Resolução do BES "às prestações?" Foi por causa da legislação, diz Carlos Costa
O vice-governador do Banco de Portugal, Luís Máximo dos Santos, tinha admitido que a resolução do BES foi feita às prestações. Mas o líder do supervisor, Carlos Costa, rejeita que quando na altura se tenha pecado por defeito na capitalização do banco que resultou dos escombros do BES, o Novo Banco. Explica que as contas que foram feitas respeitaram a legislação da altura e que se fosse agora a capitalização teria de ser maior.
O Novo Banco foi criado em 2014 com uma injeção de capital de 4,9 mil milhões (3,9 mil milhões dos quais financiados pelos contribuintes). Mas quase cinco anos depois da resolução do BES, e já depois de ter sido vendido à Lone Star, o banco pediu quase 1,9 mil milhões ao Fundo de Resolução ao abrigo de um mecanismo que protege o fundo americano de perdas com um determinado conjunto de ativos que veio ainda do antigo BES.
A atuação do Banco de Portugal na resolução foi alvo de fortes críticas por parte do governo. O ministro das Finanças, Mário Centeno, afirmou em março que se tratou de uma "resolução aparentemente falhada" que "deixou um banco mau dentro do Novo Banco". Argumenta que é por isso que se continua a ter de injetar capital no Novo Banco e a fazer empréstimos do Tesouro ao Fundo de Resolução. Em 2018 e já este ano o banco pediu um total de cerca de 1,9 mil milhões ao Fundo de Resolução.
Mas Carlos Costa defende a forma como foi feita a resolução, e diz que pode ter existido um problema de "lost in translation" com as declarações de Máximo dos Santos. "Tenho muita consideração pelo vice-governador. É especialista em Direito, conhece as regras europeias e sabe até que limites é que se pode ir", disse. O governador afirmou que o que o vice-governador quis dizer é que as perdas não poderiam ser todas assumidas à cabeça.
O governador explicou que não era possível utilizar o conceito de avaliação que se utiliza atualmente, o do valor económico, que resultaria numa capitalização mais elevada do que o foi feito há cinco anos. Com esta metodologia, que é apenas usada desde 2017, é "possível assegurar que as perdas são absorvidas no momento inicial", o que não foi feito no Novo Banco. "A legislação não previa nem autorizava o valor económico", defende. Caso o tivesse utilizado em 2014, "iriam dizer que estávamos a sobrecapitalizar e que isso era contra as normas europeias".
"A avaliação independente foi realizada numa lógica de continuidade da atividade do banco, em conformidade com as normas internacionais de contabilidade, e não numa lógica de valor económico conforme se preconiza atualmente e está previsto pela Autoridade Bancária Europeia desde 2017", disse o governador esta quinta-feira numa audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa pedida pelo grupo parlamentar do PS.
Carlos Costa rejeitou assim a crítica de que houve perdas que não foram reconhecidas no balanço inicial do Novo Banco e que o banco não foi capitalizado de forma adequada. O governador argumentou ainda que as perdas que o banco tem vindo a registar estão em linha com a de outras instituições financeiras. Isto apesar de em 2017, ano da venda e já de recuperação da economia, o banco ter tido prejuízos recorde e de as imparidades terem disparado, como notou a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua.
"Após a avaliação independente foram revelados dados e riscos até então desconhecidos, reportados a factos anteriores a 3 de agosto, os quais tiveram impacto no valor dos ativos", afirmou Carlos Costa.
Não foi apenas o ministro das Finanças a criticar a forma como a resolução foi feita. O presidente do BES nessa data, Vítor Bento, também o fez. O economista tinha considerado em março, numa entrevista à RTP, que a avaliação inicial do Novo Banco aquando da resolução do BES foi mal feita e que houve uma sobrevalorização dos ativos.
Confrontado com estas declarações, Carlos Costa realçou: "Não fui eu que assinei as contas de 27 de julho de 2014 e não foi isso que disseram os auditores que auditaram as contas". E avisou que "as pessoas têm de ter cuidado com o que dizem sob pena de darem um tiro nos pés. Se alguém que assinou umas contas diz que as contas não eram o que eram está naturalmente a cair num campo muito pantanoso".
Após uma primeira tentativa falhada, o Novo Banco foi vendido em outubro de 2017 ao fundo americano Lone Star. Mas, em troca, o comprador exigiu ser protegido num conjunto de ativos problemáticos que vinham ainda do antigo BES e que o Banco de Portugal decidiu que permanecessem no Novo Banco.
Carlos Costa justificou que assim se evitou lesar o património do Novo Banco e beneficiar o BES em liquidação. "Caso esta carteira de ativos não tivesse sido transferida para o Novo Banco o Fundo de Resolução teria que ter capitalizado o Novo Banco pelo valor contabilístico integral dos ativos, com inevitável recurso massivo a recursos públicos para o seu financiamento", explicou. Dessa carteira com um valor contabilístico, líquido de imparidades, de 7,8 mil milhões, Carlos Costa diz que já se recuperaram 3,3 mil milhões.
Para convencer a Lone Star a ficar com o Novo Banco, o Fundo de Resolução aceitou a injetar até 3,89 mil milhões na instituição até 2025, caso houvesse perdas num determinado conjunto de ativos que colocasse em causa os rácios de capital. Em apenas dois anos, foram já solicitados quase 1,9 mil milhões, metade do valor total que pode ser colocado no banco.
Ainda assim, Carlos Costa considera que essa solução "defende o vendedor". Há um limite máximo a ser utilizado e uma partilha dos prejuízos. "Relativamente às perdas incorridas sobre aquele conjunto de ativos, o Fundo de Resolução só compensou 73% e 27% são suportados pelos acionistas enquanto tal".