Se Alexandra Reis se demitiu da TAP só deveria ter recebido 2333 euros
Ex-gestora e atual secretária de Estado do Tesouro foi indemnizada em meio milhão de euros e alega que o valor é legal porque foi a companhia a quebrar o contrato, o que contraria a versão enviada à CMVM.
A ser verdadeira a comunicação enviada pela TAP à CMVM, em fevereiro deste ano, Alexandra Reis renunciou ao cargo de vogal e membro do conselho de administração e comissão executiva da companhia aérea. Por isso, a menos que houvesse um contrato que especificamente determinasse condições especiais, a ex-gestora e atual secretária de Estado do Tesouro teria direito a apenas 2333 euros, que correspondem a dois dias de salário (17 500 euros mensais, já feito o corte de 30% devido ao processo de reestruturação) por cada um dos dois meses trabalhados este ano, apurou o Dinheiro Vivo. Mas Alexandra Reis acabou por levar uma indemnização de cerca de meio milhão de euros. A governante alega que o valor é legal porque foi a TAP que cessou o contrato, o que contraria o comunicado da CMVM (Comissão do Mercado dos Valores Imobiliários).
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A companhia aérea comunicou ao mercado a "renúncia" de Alexandra Reis a 4 de fevereiro, com efeitos a partir de dia 28, quando ainda faltavam dois anos para terminar o mandato. A decisão surge na sequência da saída do acionista privado, Humberto Pedrosa, com o Estado a ficar com a totalidade do capital e do controlo da TAP.
"Tendo sido nomeada pelos anteriores acionistas, e na sequência da alteração da estrutura societária da TAP, Alexandra Reis, vogal e membro do conselho de administração e comissão executiva da TAP, apresentou a renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios. Nos termos da referida renúncia, a mesma produzirá efeitos no dia 28 de fevereiro de 2022", lê-se na informação que a TAP enviou à CMVM.
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A confirmar-se o comunicado, Alexandra Reis não teria direito a indemnização alguma, mas apenas aos proporcionais dos dois meses trabalhados.
Contudo, a agora secretário de Estado de Fernando Medina, alega que o acordo de cessação de funções "como administradora das empresas do universo TAP" e a revogação do seu "contrato de trabalho com a TAP foram solicitadas pela TAP" e não pela própria. E acrescenta que o processo foi "acordado entre as equipas jurídicas de ambas as partes, mandatadas para garantirem a adoção das melhores práticas e o estrito cumprimento de todos os preceitos legais".
A ex-gestora afirma ainda que a indemnização de meio milhão de euros é totalmente lícita: "Nunca aceitei - e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga - qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei". Alexandra Reis diz que "esse princípio se aplica também aos termos" da sua "cessação de funções na TAP".
As duas versões, a da TAP e a da governante, colidem. Os ministros das Finanças, Fernando Medina, e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já pediram esclarecimentos à companhia aérea sobre os termos do acordo de cessação de funções e os valores da indemnização. O Dinheiro Vivo também questionou a empresa, mas até ao momento não obteve resposta.
Alexandra Reis entrou na TAP em 2017. Em meados de 2020, foi escolhida pelo anterior governo de António Costa para a comissão executiva da TAP como administradora interina da transportadora aquando da saída de David Neeleman do capital da TAP e manteve-se na equipa da atual presidente executiva, Christine Ourmiéres-Widener, até fevereiro. Tinha a seu cargo áreas relevantes como as compras, os recursos humanos e a informática. O Dinheiro Vivo sabe que a relação entre Ourmiéres-Widener e Alexandra Reis era tensa e conflituosa.
Quatro meses depois de ter saído da TAP, a 30 de junho, a ex-gestora foi nomeada presidente da NAV por despacho do Ministério das Infraestruturas, liderado por Pedro Nuno Santos. Cargo de onde saiu para assumir a secretaria de Estado do Tesouro no ministério de Fernando Medina, a 2 de dezembro.
Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo