Se a fábrica da Dielmar fechasse "era a bomba atómica"

<em>(Reportagem originalmente publicada a 24 de setembro de 2017)</em><br/> Nem tudo são más notícias no interior de Portugal. Em Alcains, no concelho de Castelo Branco, uma empresa de confeções resiste a sair e dá emprego a quase 400 pessoas.
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As contas foram feitas em 2008. Um mês de salários em Portugal paga um ano de salários na China. É, portanto, difícil resistir - mas a Dielmar resistiu, ficando. No caso, em Alcains, Castelo Branco. A empresa, de confeções de roupa para homem, cujos fatos equiparam, por exemplo, a seleção de futebol no Europeu que Portugal venceu, é um exemplo de que nem tudo na zona raiana de Portugal são desgraças. Dá trabalho a quase 400 pessoas da região, a maior parte mulheres. O único susto é pensar no que aconteceria se fechasse ou fosse embora - para a China, por exemplo.

Num café ali perto, o DN conversa com alguns homens. Nem querem ouvir desse cenário. "Se isso acontecesse era uma desgraceira", diz um deles. "Era a bomba atómica!", afirma outro, constatando ambos a importância decisiva que tem como grande empregador do concelho. Não há outra unidade fabril por ali que se lhe compare. Quem andará mais perto é a Lusitânia, das famosas farinhas Branca de Neve.

A Dielmar nasceu em 1965 pelo esforço conjugado de quatro alfaiates (dois irmãos e outros dois amigos): Dias, Helder, Mateus e Ramiro (o nome da empresa é um acrónimo que resulta da junção dos nomes dos fundadores). A confeção tinha tradições na região pela razão mais simples do mundo: ali perto estava a matéria-prima, produzida na Covilhã, a partir da lã das ovelhas da serra da Estrela. Ora essa "fileira" do têxtil da Covilhã foi chão que deu uvas - mas a empresa cresceu e resistiu (foi das poucas). No final dos anos 70 do século passado começou a internacionalizar-se, por via do mercado da emigração, sobretudo em França. E conseguiu não parar.

Hoje quem a lidera é a filha de um dos fundadores, a advogada Ana Paula Rafael, que em 2008 assumiu o comando. A Dielmar tem hoje uma faturação anual na ordem dos 14 milhões de euros. E a ambição é crescer: "Quero fazer da empresa uma multinacional!" Em Portugal, além de vender fatos para outras marcas que lhe põe o seu selo, tem seis lojas, todas com alfaiate residente. É essa uma das suas marcas: os fatos à medida. Neste caminho quer avançar agora para o mercado das vendas online.

Conversando com o DN, a gestora enfatiza uma das coisas que lhe permitiram sobreviver aos anos difíceis da crise 2011-2014: em vez de um ou dois grandes clientes preferiu sempre ter dezenas deles, mais pequenos - ou seja, não pôs as fichas todas no mesmo cavalo. "Foi isso - diz - que aconteceu no vale do Ave. As empresas tinham tudo pendurado num ou em dois clientes." Daí o desastre.

Seja como for, a Dielmar ressentiu-se da crise. E aí foi preciso dar a volta e virar as apostas ao contrário. Com "muito sacrifício, muita dor e muito mês", Ana Paula Rafael fez-se ao caminho, viajando por esse mundo fora para pôr a empresa a exportar mais. "Num ano cheguei a estar 18 semanas fora." Até lá, em números redondos, o mercado nacional valia-lhe 60% da faturação e o internacional 40% (com metade em Espanha). Agora o rácio é mais ou menos o inverso: 70% de exportação, 30% de mercado nacional. A empresa sobreviveu à tempestade.

A população da freguesia e de outras em volta não perdeu assim aquela que é porventura a sua maior fonte de emprego - sendo certo, no entanto, que por via do estouro monumental da bolha imobiliária - ali como no país todo - muitos jovens adultos puseram os pés ao caminho, emigrando para os mesmos destinos do êxodo dos anos 1960: França, Alemanha e Luxemburgo.

Ana Paula Rafael confirma: "Se fôssemos embora isto morria tudo." Foi isso que, garante, a levou a ficar - porque até nem lhe metia muito medo lançar-se para um mundo novo: "Eu gosto muito de viajar." As contas sobre a China foram feitas - mas verdadeiramente nunca esteve em cima da mesa a hipótese real de partir. Foi em Alcains que o seu pai, um tio e outros dois amigos fundaram a empresa e é lá que vai continuar. A gestora diz competir-lhe, entre outras coisas, "fazer a mediação" entre a experiência que é preciso ter nos trabalhadores - há costureiras ainda da fundação - e a inevitável necessidade de inovação.

(Reportagem originalmente publicada a 24 de setembro de 2017)

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