Pacto. Despesa pública em defesa, energias verdes e digital pode não contar para o défice

"É uma medida que beneficia muito mais os países que têm margem orçamental e de dívida muito superior", disse Fernando Medina, que tem de lidar com uma divida pública superior a 110% do PIB, quase o dobro do teto máximo permitido pelo Pacto de Estabilidade.
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O aumento significativo que se espera na despesa pública do ano que vem e seguintes em áreas como segurança, defesa, transição energética dos combustíveis fósseis para energias verdes e gastos ainda maiores em tecnologias e iniciativas digitais devem ter um tratamento favorável à luz do Pacto de Estabilidade, quando este voltar a vigorar em pleno, em 2024.

Estas devem ser algumas das "orientações" que a Comissão Europeia vai transmitir esta quarta-feira (dia 9), em jeito de lançamento de ideias para o novo ciclo do semestre europeu (coordenação de politicas orçamentais e económicas, agora relativa a 2023), que será iniciado mais no final deste mês de novembro.

A prioridade aos investimentos em defesa, segurança, transições verdes e digitais, já tinha sido relevada no discurso do Estado da União, proferido por Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, em meados de setembro (dia 14).

Os muitos milhares de milhões de euros que estão a ser e vão ser mobilizados pelos orçamentos públicos dos vários países do euro para aquelas áreas referidas de segurança, defesa, energias verdes e tecnologias digitais poderão assim vir a beneficiar de um desconto, um tratamento preferencial, ou nem sequer contar para o cálculo do saldo orçamental e da dívida pública.

Ou seja, o gasto existe, mas isso não se deve refletir ou gerar mais défice orçamental ou elevar o endividamento público aparente.

A Comissão Europeia e Von der Leyen vão fazer a sua proposta inicial, indicando as tais linhas orientadoras para depois os governos debaterem entre si e chegarem a um acordo e um modelo mais reformado do Pacto de Estabilidade, um conjunto de regras inventado há cerca de 30 anos.

Portugal contra borlas: não servem, país tem uma dívida enorme

Portugal diz estar contra futuras regras que "excluam" certos investimentos das regras do défice e da dívida (quando estas voltarem a ser aplicadas em pleno em 2024) porque isso beneficia mais os países com margem orçamental e dívida baixa.

Se é verdade que Portugal (as Finanças do ministro Fernando Medina) está a reduzir o défice (que já está abaixo de 3% do PIB e que no ano que vem pode chegar a 0,9% segundo quer o governo), o País continua a enfrentar um problema pesado na dívida, tendo em conta o que vai ser exigido pelo Pacto de Estabilidade.

A dívida até parecer estar a cair rapidamente, mas continua muito acima do teto máximo exigido no Pacto que é 60% do produto interno bruto (PIB). Este ano, Medina diz que o peso da dívida cai para 115% e que em 2023 é capaz de chegar a cerca de 111%.

Problema: um país com uma dívida desta dimensão tem poucos graus de liberdade para se endividar de modo a puxar ou alavancar os investimentos desejados por muitos em segurança, defesa, energias verdes e meios digitais.

Por isso, o ministro Medina afirmou esta terça-feira, à margem do Ecofin (conselho dos ministros das Finanças da União Europeia) que a "exclusão" de certos investimentos não é o caminho correto.

Aparentemente, ajuda mais a dar borlas aos países com margem e deixa para trás os mais endividados, por exemplo.

"Essa é uma medida que tem de ser vista com cautela e com ponderação, porque é uma medida de exclusão de determinado tipo de despesas da conta do défice. É uma medida que beneficia muito mais os países que têm uma margem orçamental e uma margem de dívida muito superior à dos outros", disse o governante português, citado pela Lusa.

Em vez de exceções, um mecanismo comum de investimento

Medina defende antes que se criem fundos ou instrumentos de investimento, "instrumentos comuns do ponto de vista financeiro da União", como por exemplo um mecanismo "financeiro permanente" para fazer face a situações de crise como a atual.

"Creio que esta solução é uma solução preferível à de se permitir uma exceção do ponto de vista dos limites da dívida ou do défice porque introduziria um fator de desvantagem face aos países que estão em melhor situação", insistiu Medina.

Sobre o regresso em força das regras do Pacto em 2024, o ministro, citado pela mesma agência, repetiu que "Portugal cumpriu integralmente essas regras e ultrapassou aquilo, aliás, que estaria estritamente obrigado a fazer".

"Portugal está bastante confortável com os vários debates e com as várias linhas que se têm ouvido no debate relativamente às novas regras" orçamentais da UE, mas estas têm de "ser adequadas face à realidade económica que os vários Estados-membros estão a viver hoje, depois da crise financeira, depois da crise da pandemia, com uma dívida pública muito elevada", pediu o ministro, em Bruxelas.

Primeiro pandemia, depois guerra, inflação e recessão

Recorde-se que as traves mestras do Pacto de Estabilidade, que visam a disciplina orçamental (redução dos défices/reforço dos excedentes orçamentais e redução da dívida pública) dos países da União Europeia, especialmente os da zona euro, foram declaradas suspensas logo no começo da pandemia em 2020.

Em maio passado, esse quadro de exceção foi prolongado por mais um ano (até 2023) devido à guerra e à inflação.

Nessa comunicação sobre o novo ciclo do Semestre Europeu (pacote com as avaliações económicas orçamentais dos 27 países da União), a Comissão referiu que "considera que estão preenchidas as condições para manter a cláusula geral de salvaguarda do Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2023 e para a desativar a partir de 2024".

Esta cláusula -- que liberta os países de sanções caso violem a regra de 3% do PIB (produto interno bruto) no défice e de 60% na dívida -- foi ativada em 2020. Na prática, suspendeu a necessidade de os países observarem as regras principais nas contas públicas e de serem julgados ou censurados por isso.

Com isso, escreveu o Dinheiro Vivo na altura, concedeu-se aos países (governos) mais margem de manobra para poderem gastar fundos públicos e aumentar o seu endividamento de modo a contrariar a crise pandémica que se abateu sobre as economias na sequência dos confinamentos e fortes restrições impostas para tentar travar a covid-19.

Segundo Bruxelas, "a ativação continuada da cláusula em 2023 proporcionará margem para a política orçamental nacional reagir prontamente quando necessário, assegurando ao mesmo tempo uma transição suave do apoio alargado à economia durante os tempos da pandemia para um foco crescente em medidas temporárias e orientadas e na prudência orçamental que vai ser necessária para assegurar a sustentabilidade a médio prazo."

Agora, falta pouco mais de um ano para desativar o mecanismo protetor dos mais endividados, como Portugal, país que espera uma travagem da economia para apenas 1,3% de crescimento em 2023, segundo dizem as Finanças.

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