Luís Rodrigues: privatização da Azores Airlines está pronta para avançar

Leia a entrevista que Luís Rodrigues, recém-nomeado CEO da TAP deu ao DN na passada quinta-feira. O então Presidente da SATA Holding revelou que o documento da privatização da Azores Airlines está concluído e segue agora para o Governo Regional dos Açores. Compreende alienar "51% a 85%" e o processo negocial deverá estar concluído até outubro.

Quando estará pronto o caderno de encargos da privatização?
Aprovámos ontem em conselho de administração da holding e agora será levado ao governo regional que o aprovará na primeira oportunidade acredito.

O presidente do Governo Regional disse que este caderno de encargos seria mais amigável para os investidores do que foi da última vez. O que quererá dizer com isso?
Não consigo fazer comparações com o caderno de encargos anterior. Desenhámos o caderno de encargos em função do feedback do mercado, do feedback dos sindicatos e da comissão de trabalhadores e das circunstâncias que temos agora e no futuro. Daquilo que fomos conversando com os vários parceiros, achamos que o caderno de encargos mostra uma SATA saudável, pronta para novos voos e que vai ser apetecível para os investidores.

Desta vez admite-se privatizar mais do que 51%?
Sim, porque temos de deixar livre a opção do comprador, que ainda não sabemos quem é, para a forma como ele queira exercer essa compra. Se for para um aumento de capital, por exemplo, que o governo regional não quer ou pode acompanhar e transação não deve ficar condicionada por isso. Portanto, há a flexibilidade de ir além dos 51%, mas o governo regional obviamente quer manter uma participação ativa, mas isso não está em causa.

Mas há uma quota mínima?
Aquilo que o caderno de encargos considera é entre os 51% e os 85%. Mais do que 85% não está em causa, precisamente para que o acionista consiga manter uma gestão ativa na empresa pelo tempo que entender.

O processo de negociação poderá estar concluído em outubro? É exequível?
É um prazo exequível, porque o processo está desenhado sob a forma de concurso público internacional. Quando assim é, há um conjunto de metas e prazos que estão definidas por lei e que têm de ser cumpridos.

Portanto, quando pomos isto no papel, dá para que, até outubro e se tudo correr normalmente, o processo esteja concluído ou numa fase já muito avançada.

Chegou a dizer que haveria meia dúzia e interessados na SATA, em dezembro. Hoje mantêm-se esses interessados?
Já recebi mais de meia dúzia de manifestações de interesse informais, mas essas não contam para nada até se concretizarem. A partir do momento em que o caderno de encargos se tornar público é que as coisas começam a contar. Portanto, a expectativa que temos é de que vai haver interessados.

A Comissão Europeia aprovou uma ajuda estatal portuguesa de 453,25 milhões de euros para a reestruturação da companhia. Quais são os próximos passos nessa reestruturação?
É a privatização. Temos estado a complementar todos os elementos que estão no processo de reestruturação, em termos operacionais está tudo praticamente finalizado, o que agora falta é mesmo a privatização.

Percebi pelas suas declarações que não estaria muito convencido com a alienação da SATA Handling. Vai para a frente ou não?

Essa não é uma prioridade, pode esperar até ao limite do calendário que está definido e que é no final de 2025. Não podemos fazer duas privatizações ao mesmo tempo. A SATA Handling está a fazer um excelente trabalho, vai haver legislação técnica no setor que pode condicionar uma série de circunstâncias e é melhor esperarmos para ver antes de nos pormos noutro evento como a privatização da Handling.

Se bem entendi, admitiu que a SATA poderia manter o seu próprio handling?
É um mercado e uma indústria que está a evoluir de tal forma, do ponto de vista regulatório, que temos mesmo de esperar pela definição das coisas para ver isso. O que não faz sentido para mim é substituir um monopólio público por um privado, particularmente numa região autónoma como é os Açores. Porque se as coisas correm mal, ficamos muito condicionados.

A SATA vai concorrer às obrigações do serviço público nas ligações entre os Açores e o continente, apesar de não serem lucrativas?
A SATA vai concorrer, isso é definitivo.

Disse, a determinado momento, que "não seria o fim do mundo" se a SATA não ganhasse. Mantém?
Não, não é o fim do mundo, porque se a SATA não ganhar significa que alguém ganha e assegura as ligações. O que é importante é manter as ligações, o importante é que alguém ganhe para que os residentes das ilhas fiquem perfeitamente ligados como estão agora. Se não ganhar, a SATA pega na sua capacidade e vai fazer outra coisa, mas vai concorrer e apresentar uma proposta, isso faz parte do caderno de encargos.

