Reforma de 650 euros com bónus tem aumento real de apenas 6 euros (veja as simulações)
Universo atinge mais de metade dos 2,7 milhões sujeitos a um aumento entre 4,43% e 3,53%. Governo justifica corte nas subidas face à inflação com a sustentabilidade da Segurança Social, mas a proposta do Orçamento mostra que o sistema previdencial terá um excedente de 3,1 mil milhões em 2023 e uma almofada de 34,3 mil milhões até 2060.
Com uma inflação galopante, que o governo estima em 7,4% este ano, embora o Conselho das Finanças Públicas aponte para 7,8%, os pensionistas com prestações de 650 euros brutos vão ter de viver com apenas mais 5,58 euros nos bolsos todos os meses, segundo os cálculos do Dinheiro Vivo com base nas simulações da Ernest & Young (E&Y) para 2023. Significa que cerca de 1,6 milhões de reformados, ou seja, mais de metade dos que irão beneficiar de uma atualização entre 4,43% e 3,53% em 2023, terão um acréscimo líquido mensal de 0,8%. Mais 5,58 euros, portanto.
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As simulações da E&Y já têm em conta a atualização das reformas entre 4,43% e 3,53%, a subida dos escalões de IRS em 5,1% e o abate do mínimo de existência que permite maior liquidez no final do mês. Analisando os diferentes patamares de remunerações, é possível concluir que as pensões mais baixas serão as mais penalizadas.
Um pensionista viúvo com uma prestação de 650 euros brutos vai receber, em termos líquidos, apenas mais 78,13 euros por ano ou cerca de seis euros mensais, enquanto um reformado com uma remuneração mensal de 1500 euros terá direito a um aumento líquido anual de 216,52 euros ou 15,46 euros por mês. No primeiro caso, e porque a pensão está abaixo de 957,40 euros (2 vezes o Indexante dos Apoios Sociais que se fixará em 478,7 euros em 2023), a atualização bruta será a mais elevada, de 4,43%, ainda que muito abaixo dos 8% que, pela aplicação normal da fórmula, o pensionista teria direito. Na segunda situação, o aumento será de 4,07% já que a remuneração se situa entre 957,40 euros (dois IAS) e 2872,20 euros (seis IAS). Apesar da atualização ser inferior, em termos líquidos, o aumento é superior face a um pensionista com uma prestação de 650 euros. Prestações acima de 2872,20 euros terão uma atualização de 3,53%.
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A partir de um certo patamar de rendimentos, não há lugar ao abate ou dedução pelo efeito do mínimo de existência, pelo que os acréscimos líquidos começam a diminuir à medida que se sobe de nível remuneratório. Por exemplo, um casal de pensionistas com uma reforma de 760 euros por sujeito passivo, beneficiará de um aumento anual de 562,62 euros ou 40,40 brutos mensais. Já um casal com uma pensão de 1500 euros brutos por titular, verá a prestação líquida subir 433,03 euros no conjunto do ano de 2023, ou seja, terá mais 30,93 euros no final do mês.

Fonte: EY
© Infografia: João Costa
Na proposta do Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), o governo considera que este aumento, entre 4,43% e 3,53%, e o bónus de mais pensão, para prestações até 5318,4 euros, garantem que os reformados não perdem poder de compra no próximo ano. "No conjunto destas duas medidas, os pensionistas com menores rendimentos terão um aumento equivalente a 8%, acima da inflação prevista", lê-se no documento.
O certo é que o governo tem sucessivamente invocado o risco da sustentabilidade da Segurança Social para não proceder a atualizações entre 8% e 7,1%, em linha com a inflação, e de acordo com a fórmula existente. Contudo, a proposta de OE2023 mostra que o sistema previdencial conta com um excedente orçamental de 3,1 mil milhões no próximo ano e uma almofada de 34,3 mil milhões do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) que permite cobrir défices até 2060, esvaziando o argumentário do governo que aumentos entre 8% e 7,1% colocariam em causa a saúde das contas da Segurança Social.
Em setembro, o governo entregou um documento no qual vaticinava que o FEFSS começaria a emagrecer na década de 2040 até acabar em 2050. Mas o relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado para 2023 mostra uma realidade muito diferente: não só a almofada não se extingue como deverá chegar a 2060 reforçada com 34,3 mil milhões de euros, mais 7,8 mil milhões do que o previsto para 2023.
Para o reforço do FEFSS, "a partir de 2024, assumiu-se uma rentabilidade anual intrínseca de 4,0% ao longo do tempo", justifica o Executivo na proposta do OE2023. O governo parte do "pressuposto que este fundo será alimentado pelos saldos do sistema previdencial, enquanto existam, e pelas transferências resultantes do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, da parcela do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário". "Estima-se que o Fundo não se esgote até ao fim da projeção" 2060, indica o relatório do OE2023 relativo à sustentabilidade da Segurança Social.
Quanto ao sistema previdencial, isto é, a conta corrente que garante o pagamento das diversas prestações sociais, o documento aponta um excedente de 3,1 mil milhões em 2023, que resulta em boa medida dos baixos níveis de desemprego que mantêm "o crescimento das receitas com contribuições e quotizações na ordem dos 5,8% quando comparado com a previsão de execução de 2022, de 10,2% face ao Orçamento do Estado de 2022", segundo a proposta do OE2023.
Neste ponto, o relatório vai ao encontro do que foi projetado pelo Ministério do Trabalho, em setembro, revelando uma deterioração do saldo orçamental do sistema previdencial, que cai de 3,1 mil milhões, em 2023, para 471 milhões de euros, em 2030, começando a atingir défices na década seguinte: -2,2 mil milhões, em 2040; -2,7 mil milhões, em 2050; e -1,3 mil milhões em 2060.
"Na projeção, os primeiros saldos negativos do sistema previdencial são esperados no início da década de 2030, podendo atingir valores negativos até 0,9% do PIB em meados da década de 2040", segundo a proposta do OE2023.
Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo