"Lisboa vai ser a cidade mais digitalizada do mundo"

A comunicação exterior da capital vai sofrer uma pequena revolução, na sequência do contrato da Câmara de Lisboa com a JCDecaux para renovação e exploração dos espaços publicitários. Os ecrãs - e com eles formas mais eficientes de comunicar - são o futuro da cidade, acredita Philippe Infante, diretor-geral da empresa.
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Menos outdoors, menos painéis publicitários (múpis), mas muito melhor comunicação, seja publicitária, institucional ou até de serviços. É esta a promessa da revolução no mobiliário urbano que se está já a operar em Lisboa, na sequência do contrato assinado entre a câmara alfacinha e a empresa JCDecaux. Objetivo que só é possível visar dadas as ferramentas da digitalização.

"Segundo o nosso caderno de encargos, vamos ter 24% de redução dos [painéis de] dois metros quadrados e 58% de redução do grande formato [outdoors]", diz ao DN o diretor-geral da JCDecaux em Portugal, Philippe Infante, referindo-se ao acordo assinado a 15 de setembro, que atribuiu à multinacional sediada em França a exploração dos espaços publicitários na cidade. "Vamos ter uma cidade com menos ativos, mas vai ser a mais digitalizada do mundo."

Exagero? Não. "Vamos ter 250 múpis digitais, incluindo os abrigos", como paragens de autocarros. "E 125 grandes formatos digitais, o que dá 375 ecrãs na cidade", afirma o responsável. Numa cidade com 545 923 habitantes, isto significa um rácio de cerca de 6 ecrãs por cada 10 mil habitantes (muito mais do que Londres, uma das cidades mais digitalizadas da Europa que, segundo a JCDecaux, tem um rácio de 2,15 ecrãs digitais por 10 000 habitantes).

Esta mudança de meio de comunicação, do papel estático para o ecrã animado, é visível nos centros comerciais, em que todos os múpis já são ecrãs digitais, e na maior parte do aeroporto. Mas é um processo demorado, que só deverá estar concluído "no final de 2023", segundo Philippe Infante.

Estes novos suportes permitem igualmente a utilização de sofisticadas ferramentas digitais, como de medição de audiências e integração com outras plataformas que, em si mesmas, contribuem para a referida revolução na forma como é feita a comunicação de massas no espaço exterior.

Aquele que é, provavelmente, o caso mais sofisticado de mudança é o da chamada publicidade programática. Trata-se de automatizar, mediante os critérios que se considerem relevantes, toda uma campanha, de forma a mostrar nos ecrãs as imagens certas nos tempos e locais exatos para o objetivo pretendido, adaptando e modificando consoante o contexto real (se estiver a chover, se houver um evento desportivo...). Isto de forma a ser o mais eficaz possível e, em consequência, tornar a mensagem mais interessante para quem a vê.

A Displayce é uma startup francesa (recentemente comprada a 100% pela JCDecaux), criada especificamente para pesquisar e inovar a media programática no mercado digital out-of-home (publicidade exterior digital). A CEO e fundadora, Laure Malergue, explica ao DN o potencial deste tipo de comunicação com um exemplo. "Se uma marca de desporto quiser chegar a um público específico, como as pessoas que fazem running, ou simplesmente gostam de correr, vai querer ativar os vários ecrãs nas zonas onde essas pessoas estão com mais frequência nas horas em que elas lá estão a correr. Nós analisamos onde está o público e ativamos esses ecrãs apenas nos períodos em que sabemos que está a maioria do público-alvo da marca", explica.

DestaquedestaqueA mudança de meio de comunicação do papel estático para o ecrã animado já é visível nos centros comerciais, em que todos os múpis já são ecrãs digitais, e no aeroporto. Toda a cidade deverá estar renovada até ao fim de 2023.esquerda

A análise de comportamentos é feita "graças aos dados móveis" captados através dos smartphones, mas não com dados privados dos indivíduos. "Nós estudamos os movimentos de grupo", explica Laure Malergue. "Não a nível pessoal. O digital out-of-home não é baseado em cookies", garante, referindo-se aos pequenos ficheiros guardados no telemóvel ou computador que identificam o utilizador e permitem às empresas conhecer os seus hábitos de navegação online e, em consequência, de consumo.

Aqui procura-se, isso sim, perceber como "os agregados de pessoas, as tipologias, se deslocam pelos diferentes locais durante o dia, aos fins de semana", de forma a fazer chegar a mensagem a quem potencialmente possa mais interessar.

Tudo com o máximo de flexibilidade para quem compra publicidade e oferecendo uma experiência mais agradável para quem a vê. "Flexibilidade é a base da programática", diz Laure Malergue. Não será aliás coincidência que a mesma palavra surge na conversa com o líder da JCDecaux em Portugal. "Um planning mais pertinente, uma ativação mais envolvente, uma eficácia mais mensurável... A programática vai permitir o veículo entre a potência do meio e a flexibilidade de compra", garante Philippe Infante.

Todos os ecrãs de Lisboa (e os outros que existirão no país - só no Porto, para já serão 60) estarão ligados à mesma rede, pelo que potencialmente poderão ser utilizados para campanhas desenhadas desta forma.

As campanhas podem nem ter propósitos comerciais. Ainda que Philippe Infante só preveja as primeiras experiências programáticas no país para o fim do primeiro trimestre do próximo ano, Laure Malergue já fez várias em França e em países limítrofes.

"Em Bruxelas, fizemos uma campanha para os espaços verdes: quando estava mesmo muito, muito quente, mostrávamos a localização dos diferentes parques ao redor da cidade" com sugestões para as pessoas se refrescarem.

Citaçãocitacao"Estudamos os agregados de pessoas, as tipologias, como se deslocam durante o dia e aos fins de semana, de forma a fazer chegar a mensagem a quem potencialmente pode mais interessar", Laure Malergue, Fundadora e CEO da Displayceesquerda

Este tipo de indicações pode surgir, por exemplo, automaticamente se os raios ultravioleta ultrapassarem um valor considerado perigoso, ou caso os níveis de poluição atinjam valores graves. "Durante a covid [em França], explicámos em tempo real o número de pessoas que estavam já vacinadas", lembra ainda a CEO da Displayce.

Uma vez que em Lisboa, por contrato, a autarquia toma conta de cinco grandes ecrãs digitais, "passa a ter um canal de televisão na rua", como diz Philippe Infante. A gestão da cidade tem ainda "20 múpis e três minutos em cada elemento digital" só para conteúdos não-publicitários, pelo que a utilidade deste tipo de sistema dependerá apenas do que se quiser programar enquanto serviço informativo.

Enquanto publicidade pura e simples, por ser menos intrusivo do que as mensagens em telemóveis ou computadores, o digital out-of-home surge, num inquérito da Accenture, como o meio preferido dos jovens da "geração Z" (nascidos em meados dos Anos 90, portanto já com internet) para ver publicidade, mesmo à frente dos anúncios de TV (55% contra 48%). Todos os outros meios aparecem depois.

Não admira portanto que os anunciantes estejam atentos. "Hoje a publicidade digital out-of-home representa 30% da faturação do grupo no primeiro semestre de 2022. Em 2016, estávamos a 6%. Há um crescimento em média de 14% ao ano na faturação do digital só no grupo JCDecaux", diz Philippe Infante. Num mercado mais "maduro" a este nível, como o britânico, o número é ainda mais impressionante. "Em Inglaterra, o digital representa 74% da faturação." Parece que é tempo de começar a dizer adeus ao papel nos outdoors.

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