"Ninguém fez contas" ao que o país vai perder com "a morte do AL" 

Eduardo Miranda, líder da Associação para o Alojamento Local em Portugal, diz que regras "desproporcionais e imorais" vão destruir turismo e inovação. E alerta para leis que contradizem regulamento europeu em preparação. Alojamento Local entregou petição para travar pacote.

"O pacote Mais Habitação vai resultar em menos habitação, menos turismo, menos emprego, menos economia. Não atinge os objetivos para a habitação e tem potencial para destruir o principal fator de crescimento do país. Vai ser um desastre." Quem o garante é Eduardo Miranda, que lidera a Associação para o Alojamento Local em Portugal (ALEP), vincando que as novas regras têm potencial para matar o Alojamento Local (AL) e dar uma machadada brutal no setor do turismo, que tem puxado pela economia.

É tudo isto também que é destacado na petição que ontem um grupo de empresários e apoiantes do AL entregou na Assembleia da República e que, em 72 horas, juntou perto de 10 mil assinaturas. No dia em que o programa Mais Habitação foi votado na generalidade no Parlamento e baixou à discussão na especialidade, quiseram mostrar "a sua preocupação e descontentamento" perante uma "proposta de alteração legislativa e fiscal que ameaça" o setor e terá "efeitos brutais" no turismo.

Mas esta é apenas uma das formas através das quais o AL está a agir para travar as novas regras. "Dada a seriedade do tema, estamos em todos os tabuleiros", assume Eduardo Miranda, explicando que tem tentado sensibilizar todos os partidos, mantemos também a porta aberta para diálogo com o governo, de quem espera "bom senso", apesar da inflexibilidade demonstrada até agora. Também Bruxelas foi alertada para o que considera "uma afronta à livre iniciativa", e se tudo o mais falhar, haverá os argumentos legais, estando o pacote sujeito a uma "análise jurídica a pente fino", confirma, em entrevista ao DV.

"O AL representa 42% de 100 milhões de dormidas em Portugal", refere (veja caixa), lembrando que a despesa com alojamento é apenas um quarto dos gastos feitos pelos turistas para concluir que o potencial destrutivo é três vezes maior do que o que diretamente afeta o AL, estendendo-se aos restaurantes, comércio, cultura, etc. "Dos 22 mil milhões que os turistas estrangeiros que recebemos gastaram aqui no ano passado, 8,5 mil milhões vêm de clientes de AL, é 3,5% do PIB que estamos a pôr em causa", vinca.

"Para acomodar todos estes turistas, seria preciso abrir 2 mil hotéis - isso sim, teria efeito desastroso na habitação, além de que estaríamos a padronizar a totalidade da oferta." Lembrando ainda a flexibilidade garantida pelo AL em momentos específicos, como concertos ou eventos como a Jornada Mundial da Juventude ou a Web Summit, Eduardo Miranda conclui: "Ninguém aqui fez as contas."

Regulamento europeu tem como base o AL português

Em entrevista ao DV, o presidente da ALEP destaca mais incongruências num pacote para a habitação que implode as regras portuguesas para o AL, as mesmas que Bruxelas "considerou tão equilibradas que lhe serviram de modelo" para desenhar o regulamento europeu que está em preparação e deve entrar em vigor no final deste ano.

Nomeado no ano passado presidente da associação internacional do setor, a European Holiday Home Association, Eduardo Miranda tem ajudado a esses trabalhos. "E agora Portugal dá esta guinada, criando regras desproporcionais, atropelando o poder local e sem se suportar em quaisquer estudos ou dados que demonstrem o impacto pretendido na habitação", lamenta, adiantando que as medidas entram mesmo em contradição com a nova legislação que está em construção na Comissão Europeia.

Tal como o DV escreveu, a interferência do Mais Habitação nas regras do AL tinha de ter sido comunicada previamente pelo governo a Bruxelas, o que não aconteceu, continuando a Comissão "à espera de esclarecimentos". Até para poder dar resposta às questões colocadas pelos eurodeputados do CDS e do PSD sobre a adequação do pacote às regras europeias. Entre a desproporcionalidade, as incongruências legais e os abusos fiscais, Eduardo Miranda acredita que há forte probabilidade de estas medidas levarem o mesmo fim que levou o pacote irlandês, chumbado por Bruxelas por desrespeitar as leis da concorrência e a Diretiva dos Serviços.

Medidas para matar setor

Ao DV, o presidente da ALEP elenca as medidas em causa, que diz terem sido desenhadas para "matar o AL a curto e a médio-longo prazo, asfixiando o turismo e condenando-o à estagnação e ao declínio". Além do IMI agravado, que garante deixar já no vermelho muitos proprietários - sobretudo pequenos, a maioria, com uma casa em AL -, uma boa fatia será obrigada a deitar a toalha ao chão. E isso não se traduzirá em mais casas para arrendar, acredita. "Mata-se uma parte importante da oferta com a possibilidade de os condomínios poderem, a qualquer momento e sem razão, fechar um AL que funcione num apartamento de um prédio habitacional". Depois, há a contribuição especial (CEAL), que está mesmo a ser analisada pelos advogados da ALEP. A "taxa Medina cria uma dupla tributação que asfixia quem fica", diz, e tem contornos "imorais e inconstitucionais", uma vez que se taxa a 20% não o lucro mas uma receita estimada, "sem levar em conta se se trata de uma casa que opera todo o ano ou não, estendendo-se a todos os apartamentos da faixa litoral e que pode até estar a ser cobrada tendo o proprietário prejuízos".

Miranda destaca ainda os efeitos da intransmissibilidade que o governo quer impor aos AL: "Se o gestor não pode mudar porque a licença é cancelada, e estando vedada a emissão de novas licenças, casas que saiam do AL não voltam. E isto não terá efeitos no mercado da habitação, porque em muitos casos (70% dos AL fora das duas maiores cidades) estamos a falar de casas de férias ou de T1 que rondam os 30m2, em Lisboa e Porto (50%), que não servem para as famílias. Portanto, o potencial para a habitação é nulo e o de destruição de valor económico é gigantesco." E conclui: "Isto é um número político."

Competitividade ameaçada

Tudo isto, acredita o líder da ALEP, terá também consequências na inovação, competitividade e diversidade que o AL trouxe ao setor. "Quem é que vai investir na qualificação, em sustentabilidade, em empregos fixos e estáveis, sabendo que o seu AL pode fechar a qualquer momento? Como podemos querer ser líderes em sustentabilidade e competitividade em turismo se ninguém vai investir? Com estas medidas, todos os anos vamos ser menos competitivos e inovadores no turismo."

O responsável considera, por isso, que o Mais Habitação não apenas impede a evolução como condena o setor turístico à decadência: "Os que sobrarem não vão ter capacidade de modernizar-se, nem vão querer investir, sabendo que em 2030 as licenças caducam e ninguém sabe o que virá a seguir - será a Carta Habitação, que ainda está para ser criada, a definir as regras."

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