O Brasil das empresas portuguesas vai ter dificuldade em promover reformas

A vitória de Bolsonaro traz o mesmo dilema que traria a de Haddad: as prioridades da economia vão ter marcha lenta num Congresso fragmentado.
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A Galp já tirou mais de 100 milhões de barris de petróleo do Brasil e planeia continuar a aumentar a produção. A EDP Brasil está a vender ativos, mas espera crescer no próximo ano até 3% no mercado de energia elétrica. A Sonae Sierra Brasil, com nove centros comerciais, estuda a fusão com a Aliansce, a segunda maior administradora no grande retalho do país. A subsidiária brasileira da Mota Engil tem novos contratos este ano, com a Petrobras. Outras empresas, como a consultora de engenharia Coba, viveram quebras nos últimos anos, mas esperam começar a recuperar.

Muitas destas empresas mantêm presença de décadas no Brasil, que em 2017 viu recuperar o investimento direto externo com fluxos de 62,7 mil milhões de dólares a entrarem, segunda a UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas Sobre o Comércio e o Desenvolvimento. Mas os fluxos portugueses para o país não têm crescido. No ano passado, o investimento direto português em território brasileiro ficou-se pelos 146,5 milhões de euros - menos de metade do registado em 2016, nos dados da AICEP.

Depois da recessão, o Brasil voltou ao crescimento e apresenta-se como um dos principais destinos de investimento nos mercados emergentes. E se o período de incerteza política associados às eleições deste domingo toldou em parte a vista para o horizonte económico, os mercados têm reagido até aqui com entusiasmo à esperada vitória de Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal, que acabou por confirmar-se com 56% dos votos na segunda ronda eleitoral. O índice da bolsa de São Paulo, o Ibovespa subiu perto de 13% desde o início do ano. Também o real, uma das moedas emergentes sacudidas nos últimos meses lado a lado com a alta do dólar, tem vindo a recuperar terreno ao longo das últimas semanas.

Mas do lado das empresas portuguesas quase nenhuma arrisca prever o que será o futuro das suas operações uma vez resolvido o cenário presidencial, ou tão pouco traçar planos a médio prazo. Ao Dinheiro Vivo, os nomes maiores do investimento português no Brasil declinam fazer qualquer comentário.

A Coba, consultora de obras e barragens que tem no Brasil como clientes empresas de capital espanhol, português, chinês e francês, é exceção. Ainda com as eleições em aberto, deu como certas as dificuldades de implementação das agendas económicas de qualquer dos candidatos que se apresentaram a votos perante a dispersão de forças pelos 35 partidos reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral brasileiro e pela forte fragmentação do Congresso, onde a bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados reúne 56 assentos e a do Partido Social Liberal do Presidente eleito conta 52. É uma posição relativa pouco superior a 10% no órgão onde se sentam 513 deputados.

"Para aprovar as principais leis do país, sobretudo as reformas, precisam ser feitos muitos acordos e muitas concessões, com custos de grande monta para o país", diz Ricardo Teixeira Oliveira, diretor da empresa de engenharia no Brasil, ao Dinheiro Vivo.

"Não é certo que o próximo Presidente do Brasil venha a conseguir levar adiante todas as suas políticas - anunciadas em campanha-, o que traz alguma incerteza quanto ao rumo na economia do país", afirma, destacando ainda que "ao longo das diversas legislaturas estes dois partidos, ou o PT e Bolsonaro, de posicionamento político oposto, têm votado juntos muitas vezes contra algumas das propostas mais estruturantes para o país".

Ajustamento é prioridade

Para Bolsonaro, a prioridade será o ajustamento económico, segundo declarou o seu número dois, Hamilton Mourão, horas antes de serem conhecidos os resultados eleitorais. A dívida pública brasileira superava em julho um valor equivalente a mais de 800 mil milhões de euros (3,7 biliões de reais), e os programas dos diferentes candidatos da primeira ronda das presidenciais identificavam de forma transversal o tema nos topo dos respetivos programas, com diferentes soluções.

O programa económico do Presidente eleito este domingo, desenhado pelo economista liberal Paulo Guedes, apresenta como principal medida uma redução de 20% da dívida com recurso a privatizações, à entrega de concessões e venda de imobiliário do Estado. Bolsonaro quer privatizar a maioria das estatais brasileiras, mas excluiu já este mês a Petrobrás da venda dos ativos, e também pretende entregar infraestruturas a grupos privados.

Alguns economistas têm no entanto manifestado dúvidas quanto à capacidade de concretização das propostas. "Existe espaço para uma privatização que ajude na transição. A questão é o valor necessário para fazer essas mudanças. Não há uma estimativa precisa de quanto é que essas propostas vão exigir de dinheiro. Um segundo aspeto é o que é de facto preciso para vender essas empresas - a privatização não é fácil, tem uma burocracia grande - e, depois, quanto é que elas arrecadariam. Alguns números que circularam na imprensa me parecem um tanto ou quanto exagerados", dizia no início deste mês ao Dinheiro Vivo Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IFGV-Ibre).

A dificuldade em fazer passar qualquer reforma no Congresso é o outro problema já identificado. "As medidas fiscais são muito difíceis de serem executadas. Porquê? Porque será preciso um consenso. Vários dos gastos governamentais estão constitucionalizados. A dificuldade é a de fazer um ajustamento num ambiente no qual não vai haver muita margem de manobra no Congresso", segundo Barbosa Filho.

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