no final do ano e de a retenção não acompanhar de forma generalizada os aumentos de salários", admite Anabela Santos.

Em simulações enviadas à imprensa, o Ministério das Finanças dá conta dos ganhos conjugados desta medida com uma anterior redução de taxas de retenção na fonte do início do ano. Entre quem beneficiou de uma subida de salário de apenas 0,9% em 2022, um dos exemplos é o da remuneração paga a quem integra os programas de estágios da função pública na carreira de técnico superior (passou aos 1007,49 euros). Neste caso, haverá ganhos no salário líquido de 7,98 euros com a revisão, ponderando-se a situação de um trabalhador solteiro e sem filhos.

Já entre quem não viu o salário aumentar poderá haver situações de mudança de taxa de retenção na fonte, para uma percentagem mais baixa, entre quem esteja no limiar superior dos patamares previstos, acabando por reduzir bastante os descontos. Será, por exemplo, o caso de quem receba 815 euros brutos, com a taxa de descer de 7,9% para 6,3%.

Em sentido oposto, também poderá haver quem tenha tido aumentos salariais superiores a 1% e que, estando no limiar dos patamares de desconto de IRS, veja agora a taxa de retenção aumentar.

Em comunicado, o Ministério das Finanças salientou o efeito conjugado da alteração de taxas de retenção na fonte no arranque do ano com a revisão dos intervalos de rendimento para trabalhadores, em vigor a partir de março, e pensionistas, com efeitos a 1 de janeiro, para acomodar aumentos. "Estes dois movimentos, em conjunto, permitem baixar a retenção na fonte da generalidade dos trabalhadores dependentes, continuando a corrigir o desvio histórico entre o imposto retido e o imposto devido e minimizando o agravamento desta distorção que a descida de IRS projetada para este ano potenciaria", refere.

Além disso, junta, "tal como ocorrido no caso dos pensionistas, previne-se que aumentos dos rendimentos possam traduzir no imediato em diminuição de remuneração líquida".

As tabelas de retenção na fonte aplicam uma única taxa sobre salários para pagamento de IRS. Os valores finais de imposto a pagar são depois calculados pelo fisco, na aplicação progressiva das taxas de IRS sobre a totalidade de rendimentos, de acordo com os escalões de rendimento, e atendendo à situação específica dos contribuintes (por exemplo, deduções), dando origem a reembolsos de valores a mais ou cobrança de imposto. Só no ano passado, foram devolvidos perto de três mil milhões de euros em reembolsos de IRS aos contribuintes.

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