A SATA, que tem capital público, se perder poderá ficar com o seu papel em causa?
Não. Primeiro, há uma parte do serviço público que é a SATA Air Açores que presta o serviço inter-ilhas e isso é intocável. Depois, as ligações com o continente, ao abrigo do serviço público, representam cerca de 14% ou 15% da nossa produção e essa é a percentagem que pode ficar em causa, mas os restantes 80% não estão em causa.

Relativamente às rotas internacionais, a Azores Airlines voa para Boston, Nova Iorque e Paris, onde a procura em 2022 foi baixa, mas está a recuperar em 2023. São rotas para manter? Há aviões suficientes?
As rotas são feitas em função da quantidade de aviões e os aviões são utilizados em função das rotas. Neste momento, o plano de produção está todo assegurado.

"Temos alcançado recordes de transporte de passageiros e em 2021 duplicámos a receita em relação a 2020. Em 2022 vamos duplicar em relação a 2021."

Chegou a dizer que Nova Iorque poderá render muito dinheiro, por causa dos slots. Como?
Temos rotas regulares para Nova Iorque e conta o tráfego que gera e a receita que gera. Acontece que, se conseguirmos manter a operação regular como temos mantido e em que começámos a apostar em tempos de covid-19 quando muita gente saiu, ganhamos o direito a ficar com um slot num aeroporto tão importante como é o JFK. E isso, por si só, pode valer um valor significativo, porque os slots nos aeroportos dos Estados Unidos podem valer mesmo muito dinheiro, embora não lhe saiba precisar quanto.

Em dezembro, garantiu que a SATA não terá necessidade de recorrer à banca e que a empresa deverá tornar-se autossustentável depois do processo de privatização da Azores Airlines estar concluído. Atualmente, continua a manter essas afirmações?
Esse é o nosso plano, aliás, até já era estarmos mais autónomos antes.

O que falhou?
O que falhou foi a guerra, a inflação, a desvalorização do euro, a escalada dos preços dos combustíveis, a disrupção dos aeroportos no verão e os problemas nas cadeias de abastecimento. Tudo isso falhou e é difícil de antecipar. A conjugação de todos estes fatores ao mesmo tempo cria um conjunto de circunstâncias que... minha nossa senhora! Mas cá estamos, conseguimos passar por essa tormenta e acho que vai correr bem.

No ano de 2022 poderá registar resultados históricos?

Temos alcançado recordes de transporte de passageiros que depois trazem o resto. O que tivemos em 2021 foi que duplicámos a receita em relação a 2020, e em 2022 vamos duplicar em relação a 2021 (102 milhões nesse ano).

Mas não há contas fechadas ainda?
Ainda não. Estarão assim que os auditores terminarem o seu trabalho, algures entre março e abril, mas provavelmente mais abril.

Na gestão dos preços da energia que desafios isto trouxe para a SATA e podemos, ou não, antever a subida do preço dos bilhetes?
A subida de preços é uma tendência da indústria, até agora ainda se verificou, mas toda a gente tem dito isso. De facto, os custos para as companhias aéreas subiram cerca de 40% ou 50%, na generalidade, e isso é praticamente impossível de acomodar dentro de um ecossistema financeiro que já é frágil.

Refere-se a custos são do jet fuel ou a custos gerais?
São de tudo, porque foi tudo. Os resultados de 2022 ainda não saíram, mas estarão alinhados com o plano de reestruturação, apesar de termos circunstâncias muito piores. Isto significa que se se tivessem verificado as premissas que estavam no plano de reestruturação, já estaríamos num momento fantástico. Isso não aconteceu por força das circunstâncias, mas o facto de as companhias terem resistido a isso é um sinal do enorme esforço e trabalho. Acho que toda a equipa está de parabéns por isso.

A alta das taxas de juro e da inflação roubam muito poder de compra às famílias. Que impacto antevê que isso possa ter em 2023 na procura?
O que todos estamos a perceber é que o mundo está a mudar de diversas formas e a verdade é que discutimos isso dentro de casa. Todos os sinais que temos enquanto pessoas inteligentes nos dizem que vem aí uma recessão enorme e que temos de nos preparar. Mas todas as reservas que temos para a frente dizem-nos que isto continua a crescer a um ritmo alucinante, portanto, é difícil conjugar uma coisa com a outra.

O que explica essa dicotomia? Ainda alguma vingança do consumo pós-pandémico?
Parece haver uma troca de consumo da parte das pessoas, isto é, abdicam de uma série de coisas que aprenderam a viver sem durante a pandemia e dão mais valor a outras. Aparentemente, as viagens e o destino região autónoma dos Açores têm beneficiado com isso e a coisa está a correr muito bem.

