Tempos excecionais exigem medidas extraordinárias. Mas quando a situação começa a normalizar, a retirada dessas medidas pode ser uma tarefa delicada. É este o caminho que o Banco Central Europeu (BCE) está a seguir, depois dos inéditos estímulos à economia, que incluíram um programa de compra de dívida pública..O valor das compras mensais vai descer de 60 mil milhões para 30 mil milhões de euros já em janeiro e o BCE deverá dizer que a partir de setembro vai, gradualmente, extinguir o programa. A maioria dos analistas antecipa que as compras terminem no final de 2018 ou início de 2019. As armas utilizadas pelo banco central para segurar a zona euro levaram os juros das obrigações do Velho Continente a mínimos nunca antes vistos. Agora, a retirada desses apoios levará a uma subida das taxas das dívidas. Mas os analistas consideram que Portugal chega em boa forma à era do princípio do fim das ajudas do BCE.."No caso de Portugal, a subida deverá ser inferior à que se estima para a Alemanha (onde as taxas estão excessivamente baixas), dado que o prémio de risco da dívida portuguesa poderá continuar a cair", considera Rui Serra, ao DN/Dinheiro Vivo. O economista-chefe do Montepio explica que isso refletiria "a redução do risco da economia portuguesa, patente na melhoria do rating "..Este mês, a agência de notação financeira Fitch retirou a notação de um nível visto como lixo pelos mercados, subindo a notação em dois níveis, igualando Portugal a Itália. Subidas desta dimensão não são usuais. Em setembro, a Standard & Poor"s (S&P) já tinha surpreendido o mercado ao dar uma nota de grau de investimento a Portugal..O Tesouro tem aproveitado as condições favoráveis para melhorar as características da dívida, aumentando prazos e diminuindo juros. Exemplo disso têm sido os pagamentos antecipados ao FMI, que cobra taxas bem acima do que o mercado exige. Esse fator foi destacado pela Fitch: "A gestão da dívida está ativamente a tirar vantagem das condições de financiamento favoráveis para assegurar condições benéficas no longo prazo.".Sinais de resistência mas dívida pesa.O regresso às boas graças das agências de rating ajudou os juros das obrigações portuguesas. Estão em mínimos de março de 2015. Os investidores exigem cerca de 1,8% para comprar obrigações portuguesas a dez anos. Menos que a Itália. No início do ano, a taxa portuguesa chegou a negociar acima de 4%, com o mercado a expressar dúvidas sobre a evolução das contas públicas. Esse período de pressão coincidiu com uma diminuição das compras de dívida portuguesa por parte do BCE, devido a limitações do programa que impedem o banco central de comprar mais de 33% das obrigações de um país..Desde a segunda metade de 2016 que o banco central compra menos dívida portuguesa do que a meta implícita devido àquela restrição. E esse menor apoio intensificou-se este ano. Mas, agora, na era do princípio do fim dos apoios do banco central, os analistas dizem que isso é uma vantagem. "A redução em 50% das compras do BCE é relativamente menos punitiva para Portugal porque a diminuição já aconteceu", referem Anne Karina Asbjorn e Ioannis Sokos, analistas do Nomura, numa nota enviada ao DN/Dinheiro Vivo. E concluem que Portugal será menos penalizado do que países em que o BCE tem feito compras acima da meta de capital, como é o caso de Itália..Apesar de as obrigações portuguesas aparentarem estar bem posicionadas para suster o menor apoio do BCE, há um caderno de encargos a cumprir para evitar o regresso das dúvidas. No relatório sobre a subida do rating, a Fitch ressalva que "Portugal continua fortemente endividado", com o peso da dívida em relação à economia a situar-se em 127%, apesar de ter começado a descer. E foi clara ao avisar que uma "reversão na descida da dívida pública em relação ao PIB" levaria a cortes na classificação. Também a S&P alertou que "os elevados níveis de dívida permanecem uma fraqueza". E justificou que para tirar Portugal de lixo está a incorporar que "o BCE assegure uma transição suave na abordagem da política monetária". Mas a tarefa é delicada. E Draghi já referiu por diversas vezes que é um processo que requer cautela e paciência.