Rui Nabeiro. O homem que não recusava emprego a ninguém
Campo Maior decretou 5 dias de luto pelo homem que projetou a terra no país e no mundo. Rui Nabeiro suscitou um pesar unânime de todos os quadrantes da sociedade que se vergam ao ver nele "uma referência" ímpar entre as personalidades maiores no mundo empresarial, mas também pelo seu humanismo
À conversa com os amigos, Rui Nabeiro orgulhava-se de ter começado o negócio com o pai, a fazer contrabando de café para Espanha. "Chegava a torrar o café numa frigideira." Mas cedo teve de assumir o lugar do progenitor, aos 17 anos, e ficar à frente da Torrefacção Camelo, uma sociedade familiar. Em 1961, criou a Delta Cafés, hoje um grupo com quatro mil trabalhadores, mais de 20 empresas e presente em 40 países.
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O homem que ontem morreu no Hospital da Luz, em Lisboa, aos 91 anos, na sequência de problemas respiratórios, foi recordado por todos os quadrantes da sociedade como um empresário singular, merecedor dos mais altos elogios, pela sua personalidade, percurso profissional e obra que feita.
As cerimónias fúnebres de Rui Nabeiro iniciam-se nesta segunda-feira, com velório a partir das 12.00 horas na Igreja Matriz de Campo Maior. A missa de corpo presente será realizada na terça-feira, pelas 12.00 horas, na mesma igreja, seguindo-se o cortejo fúnebre em direção ao Cemitério Municipal de Campo Maior.
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A câmara local decretou cinco dias de luto e a de Elvas três dias. Os trabalhadores do grupo também vão parar três dias em homenagem ao fundador.
De sorriso afável permanente, mesmo num primeiro contacto, era como se conhecesse a pessoa desde sempre, e assim gerava a empatia própria e necessária para quem ambicionava singrar na vida e queria ser lembrado "como uma referência".
"Não havia ninguém a quem recusasse emprego. Quando lhe iam pedir, ninguém ficava sem emprego. Às vezes, era a família inteira", recorda Capoulas Santos, deputado, ex-dirigente socialista e antigo ministro da Agricultura, a quem a política e o Alentejo tornaram próximo o relacionamento com o empresário.
Outros amigos contam que "quando tinha trabalhadores a mais, criava um novo negócio para os empregar, em vez de os mandar embora". Como vivia junto à fábrica, no Monte das Argamassas, em Campo Maior, todos os dias, se levantava cedo e ia percorrer a produção, cumprimentando cada trabalhador, a quem se dirigia pelo nome. "Era de uma dedicação impressionante com as pessoas", diz quem o conheceu de perto.
Marketing precursor
"O que mais me impressionava" - refere o deputado alentejano - "era que criava emprego e continuava competitivo, mesmo perante um concorrente mundial, como a Nestlé. Fazia uma gestão contra todos os cânones e triunfava". Onde estaria o segredo? "Penso que assim conseguia ter as pessoas motivadas."
Mas a sua atenção não era apenas com os trabalhadores, Capoulas Santos recorda-se de Rui Nabeiro lhe ter contado que organizava umas festas anuais, onde acolhia os clientes do sul, os do norte e os do centro, que em fins de semana sucessivos esgotavam a hotelaria na região.
E, nas viagens, fazia questão de parar em todos os cafés "Delta", numa verdadeira estratégia que hoje se diria de marketing, para conhecer os clientes, a quem oferecia os toldos de propaganda - produzidos numa empresa que criou para o efeito.
Tomava o café, cujo sabor ele próprio ajudava a definir, fazendo questão de provar os blends que iam sendo criados no laboratório.
Mas não se limitou à distribuição do café em Portugal e Espanha. Os países de língua portuguesa foram destinos preferenciais, mesmo durante o período da Guerra Colonial, onde ainda hoje é possível ser surpreendido por um café Delta nos lugares mais inesperados de Angola, Moçambique...
