"Já neste ano, 50% do Produto Interno Bruto será influenciado pelo digital"

Consultora internacional adianta em exclusivo para o DN previsões para a transformação digital do país. E analisa como foram os investimentos no setor em ano de pandemia - com resultados surpreendentes.
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Nos dois anos da pandemia, com a economia nacional (e mundial) em contração, o investimento no setor tecnológico fez o caminho inverso: não apenas escapou à crise como floresceu. Para a IDC, consultora internacional sediada nos EUA, que desde 1964 analisa os dados de investimento em tecnologia no mundo, é um facto inédito.

"Em 2020, e principalmente em 2021, vimos uma alteração brutal na forma como se consome tecnologia a nível mundial, e em Portugal também", diz ao DN Gabriel Coimbra, diretor-geral da IDC para Portugal, antecipando para o DN dados do relatório Predictions - Future of Digital Infrastructure, que será apresentado nesta quinta-feira. "Pela primeira vez na história, houve uma correlação inversa entre a economia e o investimento em tecnologia. Enquanto a economia caiu 5% a nível mundial, o investimento em tecnologia cresceu 3%." E Portugal não foi exceção: "A quebra do PIB foi maior ainda e o mercado de IT continuou a crescer: quase 2%."

Um pouco de perspetiva: "O que normalmente aconteceria seria que, com uma quebra de 5% no PIB [mundial], o investimento cairia 10%, 15%", afirma Coimbra.

Objetivamente, com milhares de pessoas (ou milhões no mundo) em casa, entre confinamento e teletrabalho, uma boa parte da economia só pôde continuar a funcionar baseando-se ainda mais na digitalização, nos serviços online, como o e-commerce e outras soluções na nuvem. Muitas empresas tiveram de investir nas estruturas que já possuíam para permitir o trabalho remoto, outras para sobreviver tiveram mesmo de encontrar novas soluções em áreas nas quais ainda não se tinham aventurado, como as lojas virtuais e as apps de encomendas eletrónicas. Uma tendência que já vinha de trás e que, tudo indica, só irá continuar a crescer.

"Na IDC, prevemos que, já em 2022, cerca de 50% do Produto Interno Bruto seja influenciado pelo digital", diz o responsável máximo pela consultora para o nosso país. "As infraestruturas tecnológicas, hoje, são críticas para o negócio de qualquer empresa. No passado, quando os sistemas deixavam de funcionar, as empresas não deixavam de vender, mas hoje, se os sistemas de informação e digital deixam de funcionar, as empresas deixam de vender. Já não é uma questão de manter a tecnologia, mas de manter o negócio."

A aposta das grandes empresas portuguesas nas soluções tecnológicas na "nuvem" tem-se mantido constante. "O investimento em cloud cresceu 25%, em 2020, e em 2021 continuou a crescer 22%. E para 2022 a nossa perspetiva é que cresça cerca de 20%. Em 2020, ultrapassámos os 300 milhões de euros investidos em serviços na nuvem", revela Gabriel Coimbra.

Valores elevados, mas que são essencialmente gastos pelas grandes empresas. O que se revela problemático num país maioritariamente composto por micro, pequenas e médias empresas. "As PME representam só um terço do investimento na cloud", reconhece Coimbra. O que é que isso quer dizer? "Em média, as PME podem estar muito atrasadas em relação à adoção da cloud, estão atrasadas em termos de maturidade digital e depois, consequentemente, na utilização daquilo que são as tecnologias e a infraestrutura digital mais moderna, que está disponível na cloud".

"O nosso tecido empresarial tem aqui um desafio enorme. Vemos alguma maturidade e até muito boas práticas junto de algumas grandes organizações. Vemos também uma maturidade bastante significativa e avançada em algumas startups e scale-ups, novas empresas, mais tecnológicas - na IDC já identificámos mais de duas mil. Mas depois o grosso das PME dos setores tradicionais, de facto, tem uma maturidade digital muito baixa". O que se reflete a nível "da nossa competitividade, como economia nacional, que é baixa, porque são empresas (há obviamente muitas e boas exceções) sobretudo focadas no mercado nacional, não são empresas globais".

Num contexto em que os ciberataques parecem ser notícia quase diária, muitos pequenos empresários podem hesitar ainda mais em dar o salto para entregar os seus dados - e os dos clientes - a empresas terceiras e partir para soluções "na nuvem". Gabriel Coimbra tem para eles algumas palavras: "Se uma PME tentar desenvolver e implementar o seu sistema de gestão ou os seus sistemas "em casa", vai ter de ter recursos especializados, que hoje não existem, não estão disponíveis. A segurança que hoje a cloud disponibiliza é muito maior do que qualquer solução que uma PME conseguiria ter."

"A cloud é hoje uma questão de crescimento, de gestão e de competitividade global para conseguirmos ter tecnologias que nos permitam, de facto, ser competitivos nos nossos mercados e nos mercados globais", sublinha o especialista. De outra forma, só com muita dificuldade uma empresa poderá sobreviver num mundo que, quer se queira quer não, está mesmo totalmente ligado.

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Portugal foi um dos três países da Europa que mais tarde resolveram a questão do licenciamento das frequências para a implementação da rede de internet móvel de última geração. Um atraso que, para o diretor-geral da IDC para Portugal, pode fazer perder oportunidades. "O atraso do 5G é prejudicial para Portugal, não tenho dúvidas. Desde lo- go, tem uma série de consequências diretas, em relação ao que é o desenvolvimento do mercado de telecomunicações e dos servi- ços que ficam disponíveis para as empresas e para consumidores", diz. "Mas se pensarmos de forma mais indireta, todo o ecossistema que se gera à volta do 5G, nas startups e nas empresas tecnológicas, todas as soluções que vão nascer por cima do 5G, acabam por se atrasar ainda mais. Esse atraso se calhar foi de seis meses ou de um ano... Pode parecer pouco, mas se pensarmos que a velocidade da aceleração tecnológica está a aumentar cada vez mais... Esse atraso representa muito mais em termos de competitividade tecnológica e capacidade de inovação."

ricardo.s.ferreira@dn.pt

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