Portugal. "Se fosse gerido como empresa, podia ser um unicórnio"
Foi um dia dedicado ao emprego e às empresas no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures. Inseridos na mostra "Loures investe em si", promovida pelo município local, dois painéis de debate juntaram um conjunto de empresários e de representantes de entidades públicas ligadas ao apoio e ao financiamento do setor empresarial para uma reflexão sobre temas que são hoje, e cada vez mais, incontornáveis nas empresas e na sociedade. "No futuro, que empregos?" e "No futuro, que empresas?" foram as questões que serviram de mote às conversas, e às quais os participantes procuraram dar respostas e apontar soluções.
Os últimos dois anos provocaram um conjunto de disrupções no mercado de trabalho, a nível global, acentuando problemas que já se faziam sentir anteriormente, e criando novos desafios para empresários, empresas e trabalhadores. Desde logo, o trabalho remoto, que traz um conjunto de desafios na atração e retenção de talentos, mas também oportunidades, ou a escassez de talentos de que se fala há mais de uma década, essencialmente no setor das tecnologias da informação, e que é hoje transversal a muitos outros setores. Temas que, durante a manhã, foram comentados por Tim Vieira, empresário e investidor, que apresentou em palco a Brave Generation Academy, o seu mais recente projeto ligado à educação, e Pedro Amorim, Managing Director Experis Portugal e Corporate Clients Director do ManpowerGroup Portugal.
Os novos desafios do emprego estão a exigir abordagens distintas desde o recrutamento até à capacidade de fixar talento nas organizações. No entanto, há problemas subjacentes que continuam a ser os mesmos há décadas. Na opinião de Pedro Amorim, o país tem dificuldade em criar valor nos empregos pela carga fiscal, pelos tipos de contratos, e pela baixa competitividade ao nível da contratação. "Este é um problema estrutural que é preciso olhar com atenção", aponta. No entanto, o responsável do ManpowerGroup acredita que, do lado das empresas, há esforço enorme para mudar. "Os processos de contratação e de recrutamento estão a evoluir e a acompanhar as tendências porque se as empresas não o fizerem não vão conseguir preencher a vaga, e há muitas vagas em aberto".
Porém, o setor empresarial pouco poderá resolver se não houver mudanças estruturais que dependem da vontade dos governos. "É preciso reestruturar a educação, focar nos programas de reskilling e upskilling na nossa sociedade, e ter a coragem de assumir que é obrigatório mudar o ecossistema da educação, mudar os currículos académicos, olhar para o futuro do país e ver o que precisa", alerta Pedro Amorim que acrescenta: "Há decisões estruturais que se discutem há mais de 20 anos sem resultados práticos, como problemas estruturais na educação ou na relação entre o ecossistema educativo e empresarial".
Tim Vieira partilha de opinião semelhante. "Se estivermos à espera do Governo vamos falhar outra onda do que é preciso: talento e rápido". O empresário defende uma aposta crescente em cursos mais rápidos, mais pragmáticos e práticos, recorrendo às empresas para ajudar a treinar as pessoas que precisam. "Temos que usar a tecnologia e por as empresas a pensar mais do que fora da caixa. É preciso deitar fora a caixa e, acima de tudo, executar", reforça. No fundo, "menos conversa e mais execução" pois sem ações concretas não será possível garantir crescimento e criação de riqueza que permitirão, consequentemente, aumentar salários e tornar o país mais competitivo a nível global. "É preciso coragem para mudar porque está em causa o futuro do país e das nossas crianças", argumenta.
A questão dos salários é, na perspetiva de Pedro Amorim, um ponto essencial na mudança que é preciso incutir ao país. A este nível, a carga fiscal continua a ser um problema complicado para as empresas e um entrave à criação de valor, tão necessária. Por outro lado, a burocracia na contratação é, na opinião do responsável do ManpowerGroup, outro entrave à atração de recursos internacionais, uma forma que as empresas têm hoje ao seu dispor para colmatar a falta de recursos. "Com menos burocracia se calhar o país conseguia crescer mais 3% no PIB facilmente", acrescenta Tim Vieira que acredita que pequenas decisões estruturais podem gerar grandes resultados, "mas é preciso acontecer".
No novo paradigma do trabalho, impulsionado pela pandemia e pela entrada de uma nova geração, mais exigente, no mercado de trabalho, está a retirar o poder da contratação das mãos dos empregadores. "Esta nova geração exige compromisso flexível, propósito e proximidade", defende Pedro Amorim. O responsável recorda, por exemplo, que os modelos de gestão tradicionais geriam o talento todo como igual. Hoje, esta gestão tem que ser personalizada. "Cada pessoa é uma peça de um puzzle e tem que ser gerida como tal, e as empresas têm que ir ao encontro das expectativas de cada um". Esta abordagem, acredita, dá poder às pessoas na escolha da empresa que querem integrar. "As pessoas querem empresas que não estão só a trabalhar para os acionistas. Querem trabalhar para uma empresa que seja boa", complementa Tim Vieira que defende igualmente esta abordagem nas escolas. "Não é a criança que tem que adaptar-se à escola, mas a escola deve adaptar-se a cada criança".
