Petróleo em máximos de sete anos vai pressionar custos energéticos
O preço do petróleo Brent renovou esta quarta-feira máximos de sete anos, situando-se acima dos 88 dólares (à hora de fecho desta edição). A subida acentuada do preço do barril negociado em Londres, e que é referência para Portugal, também mexeu com os preços do WTI, negociado na bolsa de Nova Iorque, e que segue acima dos 85 dólares. O agravamento dos preços, segundo os especialistas consultados pelo DN/Dinheiro Vivo, coloca mais perto o cenário do Brent vir a custar 100 dólares, sendo que a escalada de preços vai colocar pressão nos custos da energia e combustíveis.
A explicar os novos máximos do Brent está o atual défice que resulta do desequilíbrio entre a oferta e a procura. Para o analista da XTB Henrique Tomé "a oferta não consegue corresponder à elevada procura, em conjunto com os cortes temporários de produção [de barris de petróleo] na Líbia e no Cazaquistão". Acresce a "situação tensa" no Médio Oriente.
Ontem, os preços do ouro negro dispararam após um ataque de drones a instalações de armazenamento de petróleo bruto nos Emirados Árabes Unidos, o terceiro maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), por rebeldes iemenitas. Um nota de research do Bankinter dá conta da relevância deste ataque, pois "gera temores de um ataque ao Estreito de Ormuz, por onde passa um sexto do comércio mundial de petróleo".
O episódio veio agravar os receios do mercado, que se debate com problemas de fornecimento de petróleo. Acresce a rutura de um oleoduto do Iraque para a Turquia, causado por um incêndio no oleoduto Kirkuk-Ceyhan, que transporta petróleo do Iraque, o segundo maior produtor da OPEP, para o porto turco de Ceyhan para exportação.
Soma-se a possibilidade de uma incursão militar russa na Ucrânia - com a União Europeia a ameaçar impor restrições à Rússia - o que afetaria o equilíbrio do mercado mundial de energia. Desde logo, porque ocupando a Ucrânia, a Rússia poderia quebrar o fornecimento de petróleo bruto para a Europa em cerca de 24% das importações. E , como lembra o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa, há "a tensão" entre a Alemanha e a Rússia por causa do gás natural (que pode ser um substituto do ouro negro), além da questão do gasoduto Nordstream 2, "que não arranca antes do segundo semestre do ano". O preço do gás natural também está a ser pressionado e, isso, realça Paulo Rosa, também impulsiona o preço do petróleo.
"Se as atuais circunstâncias se mantiverem inalteradas, pode-se esperar que o preço da commodity continue a valorizar, pelo menos se analisarmos num horizonte temporal a curto prazo", afirma Henrique Tomé.
Tudo isto reforça as expectativas de que o preço do petróleo Brent vai chegar aos 100 dólares, em 2022. "Há essa possibilidade", diz Paulo Rosa, referindo que a distância para esse teto é de apenas 12 dólares, neste momento. "Tudo irá depender da agudização ou de algum alívio das tensões no Médio Oriente ou das tensões geopolíticas que existem na Europa Central", argumenta o economista sénior do Banco Carregosa, lembrando que esse é um cenário para o curto prazo e que o mercado é volátil.
Admitindo o cenário dos 100 dólares, o analista da XTB, Henrique Tomé, reitera que é um cenário para o curto prazo, pois é "difícil estabelecer previsões coerentes a longo prazo". Mesmo assim, refere que o Goldman Sachs "espera que o preço do petróleo permaneça elevado durante os próximos anos", tendo apontado já para uma "eventual subida do Brent perto dos 96 dólares".
Mais perentória é a opinião dos analistas do Bankinter, cuja referida nota de research afirma que "o preço do petróleo permanecerá em patamares elevados nos próximos meses por diversos motivos". Primeiro, devido ao aumento da procura, em linha com a recuperação económica mundial, com a oferta a não responder na mesma linha. A OPEP aumentou a "produção mensal em mais 400 mil barris por dia para uma produção total de 28,4 milhões de barris diários (Mbd)", um nível ainda inferior aos 30,4 Mbd observados antes da pandemia de covid-19. Acresce, segundo o Bankinter, a "queda do investimento no setor", sobretudo devido à aposta nas energias renováveis, o que faz com que alguns países não consigam aumentar a produção de barris.
Perante este cenário, surgem duas questões: como se relaciona o agravamento dos preços com a inflação e, no caso de Portugal, qual será o impacto esperado nos combustíveis junto dos consumidores finais?
Paulo Rosa, do Banco Carregosa, afirma que "a inflação na Europa tem sido mais afetada pelo preço da energia [gás, petróleo e eletricidade]". Depreende-se, por isso, que em 2022 a inflação dependerá muito dos custos de energia, sendo que um encarecimento do petróleo não será bom sinal. No entanto, nota Henrique Tomé, o último relatório do Instituto Nacional de Estatística "mostrava que a subida generalizada dos preços não está apenas concentrada na subida dos combustíveis e está a alastrar-se para outros setores".
E quanto aos combustíveis? O analista da XTB admite que, "infelizmente" é expectável que este aumento dos preços do petróleo leve a um aumento dos combustíveis.
"É uma consequência obrigatória. As margens da cadeia de valor são relativamente apertadas, pelo que o aumento do custo da matéria-prima acaba por se refletir nos preços médios de venda ao público. Os produtos refinados podem não seguir no imediato a mesma tendência do Brent, mas em séries mais longas isso acaba por acontecer", afirma António Comprido, secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), relembrando que "a volatilidade é tão grande, que é muito difícil de fazer previsões".
Comprido nota, contudo, que a verificar-se um aumento dos preços dos combustíveis há outra questão a ter em conta: "Em Portugal estamos a viver uma certa artificialidade, do ponto de vista fiscal". O líder da Apetro refere-se à redução de até dois cêntimos por litro no ISP, ao congelamento da atualização da taxa de carbono e à falta de novas metas de incorporação de biocombustíveis em 2022. ""Há outros fatores que podem provocar subidas adicionais àquelas que resultam do aumento da matéria-prima", alerta.
Neste cenário, qual seria a solução para salvaguardar uma subida dos preços dos combustíveis no consumidor? "Em Portugal a elevada carga fiscal agrava a atual situação e o Estado não está disposto a abdicar das receitas provenientes deste meio. Como alternativa, é necessário que exista uma maior intervenção do regulador, uma vez que as gasolineiras também pouco fazem para travar a subida dos preços dos combustíveis que a longo prazo poderá trazer sérias consequências para a economia nacional, a começar pelo facto do consumidor perder desde logo poder de compra, e as empresas de transporte de mercadorias deverão também ajustar os preços dos seus serviços que acabaram por se sentir nos produtos finais", responde o analista Henrique Tomé da XTB.
jose.rodrigues@dinheirovivo.pt