João Galamba: "Interesse no hidrogénio corresponde às melhores expetativas"

Empresas e municípios responderam à chamada do Governo e já apresentaram projetos para produzir hidrogénio, à boleia da linha de 7 mil milhões de euros que será disponibilizada até 2030.
Publicado a
Atualizado a

Até ontem, no último dia do prazo, chegaram ao Ministério do Ambiente os primeiros projetos de investimento para produção de hidrogénio, ao abrigo da Estratégia Nacional para o Hidrogénio, que deverá libertar 7 mil milhões de euros para o setor, nos próximos dez anos. "Se já tínhamos boas expetativas, elas foram amplamente correspondidas, pela quantidade e variedade de propostas", disse o secretário de Estado adjunto e da Energia, João Galamba, em entrevista.

O Governo prevê lançar ainda este ano um pacote de 40 milhões de euros para apoiar o investimento em hidrogénio limpo, em linha com as metas da Aliança Europeia para o Hidrogénio, apresentada a semana passada.

"O espectro das manifestações de interesse vai muito além de entidades óbvias como a Galp, REN ou EDP", assegura. Entre os interessados, encontram-se empresas de diversas dimensões e áreas industriais, desde a química às madeiras, passando pela pasta de papel, adiantou. Para exemplificar a atratividade do hidrogénio, o governante referiu que "uma sessão pública para discutir o tema juntou recentemente mais de 40 empresas portuguesas dos mais variados setores e mais de 80 pessoas participaram ativamente, o que demonstra o entusiasmo que esta nova área de negócio está a suscitar".

Também municípios como Lisboa, Cascais, Porto e Vila Nova de Gaia querem estar envolvidos no processo. A Câmara Municipal de Lisboa, por exemplo, quer instalar painéis fotovoltaicos no cemitério de Carnide para autoconsumo e para alimentar os autocarros elétricos da Carris e, ao mesmo tempo, criar as infraestruturas para a produção local de hidrogénio que deverá abastecer os futuros autocarros a hidrogénio. Todos os projetos agora remetidos, nesta fase, serão conhecidos numa sessão pública de apresentação agendada para dia 27.

No extremo oposto deste entusiasmo estão ambientalistas reunidos num manifesto anti-hidrogénio, que criticam a forte alocação de recursos a uma tecnologia ainda pouco madura e o envolvimento de petrolíferas na Aliança Europeia para o Hidrogénio. Uma iniciativa que João Galamba encara com "estupefação", porque revela "um total alheamento da realidade europeia e do momento mundial". No fundo, diz, "os que defendem esse manifesto não querem a descarbonização". Por outro lado, o governante sustenta que, para o caso, "ainda bem que a tecnologia ainda não é madura, se o fosse não haveria esta disponibilidade de fundos comunitários para incentivar o seu desenvolvimento".

Apoio de 400 mil milhões

João Galamba sublinha que a aposta da Comissão Europeia nesta nova tecnologia constitui "uma enorme oportunidade, não só para garantir as metas do clima, mas também para Portugal e as empresas portuguesas poderem destacar-se, desenvolvendo uma indústria de alto valor".

Em causa estão qualquer coisa como 400 mil milhões de euros de fundos comunitários a serem alocados a estes investimentos até 2030, tal como anunciou a comissária europeia para a Energia, Kadri Simson, na semana passada.

Quanto à estratégia portuguesa, que prevê um investimento de 7 mil milhões de euros até 2030, o secretário de Estado garante que "está perfeitamente alinhada com a ambição europeia". Portugal assume querer tirar partido do facto da Comissão Europeia e do BEI estarem muito empenhados em apoiar fortemente o setor e está a dar passos nesse sentido: "ainda a semana passada aprovámos a legislação para a produção, autoconsumo e injeção na rede".

Não só Bruxelas reconhece que este processo deve ser acelerado, como acredita que pode ser também uma componente importante do plano europeu de recuperação económica pós-covid. Para contextualizar a nova aliança europeia, João Galamba observa que foram sendo identificadas lacunas no programa para a descarbonização, que era muito focado na pura eletrificação dos consumos, o que deixava de fora algumas atividades que não podem ser facilmente abrangidas pela eletrificação, como a aviação.

"Percebeu-se que era preciso algo mais para atingir as metas propostas até 2030 e é neste contexto que surge, quer a estratégia portuguesa para o hidrogénio quer a da Comissão Europeia. A Aliança reconhece que a eletrificação não chega e traz o hidrogénio para a solução. Temos de olhar o sistema energético de forma integrada e o hidrogénio é o gás que pode desempenhar um papel central, partindo da eletricidade, mas sendo integrador", explica. A Aliança apela a um esforço concertado entre países, universidades, centros de investigação, indústrias, empresas, e ONG para materializar essa ideia.

Dependência energética

O secretário de Estado revela, a propósito, que "deveremos ter uma nova meta na versão final da estratégia nacional de hidrogénio, até final do mês, já com objetivos concretos". Em causa está, por exemplo, olhar para o hidrogénio não só como combustível, mas também como matéria-prima industrial.

"Esta é uma área de atividade de valor acrescentado elevado e onde Portugal tem condições para atrair muito investimento estrangeiro. Já temos aliás um consórcio franco-alemão que quer instalar uma fábrica de combustíveis sintéticos em Portugal para a aviação comercial. Com esse projeto podemos produzir internamente jet fuel renovável, sem necessidade de importar a matéria-prima para a sua produção". O governante adiantou outro projeto de uma empresa portuguesa para produzir amoníaco verde, que vai permitir subsituir a importação de amoníaco fóssil.

São apenas dois exemplos de como podemos reduzir a nossa dependência energética, atualmente nos 78%, revelou o secretário de Estado. "Toda a descarbonização é uma grande oportunidade para aumentar o VAB nacional e reduzir a dependência energética", remata.

Portugal já é o quinto país da UE com maior percentagem de renováveis no seu mix energético, o que leva João Galamba a considerar que "numa era de energias limpas, somos mais ricos do que a Alemanha em recursos naturais". Se na velha economia os detentores de recursos como o gás, minério e petróleo são os que têm condições para acumular mais riqueza, na nova economia o paradigma pode alterar-se, pelo menos em parte, acredita João Galamba.

"Queremos alavancar os nossos recursos naturais renováveis competitivos - principalmente sol e vento - e a localização geográfica de Sines - um porto profundo que é o principal centro de energia fóssil do país - e apresentar um conjunto de projetos que podem abranger mais elementos da cadeia de valor do hidrogénio para produzir, armazenar, transportar, usar e exportar hidrogénio verde em escala industrial", assume.

Veja tudo sobre mobilidade e o Portugal Mobi Summit em www.portugalms.com

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt