Pandemia faz com que margens subam nos combustíves e governo quer intervir
A análise é da Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) e foi divulgada ontem, no mesmo dia em que o ministro do Ambiente e Ação Climática, João Matos Fernandes, foi ao parlamento anunciar que vai propor um decreto-lei para permitir ao governo intervir na margem dos comercializadores de combustíveis. O estudo "Análise da Evolução dos Preços de Combustíveis em Portugal" conclui que em 2020 e 2021 a margem média anual dos vendedores de combustíveis foi superior à média registada em 2019, período anterior à pandemia.
Entre o primeiro semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2021, a margem bruta da gasolina aumentou de 0,18 euros para 0,24 euros, subindo 33%, e no gasóleo passou de 0,19 euros para 0,21 euros, uma subida de 8%. Comparando março de 2019 com março de 2020, a margem bruta na gasolina subiu 39,28% (de 0,152 euros para 0,212) e no gasóleo 36,14% (de 0,163 euros para 0,222 euros). De março de 2020 a março de 2021 a margem bruta da gasolina aumenta 6,11% (para 0,225 euros) e a do gasóleo baixa 3,9% ((para 0,214 euros).
Para chegar a estas margens a ENSE analisou a evolução dos preços médios de venda ao público (PMVP) e comparou-a com a dos preços de referência que ela própria calcula, "pois ambos resultam da mesma estrutura de fatores que ajudam a explicar a formação dos preços ao consumidor, inclusive a fiscalidade", explica o regulador. A diferença entre o PMVP - dados a que o regulador tem acesso através da plataforma do Balcão Único da Energia - e o preço de referência calculado pela ENSE, resulta na margem bruta.
Olhando para os valores no momento atual, o regulador conclui que "os preços médios de venda ao público estão em máximos de dois anos em todos os combustíveis, sendo que esta subida é mais justificada pelo aumento dos preços antes de impostos e das margens do que pelo aumento do peso da fiscalidade".
No dia 30 de junho 2021, revela o estudo, a margem sobre a gasolina era superior à margem média praticada em 2019 em 0,069 euros, ou seja, aumentou 36,62% face aos níveis pré-pandemia. No gasóleo, a margem nesse mesmo dia aumentou ligeiramente, em 0,01€ euros, 5,08% acima da média de 2019.
No ano passado, o preço médio de venda ao público baixou para todos os combustíveis (exceto o GPL), por causa da quebra do consumo motivada pela pandemia, tendo recuperado neste ano. Por exemplo, na gasolina, em 2019, o preço médio anual por litro foi de 1,521 euros, em 2020, de 1,433 euros e, em 2021, (média de janeiro a junho) de 1,583 euros. No gasóleo, foi de 1,388 euros,1,281 euros e 1,401 euros, respetivamente.
Comparando com os preços de referência da ENSE, "a margem média calculada, para todos os combustíveis foi superior em 2020 relativamente a 2019. Em 2021, no geral, as margens médias reduziram-se, no entanto, continuam em níveis consideravelmente superiores que em 2019 para o gasóleo, gasolina e GPL Auto", conclui a ENSE.
As maiores margens foram registadas logo no início da pandemia, quando o coronavírus chegou a Portugal, em março de 2020. "Durante os meses críticos da pandemia foi evidente que os PMVP desceram a um ritmo claramente inferior à descida dos preços de referência, com as margens a atingirem máximos no período em análise (na gasolina com 36,8 cêntimos por litro a 23 de março de 2020 e no gasóleo com 29,3 cêntimos por litro a 16 de março de 2020)".
No entanto, ressalva o estudo, esta evolução "pode ser em parte explicada pela necessidade das empresas tentarem acomodar no aumento destas mais valias as perdas resultantes nos volumes globais de vendas devido aos confinamentos decretados". O documento sublinha que em abril do ano passado o volume total de vendas no retalho de combustíveis rodoviários caiu 49,82% face ao mesmo mês de 2019, depois de já ter caído 21,74% em março.
Para a Apetro - Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas esta é esta explicação para o aumento das margens, que permitiu que os postos de abastecimento se mantivessem abertos, apesar da redução drástica do consumo. "A indústria teve um comportamento exemplar, não pôs em causa a oferta à economia, mesmo com a quebra do consumo, o setor continuou em funcionamento, e isto teve custos acrescidos", diz o secretário-geral da associação, António Comprido.
"O foco nas margens é fácil de explicar", continua o responsável. "O setor manteve a oferta a 100%, não houve lay off, não houve despedimentos, não se fecharam postos, manteve-se tudo a funcionar apesar da quebra das vendas, o que implica um acréscimo de custos de operação com reflexo no preço de venda ao público". António Comprido considera "injusta a apreciação sobre a variação das margens", embora admita que possam existir casos pontuais de abusos.
Para pôr fim ao que considera "crescimento duvidoso" das margens, o ministro do Ambiente e Ação Climática disse ontem no parlamento que o governo vai intervir. "A área do Ambiente e da Ação Climática proporá, ainda hoje [ontem], um decreto-lei que permite ao governo atuar sobre as margens de comercialização dos combustíveis, de forma a que o mercado de combustíveis reflita os seus verdadeiros custos", disse João Matos Fernandes, citado pela Lusa.
Segundo o governante, o objetivo é que, sempre que se verifique uma descida dos preços da matéria-prima, "a mesma seja sentida e apropriada pelos consumidores ao invés de apropriada pelas margens de comercialização, evitando, ainda, subidas bruscas e, potencialmente, injustificadas".
Matos Fernandes afirmou que que as margens, " se não são abusivas, refletem pelo menos um crescimento duvidoso".
A Apetro responde, por sua vez, que "o objetivo do governo é desviar a atenção da questão fiscal", dizendo que "o facto é que a carga fiscal em Portugal é superior à média europeia". E adianta, relativamente ao decreto-lei mencionado pelo ministro, que não foi consultada pelo governo.
Com Lusa