"Prosseguir a trajetória de melhoria do salário mínimo é um imperativo"

Miguel Maya, presidente da Comissão Executiva do BCP
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O retrato que vejo é francamente interessante. Vejo algo de que nos devemos orgulhar, mas que não nos podemos permitir descuidar. É um tema delicado, em todas as aceções do adjetivo, que requer atenção permanente.
Temos um Serviço Nacional de Saúde abrangente, com profissionais competentes, com capacidades para, na maioria das situações, dar resposta adequada às necessidades dos cidadãos.
A capacidade de resposta à pandemia, que considero tem sido notável, assentou sobretudo na qualidade e na entrega dos profissionais, e recordou-nos a todos a enorme importância do SNS.
Como desafios para assegurar que o retrato converge para a perfeição, salientaria a relevância de se conferir maior autonomia e responsabilidade às diversas unidades que compõem o sistema, a urgência na incorporação de tecnologia não apenas ao nível do diagnóstico mas também e sobretudo na forma de interação com os utentes, o imperativo de se criarem condições para atrair, desenvolver e reter profissionais de excelência e a importância de se desenharem protocolos de cooperação, sem pré-conceitos, entre o sistema publico e as unidades privadas.

O governo ideal para o país será o governo que for capaz, por via da competência e da coragem, de reformar as instituições de modo a que o tecido empresarial possa ser mais competitivo à escala global e que, simultaneamente, promova uma rede social forte, alicerçada no Estado, uma rede de segurança abrangente e capaz de assegurar condições de vida dignas aos mais desfavorecidos.
Será necessariamente um governo determinado em criar um ambiente que estimule a prosperidade e a sua partilha equilibrada, um governo que respeite e valorize os cidadãos que tenham opinião diversa, um governo plural, que valorize a diversidade e que só seja fundamentalista no que toca à defesa da democracia e da liberdade em todas as suas dimensões.
Terá de ser um governo com ambição, que aspire a um Portugal próspero, financeiramente equilibrado, e que procure obstinadamente construir vantagens competitivas alicerçadas nas competências dos cidadãos (o ensino tem um papel determinante) e na fiabilidade das instituições.
Estarei a pedir demasiado, mas menos seria insuficiente.

Um exercício que me parece útil para ponderar a resposta a essa questão é o de refletirmos como cada um de nós viveria com o atual salário mínimo nacional. Facilita certamente a tomada de posição sobre este tema.
Uma convergência em torno do aumento do salário mínimo irá seguramente ajudar o país, pois obrigará o tecido empresarial, as instituições e a sociedade como um todo a reinventarem-se. Mas recomendo que quem governe, não condicionando ou usando tal como pretexto para adiar o que deve ser feito, desenhe o processo de ajustamento com muita atenção aos detalhes de modo a não dar argumentos, por falta de preparação, aos que consideram que o aumento do salário mínimo vai "desajudar". Se tudo o resto ficar na mesma dificilmente o resultado será positivo. Prosseguir a trajetória de melhoria do salário mínimo é um imperativo.

A discussão do tema natalidade tem frequentemente derivado em propostas e atuações estéreis. O desafio é termos população em Portugal. Gostaria que o debate se centrasse na melhoria das condições de vida dos portugueses e na política de imigração. Uma visão mais humanista e menos egoísta ajudará certamente a encontrar soluções adequadas de que todos beneficiaremos.

O envelhecimento de cada um de nós faz parte da nossa natureza e não é um problema. É a vida a fluir. O envelhecimento da população portuguesa sim é um problema, mas sobre esse tema já fiz referência na questão anterior. Falta aprofundar a reflexão sobre como empregar as nossas energias e recursos na criação de condições para que as pessoas possam viver toda a sua vida com dignidade e que sintam que a sua vida tem sentido no singular e no plural independentemente da sua idade. Há muito a fazer em múltiplas frentes, mas as que mais valorizo são a educação, a convivência e o reforço da rede social de apoio, a qual deve prestar especial atenção aos mais velhos pois são por natureza os mais vulneráveis.

