OE 2022. Milhões para a saúde são "poucochinho"
Os 700 milhões de euros que estão orçamentados para a área da saúde não chegam para suprir as necessidade do Serviço Nacional de Saúde. Esta é a opinião de representantes do setor, que argumentam que a verba será absorvida pelas necessidades de execução de anos anteriores, nomeadamente os últimos dois anos de pandemia.
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros é uma das vozes críticas. Ana Rita Cavaco diz mesmo que não vê "nada positivo" no OE 2022. "Vejo aquilo que é igual relativamente aos outros anos", afirma. Desde logo porque, diz, não é possível saber se o anunciado reforço de 700 milhões para o setor da saúde efetivamente é um reforço - dependerá do valor da execução orçamental. "No final deste ano de pandemia, que ainda não acabou, haverá 300, 400 ou 500 milhões de euros a mais [de custos] do que estava orçamentado", assegura ao DN.
Também o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) se manifestou esta terça-feira desapontado com as medidas do Orçamento do Estado para 2022, lamentando que o governo se "preocupe mais em propagandear" do que em concretizar medidas para a saúde. Como "primeiro aspeto de desapontamento", Jorge Roque da Cunha refere a proposta de aumento de 703 milhões de euros para o setor, com uma dotação de despesa total consolidada de 13.578,1 milhões de euros em relação ao que é executado.
"Nós chamamos a atenção para este aspeto porque todos nos lembramos das cativações que existiram na altura do Dr. [Mário] Centeno [ex-ministro das Finanças e hoje a liderar o Banco de Portugal] em relação àquilo que é orçado", vinca o dirigente sindical. No mesmo sentido vai a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), considerando que as medidas anunciadas no OE "não são proporcionais" às necessidades do SNS em termos de médicos e criticando o que está previsto para a remuneração das horas extraordinárias.
O OE 2022 estabelece que os médicos especialistas que façam mais de 500 horas anuais de trabalho suplementar para garantir o funcionamento das urgências hospitalares possam ter um acréscimo de 50% sobre a remuneração. Ana Rita Cavaco lembra que não está claro se "os incentivos à fixação e à exclusividade" que constam no OE 2022 se destinam apenas aos médicos ou a todos os profissionais de saúde. "Há muito tempo que defendemos a exclusividade" para os enfermeiros, frisa.
"É ridículo, é má gestão, pagar horas extraordinárias é mais caro do que abrir concursos para contratar", diz. E lembra mesmo ao DN que nos últimos cinco anos tem sido paga "uma brutalidade de horas extraordinárias" e nos dois últimos, "com a pandemia, é mesmo assustador".
Sobre os profissionais sob o chapéu da sua Ordem, a bastonária dos Enfermeiros garante que o OE "não tem incentivos nenhuns à retenção" dos enfermeiros em Portugal e que "metade dos formados" estarão a emigrar. "Não há incentivos nenhuns à retenção, nem vejo onde é que possa caber, em termos de dinheiro, alguma coisa para formação especializada de enfermeiros, para valorização ou melhoramento das condições de trabalho que temos." A bastonária lembra que Portugal está "a exportar enfermeiros para o estrangeiro", está "a gastar dinheiro, como país, para que os outros países depois venham cá buscá-los com ofertas muito boas", porque, lamenta, são formados anualmente "cerca de três mil enfermeiros que não são contratados" - e "mais de metade emigram, porque o Estado nem abre concursos".
Portugal continua "a ter praticamente os mesmos rácios" de enfermeiros por habitante (4,6 por cada mil) que tinha antes da pandemia e que estão "claramente abaixo do que devia ter", diz, apontando médias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). "Não vale a pena dar autonomia aos hospitais" para contratar se depois não há um aumento efetivo dos seus orçamentos, nota a bastonária. E na atual conta do Estado não vislumbra caminhos para que se abra concursos para enfermeiros de cuidados gerais ou especialistas, para reforço das carreiras ou da contratação.