A par dos PALOP, seguiu os passos dos emigrantes e assim ajudou a criar o Mercado da Saudade, que outros empresários seguiram depois.
No caso de Timor-Leste, disponibilizou-se para comprar a produção local de café, para ajudar a economia na fase da transição para a independência, o que acabou por não se concretizar, uma vez que os mercados já estavam definidos, embora Rui Nabeiro tenha aí iniciado uma campanha de promoção do território, criando o Lote "Timor", um gesto que o presidente Ramos-Horta recordou ontem, lembrando o empresário como um "homem bom e generoso".
O caminho empresarial foi crescendo e hoje a sucessão está assegurada, com o neto Rui Miguel Nabeiro na presidência executiva do grupo, agora uma estrutura multifacetada (ver texto mais à frente).
Experiência autárquica
"Era muito ativo, muito atento, e muito feliz por participar na causa pública. Era intuitivo - ele só tinha a 4.ª classe", assinala, ainda o antigo ministro, que o conheceu quando Rui Nabeiro foi eleito presidente da Câmara Municipal de Campo Maior pelo Partido Socialista, em 1977, tendo-se mantido no cargo até 1986.
Antes disso, já tinha sido nomeado para o mesmo cargo, ainda antes do 25 de Abril (1962-1972).
Na terra local, a ação do empresário não se limitou à vertente económica. São conhecidos os seus gestos de beneficência, com destaque para a criação do Centro Educativo Alice Nabeiro, para dar resposta às necessidades extraescolares das crianças.
O retorno pela sua dedicação à promoção do desenvolvimento e bem-estar da sociedade começou a chegar sob diversas formas e em várias áreas.
Há cerca de 12 anos, teve a rara oportunidade de ficar a conhecer, ainda em vida, a estátua erguida em sua homenagem em Campo Maior e com ela conviver ao longo destes anos. Mas as provas de reconhecimento do seu legado acabaram por multiplicar-se a nível nacional e internacional.
Por cá, Mário Soares, enquanto Presidente da República, atribuiu-lhe, em 1996, o grau de Comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial - Classe Industrial. Mais tarde, em 2006, foi novamente distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
Em Espanha, foi honrado com a insígnia da Comenda da Ordem de Isabel a Católica, em 2009, tendo no ano seguinte sido nomeado cônsul honorário de Espanha, com a jurisdição de Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja.
As universidades também não ficaram alheias à sua obra. Recebeu dois Doutoramentos Honoris causa, o primeiro, em 2012, em Ciência Política, atribuído pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; e o segundo, no ano passado, pela Universidade de Coimbra, sob proposta da Faculdade de Economia, pelo seu "indiscutível mérito profissional e qualidades humanas que constituem uma referência inspiradora para toda a sociedade".
Múltiplos reconhecimentos
A Universidade de Évora criou, em 2009, a Cátedra Rui Nabeiro, destinada à promoção da Investigação, do Ensino e da Divulgação Científica na área da Biodiversidade.
Houve, igualmente, autarquias que o distinguiram. Foi o caso de Coimbra, onde recebeu a Medalha da Cidade; de Lisboa, com a Medalha de Honra da Cidade; e Vila Nova de Gaia, onde lhe atribuíram a Chave da Cidade.
Também o Exército o reconheceu com a Medalha de D. Afonso Henriques - Mérito do Exército.
No ano passado, o estudo anual RepScore, da Consultora OnStrategy , considerou-o "o líder mais relevante e com melhor reputação de Portugal".
Ontem, as homenagens póstumas prosseguiram em palavras, das mais altas figuras na nação, aos partidos políticos de todos os quadrantes, sem faltar nas homenagens dos empresários, dos autarcas e até dos grandes clubes de futebol, ou mesmo de figuras da Cultura e do Ensino.
De todas as palavras ecoou um "obrigada" em uníssono, dito de várias maneiras, mas que o escritor José Luís Peixoto sintetizou: "Perdeu-se alguém muito especial".