Setor da Saúde paga metade do plano de corte nas 'gorduras' do Estado
O governo, através do Ministério das Finanças, disse ontem que vai "apostar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) com um reforço de 700 milhões de euros em 2022" no âmbito do novo Orçamento do Estado do ano que vem (OE2022), mas, para compensar, a área da Saúde também vai ser o principal alvo do plano de "poupanças e/ou ganhos de eficiência associados ao exercício de revisão da despesa", o chamado plano de corte de 'gorduras' do Estado.
Foi assim em 2021 (e antes), será assim em 2022, segundo a proposta de OE2022. A previsão apresentada pelo ministro das Finanças, João Leão, aponta para "poupanças e/ou ganhos de eficiência identificados ascendem a cerca de 237 milhões de euros, sendo de destacar as iniciativas geradoras de receita própria e de ganhos de eficiência na aquisição de bens e serviços". Este valor aumenta 75% face ao que foi orçamentado em 2021.
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo, a contribuição do setor da Saúde pública para o referido pacote de poupanças e de eficiência pode chegar a 130 milhões de euros, ou seja, também sobe quase 70% face ao previsto no OE2021. E tal como no ano corrente, valerá mais de metade do esforço em prol da eficiência nos gastos.
Isto acontece numa altura especialmente crítica na Saúde, onde há relatos de hospitais em rutura ou à beira da exaustão por falta de pessoal. E com a luta dos enfermeiros em crescendo, estando já uma greve de uma semana prevista para o início de novembro, em plena época de negociações do OE2022, e tendo os partidos à esquerda do PS (PCP e BE) sinalizado que vão votar contra a proposta orçamental do governo de António Costa e do ministro João Leão.
Na conferência de imprensa que decorreu ontem em Lisboa, o ministro das Finanças garantiu que os referidos 700 milhões de euros de "reforço" no orçamento da Saúde (para 11,1 mil milhões de euros em 2022) também contemplam a contratação ou a melhoria de condições do pessoal da Saúde.
No entanto, o novo documento das Finanças enumera as principais medidas para supostamente otimizar a despesa, incidindo bastante no universo do SNS.
Descontos negociados e efeitos de base
Diz, por exemplo, que "atendendo ao reforço do orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) nos últimos anos e ao pagamento atempado dos convencionados por parte das administrações regionais de saúde (ARS), prevê-se que sejam retomadas as negociações com as associações nacionais de análises clínicas, radiologia e diálise, com vista a obtenção de um desconto, medida que poderá gerar uma poupança de aproximadamente 18 milhões de euros, correspondente a cerca de 3% do valor das convenções nestas áreas em 2020".
O governo acrescenta ainda que, tendo em conta a quantidade massiva de testes e exames que ocorreu em 2020 e 2021 devido à pandemia, também é de esperar poupanças como que automáticas.
"Considerando o reforço da capacidade laboratorial do SNS para a testagem do vírus SARS-COV-2, através da internalização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) nas áreas das análises clínicas e de gastroenterologia, realizada em 2020 e prevista em 2021, será expectável que a faturação a convencionados da área das análises clínicas se reduza para valores pré-pandemia, com uma redução aproximada da despesa de 40 milhões de euros".
A proposta de OE diz ainda que "outra das medidas previstas consiste na revisão do regime de remuneração específica das farmácias, com uma poupança esperada em 2022 de cerca de 12 milhões de euros".
Sem quantificar, o governo também espera poupar através da melhoria da "gestão intermédia nos hospitais públicos, com vinculação à realização de contratualização interna, aperfeiçoamento e fortalecimento da organização em Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) e melhoria da resposta às listas de espera para cirurgia, reduzindo a emissão de vales cirúrgicos". E através do "fortalecimento do controlo do absentismo" do pessoal e do "reforço da eficiência energética dos edifícios do SNS".
Está ainda prevista uma "iniciativa que irá suportar e potenciar a otimização do processo de desmaterialização integral da conferência de faturas", mas o ganho também não é quantificado.
O governo vê ainda margem para reduzir despesa em excesso através de "compras centralizadas ou agregadas da saúde na componente dos medicamentos e dos dispositivos médicos".
"Em termos globais, registou-se uma poupança de 223 milhões de euros entre 2018 e agosto de 2021, associado a um valor global de 3,3 mil milhões de euros adjudicados pela Central de Compras da Saúde, tendo as áreas terapêuticas de oncologia, de imunoterapia, Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e Hepatite C crónica contribuído com maior expressão para este valor."
"Para o ano de 2022, prevê-se um volume financeiro agregado de compras no valor de 1,1 mil milhões de euros, com uma taxa de poupança global até 5%, mantendo-se a predominância das quatro grandes áreas terapêuticas identificadas anteriormente." Este rácio de poupança aponta para uma redução de mais 50 milhões de euros no ano que vem.
A prescrição de medicamentos também tem de ser financeiramente otimizada. O OE2022 quer "melhorar a utilização de medicamentos no SNS" e obter uma "gestão mais eficiente dos recursos públicos".
Se o Estado avançar com mais "indicadores de qualidade da prescrição e gestão eficiente dos recursos nos respetivos contratos-programa", pode ser possível "promover uma maior partilha de informação sobre os dados de prescrição, numa lógica de benchmarking". "Nesta área, estima-se que se possa atingir uma poupança de 4,6 milhões de euros", diz o governo do relatório do OE apresentado ontem pelas Finanças.
Tudo somado, o que está quantificado, claro, dá 129,6 milhões de euros em poupanças só à conta da Saúde. Pode ser mais.