Regresso dos subsídios por inteiro ajuda na carteira? Nem por isso
Recuemos a outubro de 2012. O governo em funções preparava-se para deitar mão do maior aumento do IRS de que há memória e, para suavizar o impacto, determinou (no caso dos pensionistas e dos funcionários públicos) que um dos subsídios fosse pago em duodécimos. E permitiu, no setor privado, que uma parcela dos subsídios de férias e de Natal caísse mensalmente na conta. Chegados a 2018, parte destas medidas está parcialmente ou totalmente revertida. Mas o impacto no consumo corrente das famílias será reduzido ou mesmo negativo, avisam os economistas e responsáveis da área do comércio e consumo ouvidos pelo DN/Dinheiro Vivo.
De uma assentada (leia-se em apenas um ano) a sobretaxa do IRS e o aperto nos escalões retirou cerca de 3,2 mil milhões de euros ao bolso dos portugueses. Esta sobrecarga fiscal manteve-se inalterada em 2013 e 2014, tendo começado a ser atenuada em 2015, com a reforma do IRS - que alargou as deduções e o mínimo de existência. Esta política de reposição de rendimentos acelerou com a geringonça que, no último mês de 2017, pôs um ponto final nas retenções na fonte da sobretaxa. Para 2018 está já prometido um alívio nos descontos mensais (retenções na fonte) dos trabalhadores e pensionistas para acomodar a subida do mínimo de existência e o alargamento dos escalões para quem ganha por ano até cerca de 40 mil euros. Esta folga orçamental feita pela via fiscal abriu caminho para que fosse afastado o regime que nestes últimos cinco anos permitiu (ou impôs) o pagamento dos subsídios por duodécimos.
A medida acabou, no entanto, por ser recebida com quase tantas críticas como aplausos e para quem está mais atento à realidade das famílias o efeito até pode ser negativo. "O regresso do pagamento dos subsídios por inteiro poderá aumentar o consumo de bens duradouros, porque haverá uma poupança forçada que vai concentrar-se em dois momentos do ano, mas haverá uma redução do consumo corrente", diz João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho.
Carlos Martins, especialista em questões de consumo e professor na Universidade Lusíada, dá mais uma achega a esta leitura: "Quem deixar de ter o duodécimo sentirá o efeito no final do mês e a medida terá impacto no consumo, porque terão menos rendimento disponível". E a redução gradual da sobretaxa , somada com a alteração dos escalões, não será suficiente para compensar". Carlos Martins acredita que o efeito destas medidas será marginal. Tanto mais que a sobretaxa já acabou em meados de 2017 para a maioria dos contribuintes, pelo que o seu efeito está mais do que assimilado e esgotado.
Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, lembra os motivos que estiveram na origem dos duodécimos. Considera que podia manter-se este regime - desde que clarificado na lei que estava dependente da vontade do trabalhador - para acudir aos casos em que esta "mensalidade" pode fazer diferença na gestão das despesas do dia-a-dia.
Vasco de Mello, vice-presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), faz uma apreciação diferente, que alicerça na perceção que tem de que a maior parte dos trabalhadores rejeitou o regime dos duodécimos nos cinco anos em que o regime esteve disponível. E, por esta razão, acredita que a reposição do pagamento por inteiro nas datas previstas na lei "terá, provavelmente, pouco impacto". E o reforço dos rendimentos por via fiscal? Será bem-vindo, mas sobretudo porque as "medidas de desagravamento fiscal são sempre bem-vindas".
Entre o enorme aumento de impostos e as reposições já realizadas ou que aí vêm, o balanço é ainda negativo para as famílias. Com a reforma do IRS, o anterior governo devolveu cerca de 615 milhões de euros. Com o fim da sobretaxa regressam à carteira dos portugueses mais cerca de 900 milhões de euros. Já o alargamento dos escalões e a subida do mínimo de existência trarão mais 310 milhões de euros.