É um tema que finalmente e felizmente passou a merecer a devida atenção. Se olharmos para o que se progrediu desde o Acordo de Paris, pelo menos em termos de sensibilidade e conhecimento da opinião pública sobre os desafios que enfrentamos, é legítimo concluir que os progressos foram notáveis. Se avaliarmos a evolução, comparando o que já fizemos com o que pretendemos alcançar, os progressos foram insignificantes.
As palavras por mais poderosas que sejam, e são, não são suficientes; é tempo de definirmos objetivos concretos, metas intermédias que correspondam ao que cada parte, cada um de nós, pode em cada período fazer para influenciar o futuro. Metas para cada legislatura, para cada mandato, para cada ano.
Saliento ainda a importância de tomarmos consciência de que para vencermos os desafios climáticos temos necessariamente de cooperar com entidades, muitas vezes países, que em outras matérias podem ser nossos adversários. É imperativo aprender a conjugar competição com cooperação.
A título pessoal procuro a coerência entre o que defendo e o que faço, mesmo nos pequenos gestos quotidianos: da reciclagem à substituição do sistema de aquecimento em casa (substituí a caldeira a gás por bomba de calor) à produção de energia elétrica para autoconsumo.
No banco os progressos foram notáveis a diversos níveis, passando pelas alterações ao modelo de governo dos temas ESG, à aprovação do novo plano de sustentabilidade, à incorporação de métricas ESG no modelo de avaliação da equipa de gestão e, entre muitos outros progressos, termos conseguido que toda a energia elétrica consumida pelo banco fosse exclusivamente de origem em fontes renováveis.

Não gosto de procrastinar nem de adiar o que quer que seja, nem mesmo em termos conceptuais.
O que fiz, o que li, aonde aloquei o meu tempo e recursos foi no que defini como prioridades tendo em conta as alternativas, pelo que, com exceção de passar mais tempo com a família e os amigos (a fazer o que quer que fosse...) não deixei espaços por preencher.
O que tenho previsto para realizar em 2022 é o que planeei em folha branca para 2022. Esta perspetiva pode tornar-me um "cinzentão" para algumas pessoas (... domingo sabe de cor o que vai dizer segunda-feira..." do fantástico Jorge Palma que acabou de lançar 70 Voltas ao Sol, mais um notável álbum. É que sei mesmo, não o "dizer" mas seguramente o que pretendo "fazer" na próxima segunda-feira.
Para mim o planeamento é a melhor fórmula para concretizar muito, para viver ao máximo, no limite, o tempo limitado que a vida nos proporciona; e como a realidade raramente se sujeita aos planos, o espaço ao improviso está garantido.

Um luxo para mim em 2022 seria continuar a ter frequentes momentos de felicidade, saber merecer o respeito dos profissionais com quem trabalho e a amizade dos amigos e da família. Se possível com saúde, todos.

Não me identifico com super-heróis, sempre gostei de pessoas reais, multifacetadas, imperfeitas, seres humanos em todas as suas dimensões, pessoas que têm consciência da sua natureza humana, mas que procuram incessantemente alcançar a perfeição. A ter de selecionar a pessoa que mais próxima terá estado do meu conceito de super-herói, num momento em que
tenho muito presente a pandemia, escolheria Albert Sabin: pessoa real, certamente com fragilidades e incoerências, mas com um contributo decisivo para a humanidade e de uma generosidade imensa. Entre muitos outros contributos relevantes que deu no exercício diário da sua profissão de médico e investigador, desenvolveu a vacina para a poliomielite tendo renunciado aos direitos da vacina que criou, permitindo que a mesma ficasse disponível a milhões de pessoas em todos os continentes.
O jogo do "se fosse" nunca me entusiasmou, pelo que o meu desafio diário é o de procurar fazer de mim uma pessoa melhor, com impacto positivo na vida das pessoas com quem direta ou indiretamente interajo.

Voltar? Fico-me apenas pelo colocar o país na rota do crescimento sustentado, pois até hoje ao que tenho assistido é a uma surpreendente satisfação com o alinhar ou superar ligeiramente a média da UE; e isso não é ambição que permita sonhar com um Portugal moderno, mais justo e inclusivo. A média nunca é uma boa referência para quem ambiciona fazer a diferença, para quem pretende ter um contributo relevante para a sociedade.

É necessário e urgente reformar a economia, nas grandes linhas estruturais mas também e já nas pequenas coisas do dia-a-dia que podem fazer uma enorme diferença na produtividade (exemplo: horário de funcionamento das alfândegas), criando condições para que as empresas sediadas em Portugal sejam competitivas à escala global; o que implicará necessariamente reformas estruturais nas Instituições de modo a eliminar os insuportáveis e anacrónicos custos de contexto em Portugal
Os enquadramentos fiscais e laborais têm de ser adaptados a um mundo global, o que não é, não poder ser, sinónimo de fragilizar a rede de suporte social. E tempo de se pensar seriamente em reformular o contrato social vigente fortalecendo a competitividade da economia e reforçando a rede de proteção social.

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