Aliás, ambos os participantes defendem que é na mais tenra idade, e logo nos primeiros anos de escola que a abordagem educativa deve mudar. Os currículos escolares e académicos precisam de ser adequados às novas necessidades da sociedade e das empresas, com enfoque em soft skills que acentuem caraterísticas como a responsabilidade, autonomia, flexibilidade. E esta é, dizem, uma reforma que é urgente iniciar. No ensino superior, exemplificam, o país necessita de 30 mil engenheiros de software por ano e só consegue formar cerca de seis mil. "Se adequarmos a formação, vamos conseguir pagar mais a estas pessoas, o Governo vai ganhar mais impostos, vai haver mais dinheiro na economia, mas é preciso avançar", afirma Tim Vieira. O empresário defende ainda que Portugal tem que tirar partido de ser pequeno. "Gerido como uma empresa, o país podia ser um unicórnio porque temos o talento, somos flexíveis, estamos no centro do mundo, mas temos que acreditar e fazer acontecer", reforça.
A transformação das empresas, nomeadamente, ao nível digital foi o tema da conversa da tarde na conferência "Loures investe em si". Em palco estiveram Peter Villax, empresário e presidente da Associação de Empresas Familiares; Armando Militão, administrador da Valorsul; Pedro Cilínio, diretor de Investimento para a Inovação e Competitividade Empresarial do IAPMEI; e Bernardo Sousa, diretor executivo do Portugal Digital.
De entre as principais conclusões do debate, destaca-se a ideia de que, independentemente do seu nível de maturidade digital, as organizações não têm hoje como evitar a transformação com suporte nas tecnologias da informação. "As empresas que não quiserem mudar para crescer terão dificuldades em sobreviver", acredita Peter Villax.
Mas a transformação assusta, e a mudança é um fator de desconforto para qualquer ser humano. No entanto, como defende Bernardo Sousa, é preciso que as organizações consigam ultrapassar estes receios, nomeadamente, através dos seus líderes que devem ser capazes que conduzir as equipas neste processo. "É essencial ter esta capacidade de olhar para a frente".
Uma opinião partilhada por Armando Militão que reconhece o desafio de ultrapassar resistências à mudança. Na Valorsul, empresa que garante o tratamento de resíduos sólidos num universo de 1,7 milhões de pessoas, a transformação de uma atividade tradicionalmente pouco digital tem contado com algumas barreiras internas que gradualmente foram ultrapassadas. Aos poucos, admite o administrador, os colaboradores perceberam que a tecnologia auxiliava e tornava mais simples e eficientes as suas funções. Hoje, exemplifica, os trabalhadores orgulham-se de perceber que a sensorização dos caixotes do lixo lhes permite organizar as rotas de forma mais eficiente e não ter que passar num local onde não há lixo por recolher. A empresa conseguiu igualmente reduzir a utilização de papel, tornando um conjunto de processos digitais, o que facilita também o dia-a-dia dos colaboradores na área administrativa.
Porém, para muitas empresas, a possibilidade de se transformarem digitalmente depende muito de financiamento e de apoio estatal. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) visa dar uma ajuda a este nível, mas os processos nem sempre são simples. Peter Villax, na perspetiva de empresário, acredita que se trata de um bom programa, mas muito ambicioso e difícil de executar. "Portugal não estava preparado, quer do lado dos serviços de fiscalização, quer do lado da oferta de produtos de investimento, e isso introduziu múltiplos problemas no seu arranque como, por exemplo, o tempo", aponta.
Defendendo a "sua dama", Pedro Cilínio recorda que parte dos atrasos têm a ver com a elevada procura e com o aumento da dotação inicialmente prevista. "Tivemos o triplo das candidaturas e, no caso das Agendas Mobilizadoras, um investimento disponível de 930 milhões que cresceu para os 3 mil milhões". O responsável do IAPMEI reconhece igualmente a falta de recursos e as dificuldades em redimensionar a capacidade de resposta em tempo útil. "Temos 7 mil milhões de investimento com um processo que começou em 2021 e está a terminar agora. Demorou mais de um ano, mas é um valor muito elevado, e mais do que o IAPMEI gere no PT2020 em 7 anos", explica, acrescentando que "não é um processo fácil e todos os dias é feito um esforço, mas não se resolve tudo".