Leis laborais revistas quase sem desvios ao acordo de concertação social

PS, PSD e CDS chumbaram ontem propostas do Bloco e dos comunistas para maiores garantias ao trabalho por turnos e noturno.
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Os deputados terminam nesta quarta-feira a apreciação na especialidade da revisão das leis laborais, que deverão ir a votação final global na sexta-feira. O texto não foge praticamente à pauta do acordo de concertação social de maio do ano passado, depois de PS, PSD e CDS terem ontem terminado as votações indiciárias com o bloqueio de um conjunto de propostas do PCP e do Bloco de Esquerda sobre os regimes de trabalho por turnos e noturno.

Entre as iniciativas dos parceiros da geringonça estavam a obrigatoriedade de pagamento de subsídio de turno mínimo de 25%, a possibilidade de os trabalhadores nestes regimes poderem antecipar reformas, a garantia de folgas semanais e de gozo de pelo menos um fim de semana por mês, assim como de períodos de descanso de 24 horas entre mudança de turnos, ou ainda a redução de horário para 35 horas semanais e a realização de mais exames médicos.

PSD e CDS disseram não a todas as iniciativas não acordadas no Conselho Permanente de Concertação Social. O PS fez também saber que entende que a organização do tempo de trabalho é matéria para a contratação coletiva. Mesmo que, segundo argumentou o BE, grande parte dos trabalhadores em turnos não estejam abrangidos por estes instrumentos.

No final de março, 771 mil pessoas trabalhavam por turnos, mais 8% do que há quatro anos. Já o trabalho noturno contava mais de meio milhão de pessoas, a subir 6%. A maior parte dos trabalhadores encontram-se no setor dos serviços, onde as organizações patronais se manifestaram fortemente contra as propostas que não estavam no menu acordado em maio do ano passado pelos parceiros sociais.

Volte-face e espanto

Os parceiros do PS na geringonça deixaram críticas ao posicionamento socialista no processo. "Lamentamos que num conjunto muito alargado de propostas e de artigos com impactos muito diferenciados a disponibilidade para ir mais longe no reforço dos direitos dos trabalhadores por parte do PS tenha sido zero", afirmou a deputada do PCP Rita Rato.

José Soeiro, do BE, também lamentou o chumbo de todas as iniciativas à esquerda do PS. "Não houve uma única proposta deste guião que tivesse sido aprovada. Foram todas chumbadas pela convergência do PS, PSD e CDS. Todas sem exceção. Até aquelas que tinham sido aprovadas na generalidade pelo Partido Socialista", disse.

A votação de ontem ficou ainda marcada pelo chumbo pelo PS, ao lado de PSD e CDS, das propostas da esquerda para garantir que os trabalhadores não perdem o direito a contestar despedimentos ilegais após pagamento de indemnização. Na votação na generalidade, há um ano, os socialistas puseram-se ao lado do BE. Os bloquistas quiseram saber razões para o "volte-face". O PS respondeu não ver razões para "grande espanto" e disse que mudar acontece em democracia.

"Estamos em democracia. Somos contra. Se entendemos justificar agora, justificamos. Se entendemos não justificar, não justificamos", disse, juntando que o PS poderá até ainda recuperar a norma para plenário. A votação final global "até pode ser diferente ou pode ser a mesma", disse a deputada Wanda Guimarães.

Mas o PS também viu chumbada uma das suas propostas. Dizia respeito às regras de escolha e caducidade dos contratos coletivos de trabalho, com o partido a defender um prazo de três meses para os trabalhadores aderirem à convenção e um prazo máximo de vigência de um ano para estes acordos, quando a lei prevê hoje que essa seja a vigência mínima. Ficam assim a valer as regras em vigor.

A noite da troika

Não há nas leis laborais mudanças do dia para a noite. BE e PCP queriam repor o relógio dos portugueses para o período pré-troika. Se o ajustamento nas leis laborais durante o resgate ao país pôs a noite portuguesa a começar às 24 horas e a acabar às 5.00, nas propostas de revisão o PCP recuava o ponteiro até às 20.00 e o Bloco até às 22.00.

Esta seria uma iniciativa com impacto nas remunerações dos trabalhadores já que o trabalho à noite é pago com um acréscimo de 25% e atualmente há mais de um milhão de portugueses que fazem serão após as 20.00, segundo o INE. Mas, à semelhança do que sucedeu com as votações para mudanças no trabalho por turnos, também aqui PS, PSD e CDS chumbaram quaisquer alterações.

Os partidos à esquerda do PS queriam ainda um regresso às férias pré-troika, com a possibilidade de os 22 dias úteis de gozo anual serem majorados para quem trabalha por turnos ou de noite. Medidas igualmente chumbadas.

A votação final global das alterações às leis laborais encerra na sexta-feira os trabalhos da Assembleia da República, com as apreciações feitas na especialidade a serem ratificadas hoje na comissão parlamentar do Trabalho e Segurança Social. Grosso modo, acabam por traduzir o entendimento dos parceiros sociais, com uma exceção: a iniciativa do PCP para alongar a formação obrigatória paga pelos empregadores de 35 para 40 horas, que foi aprovada pelo PS e pelo BE.

O que vai mudar no Código do Trabalho

- A duração do período experimental é estendida para 180 dias para os trabalhadores à procura de primeiro emprego e para desempregados de longa duração. O PS previa uma norma-travão segundo a qual este período seria anulado nos casos em que o trabalhador tinha já realizado estágio profissional, trabalho temporário ou outro contrato a prazo com o mesmo empregador, mas a proposta acabou por não ser aprovada.

- Os trabalhadores passam a ter direito a 40 horas de formação contínua por ano, ao invés das atuais 35, numa proposta do PCP que recebeu o apoio do PS e do BE. No entanto, foi chumbada a proposta de eliminar o atual prazo de três anos durante o qual os trabalhadores podem reclamar créditos de formação não usados.

- A duração dos contratos a prazo fica limitada a dois anos (contra os três atuais), sendo permitidas até três renovações, mas que não podem exceder juntas dois anos.

- A duração máxima dos contratos a termo incerto passa de seis para quatro anos.

- Além das situações de necessidades temporárias, os contratos a prazo podem ser usados por empresas com até 250 trabalhadores (atualmente o limite é de 750) no período até dois anos após o início de uma nova atividade. Noutros casos, ficam circunscritos ao emprego de desempregados de muito longa duração - à procura de emprego há mais de dois anos. Antes aplicavam-se a desempregados de longa duração (um ano) e a pessoas à procura do primeiro emprego.

- Os empregadores que abusem de contratos a prazo ficam sujeitos a uma taxa de contribuição adicional de até 2% do valor da massa salarial dos contratos a prazo que celebrou. O abuso vai ser definido em relação à media do setor, que terá de ser publicada a cada ano pelo governo. As taxas também só vão ser cobradas no ano após a regra passar a vigorar. Assim, as empresas só serão chamadas a pagá-la em 2021.

- Os contratos de trabalho de muito curta duração passam a poder estender-se até 35 dias, aplicando-se ao trabalho sazonal agrícola, turístico e agora também a outros setores onde haja "acréscimo excecional e substancial da atividade de empresa".

- O regime de banco de horas individual acaba um ano após as atuais revisões à lei laboral terem sido publicadas.

- Passa a estar prevista a realização de um referendo para a instituição de banco de horas de grupo fora da contratação coletiva.

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