Esta conjuntura económica que é difícil para as famílias foi o que levou a SATA a criar a tarifa criança?
Não, isso também ajuda, mas é sempre um privilégio poder ter as crianças a bordo, faz parte.

Foi administrador da TAP e criou e implementou um plano global de redução de custos da companhia. Como é que vê hoje a realidade da TAP? Preocupa-o o estado da companhia aérea?
Acho que não seria correto fazer qualquer comentário sobre a TAP. Aquilo que posso dizer enquanto cidadão é que espero que a vida lhes corra bem, que resolvam os problemas todos e que se tudo correr bem para a TAP, então corre bem para todos.

Admite que possa vir a ser privatizada por um valor baixo e ficar nas mãos de outras companhias internacionais?
Não me pronunciarei sobre esse tema.

E o caso Alexandra Reis, surpreendeu-o?
Não me vou pronunciar sobre esse tema também.

No mercado da aviação já foi comentado que parece haver dois pesos e duas medidas no que diz respeito aos bónus. Na prática, na SATA está em curso a reestruturação e não são conhecidos bónus; na TAP também, mas a CEO receberá um polémico prémio. Afinal, o presidente da SATA também pode vir a receber ou não?
Não, não tenho bónus nenhum.

Mas como gestor de uma companhia aérea e que também é pública, sente que há dois pesos e duas medidas?
Não. Só sinto que sou um mau negociador, mais nada.

Surpreendeu-o o bónus da CEO da TAP?
Não me surpreendeu o bónus que foi anunciado, é assim que a indústria opera, é altamente competitiva.

Uma empresa intervencionada pelo Estado, seja o caso da TAP ou da SATA, deveria ter outro tipo de escrutínio por parte dos portugueses?
Acho que os sistemas e ferramentas de escrutínio estão lá todos, provavelmente o que acontece de vez em quando é que as coisas falham, ou por omissão de qualquer um ou por todos.

Mas falham por erro de gestão ou falham por erro político?
Nos divórcios todos somos culpados, todos têm responsabilidade.

O país perde dinheiro por não ter um novo aeroporto na capital. É uma situação que o preocupa e que, de algum modo, também prejudica a SATA?
Preocupa-me. Acho que o problema vai ser resolvido, espero que sim, mas preocupa-me porque condiciona algumas coisas. Por exemplo, qualquer investidor privado que venha a adquirir a SATA vai querer crescer, mas se não poder fazê-lo por limitações da infraestrutura aeroportuária, a coisa perde valor.

Mas acredito que o assunto vai ser resolvido, por mais tempo que demore, tenho esperança que aconteça.

O que está a faltar para acelerar a decisão? Será vontade política?
Acho que é um processo muito complicado e que já começou torto. É difícil pô-lo direito em alguma altura, mas acho que agora temos até ao final do ano para tomar uma decisão e resolver o problema, creio que foi isso que disse o primeiro-ministro.

Tem uma localização preferida ou que julgue ser a mais correta para o novo aeroporto?

Não, não. Quero é que a coisa seja resolvida rapidamente. Não defendo localização nenhuma porque não conheço suficientemente o tema e as localizações para me pronunciar a esse respeito, quero é que se resolva rapidamente.

Passou também pelo setor da comunicação social, na Media Capital e TVI. Que análise faz do estado dos media em Portugal?
Conheço mal o setor neste momento, mas acho que há uma competição saudável, há muitos players no mercado. Temos assistido a um conjunto de temas que nascem nos media e isso é saudável, é o escrutínio que o cidadão comum não consegue fazer, portanto, se os media o conseguirem fazer, tanto melhor. Neste momento, estou particularmente descansado em relação a esse tema porque vejo os jornalistas a fazer o seu papel, não acho que exista nenhum condicionamento a esse papel e, portanto, tenho como convicção que media livres e saudáveis são fundamentais para o desenvolvimento do país.

Foi gestor num grupo de comunicação social. Preocupa-o hoje a sustentabilidade do negócio dos media?
Isso é o Santo Graal dos media neste momento, conseguirem ser sustentáveis perante toda esta informação livre que agora existe. É preocupante e relevante, até porque se não houver media sustentável não há democracia, isso para mim é muito claro. Mas, neste momento, não conheço o tema o suficiente para me poder pronunciar sobre ele. Naqueles que subscrevo, pago e uso essa informação.

Do que conhece, a consolidação do setor parece-lhe um caminho inevitável?
O setor é o único que pode opinar sobre isto, os grandes players têm de estudar, analisar e acho que é saudável haver essas consolidações, não vejo nenhum mal nisso.

Um desafio ou uma oportunidade para o ano de 2023?
Que a guerra acabe.

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