Medina promete usar folga do novo Orçamento contra "cenários adversos" em 2023
Fernando Medina, ministro das Finanças, apresentou ontem, segunda-feira dia 10 de outubro, o seu segundo Orçamento do Estado (OE), o OE2023. Garantiu que, caso seja necessário, o governo vai usar as margens que tenha para combater uma eventual crise, "um cenário adverso" no ano que vem.
Nunca proferiu a palavra "recessão" ou "estagnação", mas prometeu que, se for preciso, já em 2023, pede uma autorização de despesa pública maior do que a que está na lei deste OE ou um teto de endividamento superior. Um OE retificativo.
E disse estar ciente de que existe "uma degradação do contexto externo", mas que "os fatores de confiança a nível interno" podem travar embates mais adversos.
É por isso que neste OE 2023 o crescimento real da economia perde gás mas ainda se mantém à tona (1,3%), o emprego não cai (mas sobe apenas 0,4%) e a taxa de desemprego fica incólume num valor historicamente baixo, de 5,6% da população ativa.
"Nenhuma despesa fundamental e nenhuma emissão de dívida deixará de ser feita por capricho orçamental, para não fazer um orçamento retificativo", atirou o ministro.
Orçamento com plano B para cenários piores
Em todo o caso, apesar de ser um cenário que ainda nem sequer é admitido no quadro macro, deve ser uma tarefa fácil para Medina. Com maioria absoluta no Parlamento, o PS quase de certeza dará o que Fernando Medina precisar e entender para amparar a economia se a situação se degradar.
Nesta nova proposta de OE, o défice público volta a cair (tanto quando em 2022), há novos impostos, há alívios no IRS, há atualização das pensões, da massa salarial da função pública e medidas para apoiar a natalidade, há um crescimento explosivo do investimento público (depois de ter ficado abaixo da meta, outra vez, em 2022), mas a inflação prevista é de 4%.
"É uma inflação elevada", mas é a única referência admitida. Não há margem de erro incluída nesta parte delicada que é a evolução dos preços no cenário macroeconómico, nem para cima, nem para baixo.
Na conferência de imprensa que decorreu à tarde, no Terreiro do Paço, em Lisboa, uma das mais longas dos últimos anos, o governante explicou que as "contas certas" e a redução do défice em que se continua a insistir e no corte a fundo do peso da dívida pública, ainda muito grande em termos internacionais, tem um segundo propósito: não é só para respeitar as regras europeias e tranquilizar credores e avaliadores.
Medina disse que "não adotaremos qualquer política orçamental pró-cíclica", isto é, se vier uma estagnação ou mesmo recessão ou se o crescimento previsto neste novo OE 2023 for mais baixo do que os 1,3% do governo, não vai ser o governo a piorar ainda mais as coisas.
No limite, pode não ir tão longe na redução do défice, que terminará 2022 num valor equivalente a 1,9% do produto interno bruto (PIB) e cuja meta para 2023 está traçada nos 0,9% do PIB.
Medina parece ter algumas folgas ou margens que ficam de 2022 ou que são geradas pelo facto de certas medidas estarem em vias de serem descontinuadas.
O investimento público deste ano, por exemplo, deve ficar mais de 2,3 mil milhões de euros abaixo do que o próprio Fernando Medina estimou no seu primeiro OE, em abril.
O ministro explicou que o vagar na libertação do investimento público, muito ligado aos processos de aprovação dos fundos europeus e, sobretudo, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), é algo natural. Depois também houve quase que uma paragem "na máquina" pública, na sequência da marcação de eleições antecipadas, considerou o governante.
Assim, em 2023 o investimento público pode disparar mais de 36%. Medina considera isso normal, na medida em que muitos projetos públicos e privados que dependem do financiamento europeu vão entrar finalmente em "velocidade de cruzeiro", informou. Seja como for, se for preciso mais para assistir famílias e empresas em problemas "fundamentais", "deixaremos a política orçamental atuar".
"No caso de um abrandamento mais significativo da economia, estamos mais preparados para podermos reagir a cenários adversos", reiterou.
Esmagar défices pode dar frutos
Lembrou que se de 2016 a 2021 o défice tivesse sido sempre 3% do PIB, e não mais baixo do que foi, "hoje estaríamos a pagar em juros da dívida pública mais 1300 milhões de euros". "Ou seja, seria mais 2500 milhões em juros em 2023", contabilizou Medina, valor que colocaria as finanças portuguesas numa posição mais delicada e questionável. É essa a ideia.
Mesmo assim, com contas certas e o fardo da dívida a descer de forma significativa, a fatura dos juros a pagar aos credores oficiais e privados (bancos e fundos de investimento) deve subir de 5060 milhões de euros em 2022 para 6257 milhões de euros no final do próximo ano, estima hoje o Ministério das Finanças.
Se a inflação de 4% em que Medina faz fé sai dos eixos e é mais alta, a tendência é que as taxas de juro decididas no mandato anti-inflação do Banco Central Europeu (BCE) e da banca, por arrasto, venham a ser muito superiores face aos valores atuais.
Em contabilidade nacional, a que depois permite calcular o défice previsto de 0,9% do PIB em 2023, o que conta para as agências de rating e avaliadores como a Comissão Europeia, ESM e FMI, as Finanças mostram que a redução do desequilíbrio orçamental do ano que vem continua a ser toda ela feita pela subida da receita.
A coleta pública total, mesmo com alívio na carga fiscal pura (só impostos diretos e indiretos), sobe 5,9% em 2023. A despesa avança 3,7%, puxada pelo salto de quase 37% no investimento público, de 5,5 na despesa com pessoas e de 24% nos juros.
Num ambiente de incerteza e guerra imparável na Ucrânia, o cenário das Finanças conseguiu passar pelo crivo do Conselho das Finanças Públicas.
A entidade de Nazaré Costa Cabral disse que, tendo em conta "a informação atualmente disponível e ponderando os riscos identificados, o CFP endossa as previsões macroeconómicas" do ministério. Referiu que esse cenário onde assenta o OE 2023 "é globalmente coerente com as restantes projeções" para Portugal.